Cuidados paliativos buscam manter ativa a vida de pessoas com doenças prolongadas, incuráveis ou progressivas

por Ludymilla Sá 10/03/2016 15:00
Valf / EM / D.A Press
(foto: Valf / EM / D.A Press)
A compaixão pelo doente e seus familiares, o controle rigoroso dos sintomas e da dor, o alívio do sofrimento, a busca pela autonomia e, especialmente, pela manutenção de uma vida ativa. Esses são alguns dos princípios dos cuidados paliativos (CP), que não se restringem ao tratamento de pacientes com câncer em estágio terminal, como muitas pessoas ainda pensam. O tratamento, finalmente, já é reconhecido em todas as esferas da sociedade, tendo como alvo a pessoa doente, e não a doença, independentemente de qual seja.

Segundo definição da Organização Mundial de Saúde (OMS) de 2002, cuidados paliativos são uma abordagem que aprimora a qualidade de vida dos pacientes e famílias que enfrentam problemas associados com doenças ameaçadoras de vida, por meio da identificação precoce, avaliação correta e tratamento da dor e outros problemas de ordem física, psicossocial e espiritual. “Trata-se de uma resposta ativa aos problemas decorrentes da doença prolongada, incurável e progressiva. Busca-se uma autonomia e manutenção da vida ativa, enquanto ela durar, não importando o tempo, uma semana, um mês, um ano”, elucida a psicóloga clínica Maria Emidia de Melo Coelho, especialista em luto, mestre em ciências da religião e membro da Sociedade de Tanatologia e Cuidado Paliativo de Minas Gerais (Sotamig).

Tradicionalmente, o CP é usado para atender as necessidades de pessoas com câncer e os familiares envolvidos no processo. Mas já é reconhecido como a melhor abordagem para cuidar de pessoas com um leque de doenças sem perspectiva de cura, graves e avançadas, que ameaçam a continuidade da vida, como a demência. “Trata-se de uma abordagem diferenciada para o paciente que antes ouvia dos seus médicos 'não há mais nada a fazer'. Pelo contrário: há sempre muito a fazer”, define a médica clínica Cristiana Guimarães Paes Savoi, com atuação em cuidados paliativos e vice-presidente da Sotamig.

Por essas definições e o desafio desse tipo de trabalho para todos os envolvidos num processo de CP, Maria Emidia explica que só é possível falar de cuidado paliativo quando há uma equipe multidisciplinar. “Isso porque, diante de uma doença grave e de todos os transtornos decorrentes do quadro, temos sintomas de natureza física, social, emocional e espiritual. O cuidado deve ser integral, em todas as dimensões, para ajudar o doente e seus familiares no enfrentamento e adaptação às mudanças de vida impostas pela doença.”

Jair Amaral/EM/D.A PRESS - 11/6/14
Cristiana Guimarães Paes Savoi, médica clínica com atuação em cuidados paliativos e vice-presidente da Sociedade de Tanatologia e Cuidado Paliativo de Minas Gerais (foto: Jair Amaral/EM/D.A PRESS - 11/6/14)

ALÍVIO DA DOR
Segundo a psicóloga, uma equipe mínima de cuidados paliativos seria composta por médicos, enfermeiro, psicólogo, assistente social e um profissional da área de reabilitação. Já a ideal teria médico, enfermeiro, psicólogo, assistente social, nutricionista, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, dentista e assistente espiritual. “Outras intervenções, como musicoterapia e arteterapia, também são muito eficazes. A assistência nos cuidados paliativos preza pela multidisciplinaridade e integração de todos os envolvidos na arte de cuidar.”

Para Emidia, cuidado paliativo é uma arte que implica em ter disposição de se entregar a uma relação na qual existe um ser disponível para cuidar do outro, aliviando sua dor, apaziguando seu sofrimento. “A escuta atenta e o acolhimento das necessidades demandam sutilezas, que podem ser expressas num gesto, no silêncio ou em palavras. O leque de assistência é amplo e não fica restrito a uma intervenção medicamentosa. A assistência deveria começar no diagnóstico, estendendo-se no percurso da doença, na morte e no luto.”

Cristiana Savoi acrescenta: “Diante da doença progressiva ou mesmo da perspectiva da morte próxima, aspectos fundamentais precisam ser abordados. Como o paciente está se sentindo? Existe sofrimento passível de alívio? Como ele quer ser tratado? O que é importante pra ele nesse momento? Quais são suas prioridades? Quais medos e expectativas ele tem? As decisões de fim de vida foram tomadas? E sua família? Está devidamente orientada? Quando me perguntam se não é frustrante cuidar de pessoas que vão morrer, costumo retrucar: ‘Vamos todos morrer, por incrível que pareça.’ Gosto da ideia de cuidar do paciente, e não de sua enfermidade. Quando se cuida de doenças, é possível ganhar ou perder. Quando se cuida de pessoas, a gente ganha sempre”, enfatiza a médica.

Caminho longo
Apesar dos avanços, há um logo caminho a ser percorrido, na avaliação da vice-presidente da Sotamig. “Ainda precisamos caminhar muito. Atualmente, não dispomos de portarias específicas para a inclusão e desenvolvimento dos cuidados paliativos no Sistema Único de Saúde (SUS), o que é uma necessidade urgente. Programas de atenção domiciliar como o Melhor em Casa e algumas portarias referentes à assistência de pacientes crônicos (cuidados prolongados) existem e têm alguma interface com a proposta dos CP, mas não suficientemente abrangentes. A inclusão de matérias curriculares nos cursos de graduação de profissionais de saúde também é imprescindível. Temos poucos profissionais capacitados para esse tipo de assistência em nosso país. Isso precisa mudar.”

Especialização
A especialização é fundamental, de acordo com as profissionais. “Afinal, acompanhar um ser humano que está sofrendo ou morrendo é um dos maiores desafios que podemos enfrentar. Trata-se de um processo permeado por crises de medo e insegurança”, diz Maria Emídia. A psicóloga comenta ainda que abordar esse momento de fragilidade e de grandes emoções exige responsabilidade e treinamento. “Não há uma receita ou maneira correta de acompanhar esses pacientes, porque o morrer de cada um é tão singular quanto o seu viver. A doença e a morte continuam sendo temas-tabu. Precisamos falar da morte, para viver melhor. Precisamos entender que cuidar da morte é como cuidar do nascimento. Por isso, a importância dos cuidados paliativos, que ensinam a promover a qualidade de vida na terminalidade, com atenção integral ao doente e seus familiares”, acrescenta.

E mesmo com toda a experiência e capacitação, é impossível não criar vínculos com seus pacientes e familiares. O sentimento, segundo Cristiana Savoi, faz o trabalho ser mais humanitário. “Essa é uma das experiências mais ricas e emocionantes para o profissional. É um privilégio poder acompanhar as pessoas num momento tão especial. As histórias de vida, as vivências e particularidades de cada paciente. Carrego um pouco de todos eles comigo e sempre me envolvo, às vezes de modo especial com alguns. São pequenas vitórias todo dia. Ajudar a filha pequena a entrar no CTI para se despedir do pai, mesmo contra as regras do hospital, conseguir um padre para dar a unção dos enfermos a uma paciente fervorosa que se recusava a partir sem o sacramento, receber um bilhete de agradecimento após a morte da esposa, por ter dado a ela uma morte serena, ganhar um sorriso de uma senhora centenária que há anos não interagia com ninguém... São muitos os motivos para continuar feliz no meu trabalho!”

Fique de olho!

A Sociedade de Tanatologia e Cuidado Paliativo de Minas Gerais (Sotamig) oferece, anualmente, um curso de tanatologia e cuidados paliativos, que tem como objetivos a atualização de conceitos teóricos, a discussão de abordagens que orientam a prática clínica e a troca de experiências entre profissionais de diferentes áreas. Informações: (31) 3247-1616.