Casais celebram o romantismo e mostram que é possível manter um relacionamento duradouro

Amor pleno e cumplicidade regem histórias de amor

por Zulmira Furbino 07/06/2015 09:00

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

RECOMENDAR PARA:

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

CORREÇÃO:

Preencha todos os campos.
Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press
Vânia entra na igreja de mãos dadas com a filha, que a leva ao altar | "Somos almas gêmeas. Nosso casamento é a cada dia uma renovação" - Vânia Braga, casando-se com Gustavo Valadão (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
Há 22 anos, quando a escultora Vânia Braga, hoje com 50 anos, e o neurocirurgião Gustavo Valadão, de 70, resolveram se casar, havia algo de inusitado no ar. No lugar do nome dos pais de cada um chamando para a cerimônia, havia a seguinte inscrição no convite para as bodas: “Mariana Braga Valadão convida para o casamento dos seus pais, Vânia Braga e Gustavo Valadão”, dizia o texto impresso no tradicional retângulo recortado, confeccionado em papel de linho e enviado a 500 convidados, que hoje está emoldurado e ocupa uma parede de destaque no escritório do casal. A filha tinha apenas 1 ano e 9 meses quando isso ocorreu. Outra quebra de protocolo: no lugar do pai da noiva, foi ela quem entrou no local da cerimônia, de mãos dadas com a mãe. Aos presentes na cerimônia, só restou chorar e aplaudir.

A celebração já seria linda o suficiente para marcar uma união amorosa, mas os lances que ocorreram até esse desfecho feliz a tornam ainda mais inacreditável. É praticamente impossível escutar a história do casal sem imaginar que existe destino e que, sim, esse amor tinha de acontecer, porque estava escrito nas estrelas. Às vésperas do Dia dos Namorados e da celebração do amor romântico, tão fora de moda nos dias atuais, o Estado de Minas apresenta ao leitor enredos incríveis de amores reais, que parecem saídos direto de um conto de fadas ou ser coisa de outro mundo. “A gente tinha de se encontrar nesta existência. Sinto isso”, sustenta Vânia, que, depois de sofrer um acidente gravíssimo, teve a vida salva pelas hábeis mãos do neurocirurgião, que, mais tarde, se tornaria seu namorado e marido.

Edésio Ferreira/EM/D.A Press
Alex e Ana Luisa esperaram 16 anos para ficar juntos (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)
Assim como Vânia e Gustavo, outros casais têm a sorte de viver intensas e longevas histórias de amor, experimentando desencontros e encontros, palpitação no coração, tremor nas mãos e suores frios até chegar a um final feliz, onde o fim nada mais é do que um belo jeito de começar. É o caso da artista plástica e estudante de design de interiores Ana Luisa Gonçalves Prado, de 49, e do arquiteto Alex Levy Ferreira, de 49; da herborista Magdala Guedes, de 64, e de Orestes Ferreira Lúcio, de 77, proprietários do Sítio Sertãozinho; e dos empresários Rosaura Zica da Costa, de 58, e Paulo Carneiro Costa, de 62. “Ana e eu demoramos 16 anos para conseguirmos ficar juntos de verdade. Mas, em todo esse tempo, sentia que ela tinha sido a primeira e quase única pessoa com quem eu havia sido eu mesmo”, diz Alex Levy sobre sua mulher.

ENERGIA
“O amor é uma coisa intensa, maravilhosa, transformadora, energizante. Há estudos que mostram casais com mais de 20 anos de vida em comum que se relacionam como se hoje fosse o primeiro dia. E isso é provado em testes de ressonância magnética, que medem como essas pessoas reagem ao se deparar com fotos do ser amado”, explica o escritor, professor aposentado do Departamento de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em relacionamentos amorosos Ailton Amélio da Silva. Para ele, porém, esse é um privilégio de minorias. A boa notícia é que aquilo que aumenta as chances de uma pessoa viver uma experiência como as descritas acima pode ser aprendido em parte. “No geral, não fomos educados para esses grandes encontros amorosos. Dá trabalho manter, mas o resultado é maravilhoso”, observa Silva. De acordo com ele, a felicidade desse tipo de relacionamento equivale a pegar o salário de alguém e aumentar quatro vezes. “A diferença é que, com o aumento de rendimentos, a gente se acostuma, mas com o amor é diferente. Existe o companheirismo, o sexo, a cumplicidade, o romance e o prazer. Nenhuma experiência na vida pode ser comparada a isso.”

Beto Novaes/EM/D.A Press - 13/2/12
Magdala Guedes (Magui) e Orestes Ferreira Lúcio se encontraram num sábado e na quarta seguinte já estavam de casamento marcado (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press - 13/2/12)


Sólido como uma rocha
Fruto do acaso, coincidência feliz ou construção tijolo a tijolo. O fato é que um encontro amoroso requer tolerância e o mesmo desejo de prosseguir juntos

Na maior parte das vezes, um amor do tipo escrito nas estrelas tem que ser tecido com muita paciência e, principalmente, estar repleto de coincidências felizes. Mas um encontro amoroso, alertam os especialistas, não é somente fruto do destino ou do acaso. Trata-se, ao contrário, de uma construção que deve ser feita tijolo a tijolo, usando como argamassa a tolerância, a compreensão do outro e de si mesmo e o desejo de prosseguir juntos depois de um encontro que parece ter sido mágico. É o que vêm fazendo Ana Luisa Gonçalves Prado e Alex Levy Ferreira, a herborista Magdala Guedes (Magui) e Orestes Ferreira Lúcio, e os empresários Rosaura Zica e Paulo Carneiro Costa.

Edésio Ferreira/EM/D.A Press
Alex Levy Ferreira e Ana Luisa Gonçalves reforçam a fé no amor (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)
Com um casamento que já dura 38 anos, marcado pela parceria e pela compreensão mútuas, Magui conta que foi professora da filha do marido antes de conhecê-lo. “Ela tinha 10 anos e começou a levar retratos dele para que eu pudesse ver. Um dia, me disse que seu pai havia me convidado para ir ao rancho da família, em Três Marias. Fiquei assustada, porque tinha namorado, mas resolvi telefonar para agradecer. Só que ele não estava sabendo de nada. A menina havia criado a situação”, lembra a herborista. No feriado seguinte veio um novo convite, dessa vez de verdade. “Já o havia visto na escola e o olhar dele me chamava. Resolvi aceitar e terminei o namoro. Era um sábado. Na quarta-feira seguinte, Orestes me pediu em casamento e aceitei”, revela.

Apesar de protagonizar uma história tão rara quanto mágica e engraçada, Magui acredita que o amor é, de fato, uma construção, é querer fazer de um relacionamento um encontro. “É preciso investir juntos, ter projetos em comum e paciência com as próprias limitações para ter tolerância com o outro”, observa. Para ela, seu relacionamento com Orestes é exatamente isso. “Sinto que era como se a gente já se conhecesse, mas ao longo desse tempo fomos nos reescolhendo, casando novamente, já que aquele homem que conheci há 37 anos e aquela mulher que Orestes conheceu, não existem mais. Hoje, fico triste com a falta de disponibilidade dos jovens para amar”, explica.

Assim como Magui, a psicanalista Taty Ades defende o amor muito mais como uma construção diária do que como uma conto de fadas. “É preciso paciência, sinceridade , compreensão e o desejo de se comprometer a cada dia com esse projeto”, sustenta. Na opinião dela, saber amar é trabalhar e lapidar o dia a dia, é saber doar e receber, respeitar os nossos próprios limites e os do outro. “O amor real e saudável é como a construção de uma casa, tijolo após tijolo. O amor Romeu e Julieta é tudo o que não define um amor saudável” diz. Além disso, a psicanalista afirma que a autoestima é uma matéria-prima primordial para o amor. Segundo ela, é preciso saber viver sozinho e sentir-se bem com isso. Essa é a chave para saber viver com outra pessoa.

TOM CRUISE
“Às vezes, as pessoas querem viver o amor sem acreditar nele. Sempre tive fé no amor”, observa Ana Luísa, que, num momento crítico de sua história com o marido, antes de se casarem, não se cansava de repetir um mantra: “eu acredito no mundo Analex, eu acredito no mundo Analex, eu acredito no mundo Analex...”. Os dois se casaram em 2007, mas se se conheceram em 1991, depois que ela o viu na Praça da Cemig, em Contagem, e achou que ele era parecido com o Tom Cruise. Por coincidência, ou simplesmente sorte, os dois tomavam o mesmo ônibus para ir e voltar para casa, em Belo Horizonte: o Regina/Lindéia 1133. “Um dia, sentei na primeira cadeira e quando o ônibus chegou ao Centro da cidade, uma menina ficou parada na porta com a mãozinha na cintura olhando e rindo para o meu lado. Olhei para conferir e era comigo mesmo, pois no lotação só havia eu e o motorista”, diverte-se Alex Levy.

Os dois sempre se encontravam no ônibus, mas demorou para que ele tivesse coragem de se sentar ao lado dela. Um dia, vinham sentados lado a lado, ele lendo uma revista em quadrinhos, ela folheando um livro, até que Ana não aguentou e disparou: “você nunca conversa com estranhos?”. Na sexta-feira seguinte ela foi trabalhar toda produzida. Havia decidido chamá-lo para sair. Mas ele disse que não podia, pois tinha um compromisso. Desceu do ponto a tempo de ouvi-la gritar: “bom namoro!”. Foi o que bastou para lhe roubar o sossego no fim de semana. Na semana seguinte, ele a convidou para assistir Hiroshima, meu amor, de Alain Resnais.

Naquela mesma noite descobriram que ambos já estavam comprometidos. Beijaram-se mesmo assim. “A gente ficava junto, namorava, mas nunca chegamos a transar. Isso só ocorreu seis anos depois”, lembra Ana Luísa. “Antes de conhecê-lo, o via com uma pastinha e pensava que fosse contínuo de banco. Quando descobri que Alex era arquiteto, fiquei nas nuvens”, diz a artista plástica, que é formada em odontologia, mas abandonou a profissão. Quatro meses depois, porém, ela engravidou do namorado, casou-se e, em seguida, teve uma filha e depois outra. Ele, por seu lado, casou-se duas vezes. Só se reencontraram muito mais tarde e só mais tarde ainda conseguiram ficar juntos pra valer. “Meus relacionamentos costumam ter ciclos de sete anos, mas com a Ana, espero que sejam 70”, resume o arquiteto.

Edésio Ferreira/EM/D.A Press
Para ficar juntos, Vânia e Gustavo superaram todas as dificuldades e comemoram mais de 20 anos de união (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)


Amor da minha vida!
O sentimento verdadeiro já enfeitiçou e deixou boa parte da humanidade sem fôlego. E, mesmo passando por barreiras quase intransponíveis, acaba vencendo

Não é nenhum segredo que a concepção romântica do amor vigente no século 21 nasceu no século depois que a Igreja permitiu que os casais se escolhessem, mas demorou até que a tradição e as questões familiares dessem lugar aos encontros amorosos como conhecemos hoje. Para a antropóloga americana Helen Fisher, porém, o amor romântico se instalou no cérebro do ser humano aos poucos, ao longo da evolução. De acordo com ela, esse sentimento funciona como um motor para encontrar o amor específico, que ocorre para que alguém concentre sua energia em uma única pessoa por vez. Independentemente da idade, gênero, orientação sexual, religião e grupo étnico, o amor já enfeitiçou e deixou “amolada e aturdida” boa parte da humanidade, embora seja duradouro em somente 20% dos casos. “Qualquer tipo de barreira intensifica esse sentimento”, sustenta. Que o digam a escultora Vânia Braga e seu marido, o neurocirurgião Gustavo Valadão.

A primeira vez que a escultora Vânia viu seu marido, Gustavo, foi aos 17 anos. Ela visitava um sobrinho que havia sido operado por ele. Naquele dia, ela comentou que ele era um “coroaço” e levou uma bronca do namorado.

Tempos depois, o irmão da artista plástica teve uma meningite e foi tratado pelo mesmo médico. Quando ela acompanhava o irmão numa consulta, Valadão lhe perguntou como ia a sua vida. A resposta que ouviu – ela iria se casar em breve – provocou nele uma sensação de mal-estar inexplicável. Algum tempo depois, ela voltou com o irmão para uma nova consulta médica e contou ao neurocirurgião que estava se separando. Nesse momento, embora estivesse vivendo uma crise no casamento, mas ainda sem pensar em separação, ele foi invadido por uma sensação contrária à primeira: foi tomado pelo bem-estar.

O tempo passou e, numa madrugada de sábado, a artista plástica estava em seu carro, saindo de uma festa na Savassi, quando um outro veículo ultrapassou o sinal vermelho, fez um cavalo de pau e bateu em seu carro, que capotou quatro vezes e foi parar dentro de uma antiga loja da Toulon, onde hoje funciona uma operadora de telefonia celular. Quando Vânia foi socorrida por um chofer de táxi, não dava sinais de vida. Foi levada para o Hospital João XXIII, onde Valadão trabalhou por 45 anos, mas ele não estava em Belo Horizonte.

“Fizeram uma tomografia e o resultado foi que o exame era o de uma pessoa morta. Minha recuperação foi tema de estudo na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Não havia explicação para o fato de eu estar viva”, explica. Seis meses depois do acidente, uma rara fístula na carótida ameaçava deixá-la cega, paralítica ou jogá-la numa vida vegetativa. Mas quis o destino, ou uma feliz coincidência da vida, que ele estivesse lá.

PAIXÃO
“Estava muito nervosa, pois sabia os riscos que estavam envolvidos. Veio uma junta médica e então Gustavo chegou, me explicou como seria a cirurgia, fazendo um desenho, e me garantiu que daria tudo certo, e confiei”, lembra Vânia. Naquele dia, Gustavo tinha uma cirurgia de urgência, que não poderia ser remarcada, e, por isso, pediu que seu assistente iniciasse o preparo da operação de Vânia, até que ele pudesse chegar.

“Quando entrei no bloco cirúrgico, meu assistente havia feito um risco longitudinal no pescoço dela para indicar onde seria feito o corte, já que aquela seria a maneira mais fácil de chegar à carótida.” Mas ele não permitiu. “Essa mulher é bonita demais. Não pode ficar com uma cicatriz feia. O corte tem que ser estético”, recorda. Em seguida, o próprio Valadão fez a incisão. Hoje, Vânia não tem nenhuma marca no local da cirurgia, que durou 12 horas.

“Quando Gustavo veio me examinar na UTI, fez um exame de fundo de olho. Meu coração disparou e eu pensei que estava louca porque, apesar de estar careca e com uma sonda na cabeça, ao sentir o cheiro dele e o olhar perto do meu pensei: este homem é o amor da minha vida. Foi quase um ano de internação para tratar de fraturas cranianas, paralisia facial, fratura no nariz, num total de 23 cirurgias. Até que ela se recuperou e foi assistir ao show de uma amiga no Mr. Beef. Por acaso, ele estava lá comemorando seu aniversário. Fui cumprimentá-lo, ele estava separado e não me deixou sair”.

Foi aí que tudo começou. Em três meses, eles foram morar juntos, mas só se casaram quatro anos depois, quando o divórcio dele finalmente saiu, e já com uma filhinha de 1 ano e 9 meses, Mariana, que levou a mãe ao altar. “Gustavo me salvou para que eu pudesse salvá-lo, porque ele passava por uma fase difícil. Acredito que essa é uma história de vidas passadas, em vidas atuais. Somos almas gêmeas. Nosso casamento é a cada dia uma renovação”, define a escultora, que, junto com Valadão, tem outra filha, Ana Carolina.

Túlio Santos/EM/D.A/Press
"Passamos a sair juntos, mas sem namoro em vista, porque eu estava fechada para balanço" - Rosaura Zica da Costa, empresária (foto: Túlio Santos/EM/D.A/Press)
Pedida em namoro aos 46
Bordar uma história e ter paciência com ela é uma das premissas para um encontro verdadeiro e duradouro, coisa rara no mundo atual. De acordo com a psicanalista Taty Ades, o amor é um reflexo de uma sociedade e de uma cultura. “Ao meu ver, o amor de hoje é líquido e rápido, as pessoas são movidas a encontros sem conquistas, estamos vivendo numa sociedade absolutamente liberal e devemos refletir até que ponto isso é bom”, observa. Para ela, essa facilidade de encontros e a rapidez com que eles ocorrem, estimulados pela tecnologia, faz com que as pessoas que realmente desejam um amor real sintam-se perdidas, depressivas e fora do eixo. “Não há mais o compromisso, a conquista, uma noite é suficiente, o amor está se tornando frágil e escasso”, lamenta.

Ainda bem que existem exceções à regra. É o que prova a deliciosa história de amor dos empresários Rosaura Zica da Costa, de 58 anos, e Paulo Carneiro Costa, de 62. Os dois viveram uma paixão platônica quando crianças, mas não podiam sequer conversar, porque o pai dela era muito ciumento. Depois disso, nunca mais se viram, até que um amigo em comum deu o telefone dela pra ele, muitos anos depois. “O problema é que eu só usava aquele número em períodos eleitorais, para campanhas políticas. Então, ele telefonava e dava sempre desligado”, diz Rosaura. Um dia, ela ligou o celular e o aparelho tocou. “Passamos a sair juntos, mas sem namoro em vista, porque eu estava fechada para balanço”, diz ela. Tudo ficaria nisso, se Rosaura não tivesse convidado Paulo para uma festa de Dia dos Namorados, onde só poderiam comparecer solteiros, tudo na base da amizade, é claro.

“Fingi que aceitei a condição, mas durante a festa agarrei a mão dela e não soltei, de modo que ninguém pôde chamá-la para dançar. Desde então, nunca nos separamos”, diz Paulo, que, aos 53 anos, foi obrigado a pedir Rosaura, de 46, em namoro, para o pai dela. A resposta tardou três meses, mas valeu a pena.