Pesquisa brasileira lista técnicas mais comuns para manter relacionamento amoroso

Enquanto os homens gostam de exibir recursos, mulheres cuidam mais da aparência. Entretanto, há algumas diferenças culturais

por Isabela de Oliveira 02/02/2016 09:30
Em O banquete, Platão afirma que o amor romântico nasceu no Olimpo: irados, os deuses separaram casais antes unidos em um só corpo. As criaturas de quatro braços e pernas, mas apenas uma cabeça e face, eram consideradas invencíveis pelas divindades, que as condenaram, com a divisão, a penar em busca eterna por suas almas gêmeas. Enquanto o mito platônico descreve, fantasiosamente, a necessidade humana de encontrar a cara-metade, a ciência investiga, objetivamente, as estratégias evolutivas empregadas para manter uma união duradoura. Uma das análises mais recentes dos “mecanismos de retenção de parceiros” foi realizada no Brasil por pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC) e da Universidade de Oakland, nos Estados Unidos.

CB/D.A Press
Clique na imagem para ampliá-la e veja o que é avaliado na 'Escala de Retenção de Parceiros Reduzida (ERP-R)' (foto: CB/D.A Press)


Apresentados na revista Personality and Individual Differences, os resultados revelam quais as táticas mais utilizadas por homens e mulheres para que o parceiro continue ao seu lado. Foram avaliados 212 residentes de Fortaleza envolvidos em um relacionamento romântico heterossexual há pelo menos seis meses. Os participantes responderam ao inquérito da Escala de Retenção de Parceiros Reduzida (ERP-R), uma versão nacional de um instrumento de avaliação chamado Mate Retention Inventory-Short Form (MRI-SF). O instrumento ajuda a avaliar, a partir da pontuação para certos comportamentos relatados durante uma entrevista, a dinâmica seguida por um casal.

Principal autor do estudo, Guilherme Lopes diz que os achados brasileiros apresentam padrão similar ao de pesquisas internacionais, o que, segundo ele, faz sentido. Afinal, se as estratégias de retenção de parceiros tem uma base evolutiva, espera-se que elas sejam semelhantes em todas as culturas. Entre as mulheres avaliadas, uma estratégia muito comum foi a de realçar a aparência, enquanto, entre os homens, merece destaque a exibição de recursos. Na perspectiva evolucionista, esses comportamentos foram herdados dos ancestrais humanos, entre os quais, os machos precisavam mostrar que eram bons provedores, e as fêmeas, que eram boas reprodutoras.

Nem todos os resultados, entretanto, foram coincidentes. “Encontramos uma diferença específica. Estudos nos Estados Unidos, na Espanha e na Croácia identificaram que homens, mais do que mulheres, punem a parceira quando ela induz ciúmes. O termo técnico seria ‘ameaça de infidelidade’”, conta Lopes, atualmente doutorando em Oakland. Os resultados, contudo, foram opostos no Brasil.

“As mulheres, mais do que os homens, punem o parceiro quando ele induz ciúmes, lembrando que não podemos generalizar os dados, pois nosso estudo foi com uma amostra não representativa de brasileiros”, esclarece Lopes. A relação foi inesperada porque, pela teoria, a infidelidade sexual feminina gera, para os homens, um incômodo evolutivo: a incerteza da paternidade. Para os ancestrais humanos, assim como para outros animais, não era interessante prover recursos para a sobrevivência da prole com a genética de um macho rival. Associados a outros fatores, traços desses mecanismos podem ter sobrevivido no comportamento do homem moderno.

Já, ainda segundo a teoria evolucionista, a infidelidade emocional masculina incomoda mais as mulheres do que a sexual porque o relacionamento afetivo oferece mais incentivos do que o físico para que o homem abandone a família. No entanto, em relação a mulheres de outros países, as de Fortaleza apresentam mais raiva quando o parceiro flerta. Segundo a pesquisa que embasou o livro Descobrimento sexual do Brasil: para curiosos e estudiosos (Editora Summus), de Carmita Abdo, os brasileiros traem mais que as brasileiras, o que, talvez, seja uma razão para que elas respondam com maior intensidade ao risco de traição.

Contextos
Para o terapeuta familiar Vladimir Melo, a discrepância entre os resultados encontrados no estado brasileiro e em outros países é um indicativo de que os dados sejam sempre interpretados com cautela. “O contexto cultural e social é muito importante, e deve ser levado em consideração”, ressalta. “Regiões como o Rio de Janeiro, onde Abdo constatou alto grau de infidelidade, podem apresentar dados de mais mulheres com esse comportamento”, diz Melo, que é psicólogo e pesquisador da Universidade Católica de Brasília.

Ele acrescenta que, na capital federal, há um grande número de separações, divórcios e mulheres chefes de família, indicando que comportamentos diferentes podem ser encontrados também aqui. E prossegue: “No estudo (de Guilherme Lopes), é citado que Goiás é um dos estados com as maiores taxas de violência doméstica, fazendo com que os autores sugiram que os residentes de lá utilizem táticas diferentes para manter um relacionamento”, exemplifica. Por isso, é possível que, no contexto goiano, táticas como vigilância e monopolização do tempo sejam observadas com mais frequência do que em outras regiões.

Os resultados do estudo feito no Ceará aponta ainda uma outra peculiaridade regional: três comportamentos, comumente descritos como nocivos por especialistas, parecem ser considerados benéficos pelos entrevistados brasileiros: manipulação emocional, manipulação de compromisso e derrogação (apontar defeitos) de concorrentes. Os dois primeiros indicam existência de interesse em relação de compromisso e incluem itens como “Disse que eu não poderia viver sem o meu parceiro” e “Disse ao meu parceiro que precisávamos de um compromisso total”. Para os autores, os participantes podem considerar tais estratégias como não nocivas por enxergarem nelas uma demonstração de compromisso e devoção.

Já a derrogação dos concorrentes não é malvisto pelos entrevistados provavelmente por não oferecer prejuízos claros ao parceiro. Na avaliação de Lopes, os achados revelam diferenças transculturais no uso de estratégias de retenção de parceiros, um ponto central para acumular evidências que podem fortalecer as hipóteses evolucionistas sobre diferenças de gênero no campo amoroso.

Utilidade
Uma vez que algumas táticas de retenção estão associadas a comportamentos violentos, como agressão física e verbal, as medidas da escala podem servir de indicador de violência doméstica. Courtney Roof, pesquisadora da Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, encontrou indícios que corroboram esse possível uso.

No fim do ano passado, ela publicou, na Personality and Individual Differences, dados sobre um estudo que investigou se características básicas de personalidade estão associadas com as estratégias empregadas para manter os romances. “Características de personalidade patológica, que reflete afeto negativo e desapego, e antagonista foram associadas a comportamentos de retenção do companheiro de tal forma que os indivíduos que possuíam essas características eram menos propensos a fornecer benefícios para seus parceiros e mais propensos a infligir prejuízos sobre eles”, diz Roof.

No campo clínico, Lopes acrescenta que ambas as versões da escala podem ser utilizadas em terapia de casais, oferecendo ao psicólogo um indicador do padrão de estratégias do casal para que ele possa identificar potenciais desconfortos na relação. O conhecimento da teoria beneficiaria a população. “Ao compreender quais táticas de retenção podem ser usadas com o parceiro, as pessoas poderão se dar conta da função de alguns comportamentos, percebendo que utilizam estratégias pouco eficientes para reter o parceiro. Assim, poderão mudar as táticas, por exemplo expressando mais carinho e amor, em vez de duvidar e bisbilhotar”.

Benéficos e maléficos
São comumente classificados com dimensões de ordem superior: comportamentos de provisionamento de benefícios e comportamentos de infligir custos. Atitudes da primeira dimensão envolvem atos que destacam, para o parceiro, aspectos positivos da relação. Elas incluem demonstrar amor e carinho, comprar presentes caros e cuidar da aparência. Essencialmente, fornecem incentivos para o companheiro continuar a investir no relacionamento. Comportamentos da segunda dimensão geram custos para o parceiro e são nocivos em casos de término da relação e infidelidade. Eles aumentam a probabilidade de que o parceiro continue investindo porque a deserção parece ser uma estratégia arriscada. Um indivíduo pode tentar impedir o seu parceiro de terminar o relacionamento mentindo sobre um rival romântico ou fazendo com que o outro pense que pode ser prejudicado física ou financeiramente.