Antibióticos usados pela mãe interferem na microbiota do bebê até um ano

Criança fica mais suscetível a problemas como asma, diabetes e alergias. Segundo o estudo internacional, o aleitamento materno pode reduzir os estragos

por Vilhena Soares 29/06/2016 15:00
Valdo Virgo / EM / D.A Press
(foto: Valdo Virgo / EM / D.A Press)
Os primeiros dias após o parto são imprescindíveis ao desenvolvimento do corpo humano. Nessa etapa, o organismo do recém-nascido se adequa para viver fora do corpo da mãe. Médicos e cientistas sabem que ingerir antibióticos de forma exagerada nesse período pode prejudicar a adaptação, além de deixar a criança mais suscetível a problemas como asma, diabetes e alergias. Um grupo internacional de estudiosos decidiu investigar a fundo as complicações causadas por esses remédios. Descobriu que os bebês medicados têm a quantidade de bactérias da microbiota reduzida, e que a amamentação e o parto vaginal podem garantir a variabilidade bacteriana infantil.

“Eu tive essa ideia (de estudar o impacto dos antibióticos) há 10 anos. Queria entender como o microbioma se monta nos primeiros anos de vida e como as práticas modernas, como a cesariana, a alimentação com leite artificial e os antibióticos, podem afetar o organismo”, detalhou ao Correio Martin Blaser, um dos autores do estudo e pesquisador da New York University Langone Medical Center, nos Estados Unidos. O trabalho, que contou com a participação de estudiosos da Finlândia, foi divulgado na edição desta semana da revista Science Translational Medicine.

A análise dividiu-se em duas etapas. Na primeira, os cientistas avaliaram 43 crianças norte-americanas em seus dois primeiros dias de vida. Foram coletadas amostras de fezes dos bebês depois do parto e das mães antes e após o nascimento dos filhos. Descobriu-se que crianças nascidas de parto cesariano, quando o contato com a microbiota da mãe é menor do que no parto vaginal, apresentavam uma diversidade bacteriana menor. A alimentação com leite artificial em vez do materno também interferiu na redução do micro-organismos presentes no intestino dos pequenos.

No segundo experimento, os cientistas analisaram 39 crianças com mais de 3 anos. Coletaram amostras fecais mensais dos meninos e das meninas desde o nascimento até completarem 36 meses de vida. Durante o período de análise, 20 participantes receberam antibióticos para tratar infecções respiratórias ou de ouvido. Os pesquisadores perceberam que as crianças expostas aos remédios sofreram redução na diversidade microbiana do intestino e aumento na quantidade de genes resistentes a antibióticos. Outra constatação foi a de que, nos primeiros meses de vida, todos os bebês nascidos por cesariana e cerca de 20% dos que tiveram o parto vaginal apresentaram diminuição de bacteroides — bactérias conhecidas por ajudar a regular a imunidade intestinal —, o que reforça os dados dos primeiros testes.

A equipe ressalta que a redução da microbiota provocada pelo parto cesárea, pela falta de aleitamento materno e principalmente pelo uso exagerado de antibióticos deixa o organismo mais suscetível a uma série de enfermidades. “Há mais e mais evidências de que essas práticas no início da vida afetam os riscos de doenças em desenvolvimento na infância e na vida adulta, como diabetes, asma, alergias, obesidade e doença inflamatória intestinal. Outro fator que nos surpreendeu é que a redução da microbiota detectada nos bebês permaneceu por mais de um ano após o nascimento”, disse Blaser.

Valdo Virgo / EM / D.A Press
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Excesso de cesáreas
Para evitar esses prejuízos, os autores acreditam que a única saída é reduzir as práticas que prejudicam a microbiota. “Temos muitas cesarianas desnecessárias. A taxa desse tipo de parto é muito alta, principalmente no Brasil. Também precisamos diminuir o uso da alimentação artificial”, defendeu o autor. “Os antibióticos só precisam ser usados quando necessário, quando os benefícios valem os custos. As pessoas têm utilizado esses remédios como se fossem inofensivos, mas eles são prejudiciais ao nosso microbioma”, complementou Maria Gloria Dominguez-Bello, uma das autoras do estudo e professora da Escola de Medicina da Universidade de Nova York.

Para Gustavo Nicolas Medeiros, pediatra da clínica médica Pediatra em Casa, em Brasília, o trabalho traz suspeitas conhecidas na área médica, mas que careciam de mais dados para serem comprovados. “Sabemos que o uso em excesso (de antibióticos) é prejudicial e que realmente ele tem sido receitado de forma exagerada. Muitas vezes, sem necessidade, como em casos de pneumonia, quando não são necessários, mas acabam sendo receitados”, destacou o especialista.

Medeiros explica que essa classe de medicamentos acaba trazendo mais segurança. Por isso, é bastante explorada. “Temos muitos casos em que o médico não sabe ao certo o que a criança tem, e esse remédio equivale a um amuleto. É usado para termos certeza de que a criança não vai piorar. Acredito que uma tendência é pensar em um uso mais racional de antibióticos, o que temos tentado implantar desde agora”, explica.

“Há mais e mais evidências de que essas práticas no início da vida afetam os riscos de doenças em desenvolvimento na infância e na vida adulta, como diabetes, asma, alergias, obesidade e doença inflamatória intestinal” - Martin Blaser, pesquisador da New York University Langone Medical Center (EUA) e um dos autores do estudo