Rivalidade virtual: smartphones podem levar os relacionamentos à ruína

Celulares também são apontados como fator de risco para a depressão

por Gláucia Chaves 11/11/2015 15:00

Dia 19 de outubro de 2014. Para Melissa Dutra, 42 anos, e William Henrique de Oliveira, 35, é a data em que celebram o fim da guerra contra a tecnologia. Antes de se conhecerem, os dois tinham uma relação conturbada com o mundo virtual. O ex-namorado de Melissa não gostava que ela tivesse perfis em redes sociais. Já William tinha acabado de sair de um relacionamento em que a moça encarava o smartphone como um rival. Foi quando, naquele dia de outubro,  Melissa entrou para uma comunidade para solteiros no Facebook. Acabou indo parar em um grupo de Whatsapp, moderado por William, que tinha a mesma finalidade, .Juntos há um ano, a professora e o DJ já planejam o casamento para daqui a menos de dois meses.

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Na relação de Melissa e Willian não há segredos virtuais: senhas e acesso a telefones estão liberados (foto: Antonio Cunha/CB/D.A Press)


Os olhos azuis de William chamaram a atenção de Melissa. Assim que entrou para o grupo, deu de cara com a foto do moço. “Seus olhos são lindos!”, elogiou. A partir daí, conversaram por três dias ininterruptos. Encontraram-se pessoalmente, se falaram por mais alguns dias e decidiram assumir o namoro, sete dias depois. O noivado veio no fim de dezembro de 2014 e, no dia 5 de dezembro deste ano, o casal subirá ao altar. “A tecnologia nos aproximou”, resume Melissa.

Relacionamento novo, vida nova. Agora, não há mais segredos virtuais. A senha que destrava o famigerado smartphone é a mesma para o celular de ambos. “Olho o celular dele, ele olha o meu. Não temos segredos um com o outro.”

Nem todos os casais veem a tecnologia com olhos tão bons, porém. E não é à toa. Alguns estudos recentes apontam os smartphones como um dos motivos que podem levar os relacionamentos à ruína. Publicada no fim de setembro na revista especializada Computers in Human Behavior, uma pesquisa feita pela Universidade Baylor (EUA) sugere que os smartphones podem, não só prejudicar as relações, como aumentar o risco de depressão. James Roberts e Meredith David, autores do estudo, se basearam no termo “phubbing” — uma fusão das palavras em inglês snubbing (esnobar) e phone (telefone) — para avaliar a quantas anda a sensação de quem é trocado, por vezes, pelo celular.

“Quando alguém percebe que o parceiro está praticando o phubbing, isso cria um conflito que leva à redução dos níveis de satisfação com o relacionamento e aumentam as chances de depressão”, diz James Roberts.

O primeiro passo foi definir uma “escala phubbing”, ou seja, uma lista com atitudes consideradas comuns nas relações em que há interferência da tecnologia. Entre os questionamentos estão perguntas como: “Meu parceiro deixa seu celular à vista quando estamos juntos?” ou “meu parceiro mantém o celular na mão quando está comigo?”.

Na segunda etapa, os pesquisadores aplicaram o questionário a 145 casais. Além da tabela phubbing, a pesquisa avaliou os conflitos relacionados com celular; a satisfação com a relação e com a vida; a depressão e o estilo de apego interpessoal (tendências a ansiedade, ciúmes). Ao todo, 46,3% dos entrevistados afirmaram ser “esnobados” pelo parceiro; enquanto 22,6% disseram ter conflitos no relacionamento por conta do phubbing, e 36,6% se sentiram deprimidos ao menos uma vez com a prática. Apenas 32% afirmaram estar satisfeitos com o outro.

De modo geral, distrações momentâneas com o celular não incomodaram os participantes. Mas cuidado com o exagero. De acordo com Meredith David, quanto mais interrupções, menos o outro tende a se sentir satisfeito. “Quando estiverem com seus parceiros, recomendamos que as pessoas estejam cientes de que as interrupções causadas por seus telefones podem ser prejudiciais para o relacionamento.”

Os mais inseguros são os mais incomodados pelo phubbing. “Algo tão comum como o uso de celulares pode minar os alicerces da nossa felicidade: o relacionamento com nossos parceiros românticos”, resumiu David.

Mas será que o inimigo está apenas na tecnologia? Uma pesquisa feita pela Universidade de Indiana e pela Hope College, ambas nos Estados Unidos, testou se os contatos no Facebook considerados “romanticamente desejáveis” são mais, ou menos, ameaçadores para uma relação do que amores antigos. O resultado foi que os amigos das redes sociais não são vistos como alternativas românticas incômodas. Perigo mesmo representariam os amores passados ou alguém real que pudesse ser um eventual parceiro sexual do companheiro. Segundo Michelle Drouin e Daniel Miller, autores do estudo, os supostos inimigos diminuiriam a satisfação com o relacionamento e podem até esfriá-lo.

Escala phubbing
Descubra se você está sendo vítima de phubbing, de acordo com a pesquisa da Universidade Baylor:

* Durante uma refeição, meu(minha) parceiro(a) checa seu celular.
* Meu(minha) parceiro(a) sempre deixa seu celular à vista quando estamos juntos(as).
* Meu(minha) parceiro(a) mantém seu celular em mãos quando estamos juntos(as).
* Quando o celular do(a) meu (minha) parceiro(a) toca ou vibra, ele(a) checa mesmo se estivermos no meio de uma conversa.
* Meu(minha) parceiro(a) olha de relance para o telefone quando está conversando comigo.
* Durante o tempo de lazer que eu e meu(minha) parceiro(a) temos, ele(a) usa seu celular.
* Meu(minha) parceiro(a) usa seu celular quando saímos juntos(as).
* Se há um hiato em nossa conversa, meu(minha) parceiro(a) verifica o celular.

 

Antonio Cunha / CB / D.A Press
Para Nina, o perigo do uso excessivo da tecnologia é afastar ao invés de aproximar (foto: Antonio Cunha / CB / D.A Press)
Perto, porém distante
Nina Salomé, 35 anos, conta que o smartphone facilita a comunicação com o marido durante o dia — já que ele trabalha fora e ela, em casa —, mas o “hipnotiza” quando ele está de folga.

Para Nina, o que a humanidade precisa é se reaproximar. “As pessoas precisam aprender a conviver de novo”, opina. “Nos barzinhos, restaurantes, a gente vê todo mundo recluso, cutucando a telinha e conversando com quem não está ali. É a tecnologia que aproxima afastando e afasta aproximando.” Tanta interação e acesso aos outros, na visão de Nina, “diluiu” a profundidade das conversas. Em outras palavras: apesar de as pessoas estarem mais acessíveis, elas não se entregam completamente. “É mais fácil conversar por mensagem do que conversar pessoalmente.”

A tecnologia tem alterado a forma de comportamento humano em todos os sentidos. A opinião é da psicoterapeuta Maura de Albanesi, que acrescenta: “Ao mesmo tempo em que possui pontos altamente positivos, também traz desafios a serem questionados, avaliados e principalmente ponderados, encontrando um meio-termo aceitável.” Nos relacionamentos, o cenário é o mesmo. Se por um lado, ter as pessoas mais acessíveis facilita a comunicação, por outro, a tecnologia pode desestabilizar os mais inseguros. Quer um exemplo? Pense em como você se sente quando seu(sua) parceiro(a) demora a te responder uma mensagem. “Se esta resposta ocorre quase que imediatamente, nos sentimos amados e importantes. Se a resposta demora, nos sentimos ignorados”, compara a terapeuta. “Isso faz com que os relacionamentos, quando não existe uma maturidade emocional, se tornem verdadeiras montanhas-russas.”

A era tecnológica é justamente a reflexão sobre qual é a tônica dos relacionamentos atuais. Albanesi lembra que o ser humano não costuma lidar bem com o desconhecido. Logo, não é de se espantar que a simples conclusão de que o parceiro tem uma vida independente da relação — e, por isso, não larga o telefone — causa desconfiança e ciúme. “O ciúme vem do controle que queremos ter sobre a vida do parceiro”, define a psicoterapeuta. “As redes sociais nos dão um dado interessante: ainda não associamos amor à confiança e, sim, amor ao controle”, acrescenta.

Veja alguns sinais de que o ciúme da tecnologia está ultrapassando o limite da normalidade:

* Checar a cada instante o celular em busca de mensagens do companheiro, tentando encontrar sinais ali se a relação está normal ou não.
* Entrar várias vezes no perfil dele ou dela, procurando “sinais”.
* Pedir a senha do celular para inspecionar o aparelho do outro.
* Tentar descobrir a senha do celular, caso o parceiro não a compartilhe.
* Fazer um perfil de casal no Facebook ou usar a mesma conta do WhatsApp são ações recomendáveis para amenizar o ciúmes, mas isso não resolve o problema, já que todos podem ter mais de uma conta. O melhor é sanar, claramente, a questão da insegurança e das necessidades de cada um.


Fonte: Maura de Albanesi, psicoterapeuta