Aedes é real ameaça de epidemia; dermatologista esclarece dúvidas sobre o uso de repelentes

Casos de dengue, das doenças que o inseto dissemina a mais letal, subiram 176% este ano. Além disso, mosquito transmite o zika, vírus ligado aos mais de 2 mil casos de microcefalia em investigação no país e da febre chikungunya

por Cristiana Andrade 22/12/2015 14:14
EM/D.A Press
As pessoas têm de assumir sua responsabilidade e não negligenciar os reservatórios apropriados para a proliferação do inseto: locais com água parada (foto: EM/D.A Press)
Um mosquito que mede menos de um mísero centímetro e vive, em média, 30 dias, ameaça o Brasil com uma nova epidemia de dengue, e também de zika e chikungunya. E, quiçá, microcefalia, condição neurológica rara, caracterizada pela malformação do crânio do feto, que se desenvolve menos que o normal. O país vive um quadro inédito – e assustador – em que um único vetor, no caso o mosquito Aedes aegypti, pode carregar os três vírus e mais de uma dezena de outros, incluindo as febres amarela e do nilo. Com a chegada do verão e as chuvas típicas do período, é alarmante a situação: as lavras do Aedes começam a crescer agora, tendo seu pico de infestação entre fevereiro e março. Para se proteger, a população promoveu uma corrida aos repelentes, havendo registro de falta de estoque nas principais cidades brasileiras, mas antes de tudo é preciso acabar com o principal foco do problema: o mosquito. As pessoas têm de assumir sua responsabilidade e não negligenciar os reservatórios apropriados para a proliferação do inseto: locais com água parada.

Na visão do virologista Maurício Lacerda Nogueira, professor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (SP), é preciso que o governo federal mude as estratégias de controle do mosquito. “Temos este problema há 30 anos e estamos enxugando gelo. Temos uma epidemia clara e óbvia e querer agora, em dezembro, controlar o vetor, não vai ser possível. Isso tinha de ter sido feito no início de agosto. Qualquer atividade agora vai interferir se a epidemia vai ser maior ou menor, mas vamos ter a epidemia”, alerta. Para ele, há dois problemas na abordagem da questão: um é a falta de continuidade das ações no país contra o vetor e, o outro, a falta de compromisso da população.

“Num quadro de epidemia como agora, os governos contratam um monte de agentes comunitários. No inverno, quando os casos de transmissão diminuem, esses agentes são demitidos. No ano seguinte, volta tudo de novo. A segunda questão é a população achar que o governo tem que tomar conta de tudo. Sua atitude é muito passiva. As pessoas precisam se mobilizar também, fazer campanhas próprias. O Estado não tem como limpar o quintal de todo mundo. Talvez, pela ameaça do zika relacionado à microcefalia, que tem assustado muito a população, as pessoas se mobilizem bastante. Meu medo é que ano que vem, eles esqueçam e tudo volte”, comenta.

No último boletim epidemiológico divulgado no dia 15/12, o MS informou 2.401 casos da microcefalia e 29 mortes, até 12 de dezembro, distribuídos em 549 municípios de 20 estados. Do total de suspeitos notificados, foram confirmados 134 e descartados 102. Continuam em investigação 2.165 casos. Foi confirmado um óbito e descartados dois. Permanecem em investigação 26 mortes. Na semana passada, o órgão capacitou mais 11 laboratórios públicos para realizar o diagnóstico de zika. Contando com as cinco unidades referência no Brasil para este tipo de exame, já são 16 centros com conhecimento para fazer o teste. Atualmente, a técnica diagnóstica usada pelo MS é o PCR (biologia molecular). Nos dois próximos meses, a tecnologia será transferida para mais 11 laboratórios, somando 27 unidades preparadas para analisar 400 amostras por mês de casos suspeitos de zika em todo o país.

No caso da dengue, os números são exponencialmente superiores: até 14 de novembro, o Brasil registrou 1,5 milhão de casos da doença, aumento de 176%, comparado ao mesmo período do ano passado, quando foram registrados 555,4 mil casos. Nesse período, a Região Sudeste apresentou 63,6% do total de casos (975.505), seguida das regiões Nordeste (278.945 casos), Centro-Oeste (198.555 casos), Sul (51.784 casos) e Norte (30.143 casos). O resultado do Levantamento Rápido de Índices para Aedes aegypti (LIRAa) indicou 199 municípios brasileiros em situação de risco de surto de dengue, chikungunya e zika. Isso significa que mais de 4% das casas visitadas nessas cidades continham larvas do mosquito. Os dados foram divulgados em 24 de novembro, junto com as ações do MS para combater o Aedes aegypti.

Em resposta aos desafios de controlar a proliferação do mosquito vilão e os casos de microcefalia, em 5 de dezembro, o governo lançou o Plano Nacional de Enfrentamento à Microcefalia. Segundo o Ministério da Saúde, trata-se de uma grande mobilização nacional envolvendo diferentes ministérios e órgãos do governo federal, em parceria com estados e municípios, para conter novos casos da doença relacionados ao vírus zika. “O plano é resultado da criação do Grupo Estratégico Interministerial de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional e Internacional, que envolve 19 órgãos e entidades. O plano é dividido em três eixos de ação: mobilização e combate ao mosquito; atendimento às pessoas; e desenvolvimento tecnológico, educação e pesquisa”, diz o MS, em nota enviada ao Estado de Minas. Para a realização das ações de combate ao mosquito, o MS afirma ter liberado este ano R$ 1,25 bilhão, sendo R$ 19,6 milhões para a aquisição de inseticidas e larvicidas. Entram no montante total financeiro os recursos necessários para aquisição de insumos estratégicos e kits de diagnósticos para auxiliar estados e municípios.

Sintomas parecidos nos primeiros dias
Os primeiros sintomas de dengue, zika e chicungunya são clássicos de uma virose. “É a resposta do organismo à infecção viral. E ele responde igual para todos os três vírus. São necessários de cinco a seis dias para a pessoa diferenciar um do outro. No caso da dengue, ele é extremamente agressivo, com febre e dores pelo corpo. Esse é o mais preocupante, pois ele mata. O zika, tirando a relação com a microcefalia, é o mais brando, causa menos sintomas, nem dá febre. Já o chikungunya tem como sintoma mais forte as dores nas articulações. Por isso, todo o sistema de saúde deve encarar, de cara, tudo como dengue, pois ele leva a óbito”, explica o virologista Maurício Nogueira.

Segundo Nogueira, historicamente a dengue tem seu ápice no Sudeste entre fevereiro e abril. “Das três doenças, com exceção do vírus zika que tem deixado todos nós muito preocupados, em função da sua ligação com a microcefalia, a dengue ainda é a pior das doenças, pois é altamente agressiva e mata. O Brasil está vivendo uma situação única no mundo. Nunca houve uma contaminação e ameaça numa população tão grande como agora. Para trabalhar com o zika, estamos organizando uma rede de 25 laboratórios no estado de São Paulo, treinando as pessoas para o diagnóstico, isolando o vírus e entendendo-o melhor. Cada grupo tem uma pequena contribuição para dar, já estuda um pouco do vírus, mas vamos expandir esses conhecimentos para grupos específicos, como grávidas, crianças e adultos. A história da microcefalia ainda é incipiente. Temos muita coisa para saber ainda”, explica.

Além das já conhecidas orientações de não deixar água parada, retirar pratinhos de vasos de flor, pneus e qualquer tipo de entulho no quintal, lotes vagos, áreas abertas, onde a água de chuva possa empoçar, um frenesi foi visto na semana passada de pessoas em busca de repelentes merece atenção. São três as substâncias indicadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) (veja quadro): icaridina, Deet e IR3535.

QUATRO PERGUNTAS PARA
Glaysson Tassara, presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia-Regional Minas Gerais

Como deve ser feita a aplicação do repelente?

Somente nas áreas expostas a uma possível picada. Ao usar protetor solar, o repelente deve ser o último a ser aplicado. Para crianças, grávidas e adultos há indicação de quantidade por dia a ser aplicado do produto (veja quadro). Bebês de até seis meses de vida não devem receber nenhum produto na pele. Nossa grande preocupação neste momento é com o zika vírus, que está ligado aos casos de microcefalia. E pelos últimos dados que temos, a preocupação maior é com as mulheres grávidas. Não há nenhum trabalho científico no Brasil e no mundo que liga o zika vírus a algum problema neurológico em crianças já nascidas. As mães estão preocupadas com isso, mas repito: não há, aparentemente, esta relação.

Há diversos mitos ou superstições em relação ao uso de produtos caseiros, vitamina B12 para espantar o mosquito, o uso de perfume atrair o bicho... Fale sobre isso.

O perfume e os hidratantes com cheiro mais adocicado atraem o Aedes aegypti. A ingestção de vitamina B12 pode ter uma ação para evitar a picada do pernilongo comum, o Culex, mas não está comprovado cientificamente que protege 100%. É preciso lembrar que estamos falando do Aedes aegypti, que transmite dengue, zika vírus e chikungunya. Este inseto tem hábitos diferentes de um pernilongo comum. Estudo recente da The American Mosquito Control Association, durante oito semanas, feito com pessoas divididas em grupos que ingeriram vitamia B12, vitamina C e grupo neutro, que não ingeriu nada, mostrou que os remédios não afastaram os insetos. Os testes de eficácia foram feitos a cada 15 dias. Os produtos caseiros devem ser usados com parcimônia. O óleo, se tiver cheiro, pode atrair o Aedes, em vez de afastá-lo. Comprovadamente, o que sabemos é que as substâncias repelentes de uso humano são o IR3535, a icaridina e o Deet. Essas três funcionam. A icaridina é que apresenta menos efeitos colaterais e teria maior ação, entre oito e 10 horas. Mas um estudo recente feito pelo ProTeste, com várias marcas comercializadas no Brasil, mostrou que a marca que usava essa substância só protegia a pessoa por duas horas. Ou seja, era necesária a reaplicação do produto. Então, o que recomendo é, use o repelente em situações em que você estará mais exposto a uma picada.

O Senhor recomenda o uso de repelentes elétricos? E se houver reação alérgica ao repelente creme/spray e elétrico, o que deve ser feito?


Os elétricos geralmente são usados à noite ou quando a pessoa está em um ambiente fechado. Esses aparelhos, do ponto de vista da pele, não apresentam contraindicação. Pessoas com alguma alergia respiratória, como asma ou rinite, podem ter alguma intolerância. No caso de alergia na pele, em função dos repelentes líquidos ou em creme, ao primeiro sinal de irritação, o ideal é retirar todo o produto com água. Não use nenhuma outra substância, pois se a pele estiver vermelha, usar outro produto pode piorar o prurido.

É sabido que o Aedes tem hábitos mais diurnos. Por essa razão o uso do mosquiteiro estaria dispensado?


Acho que já não podemos contar somente com esse comportamento do Aedes aegypti. Ele é um inseto que se adaptou muito bem à vida urbana. A luz fria que usamos em vários ambientes pode ter mudado o comportamento biológico do mosquito. Então, recomendo o uso do mosquiteiro nos quartos sim. Ele é válido.

DAQUI PARA O FUTURO

PESQUISA E INOVAÇÃO SÃO ESSENCIAIS

É extremamente importante que o Brasil, um país de extensões continentais, com realidades socioeconômicas distantes de suas regiões e população, invista em pesquisa e desenvolvimento de não apenas medicamentos e vacinas, mas de tecnologias de baixo custo e acessíveis para proteger sua população de epidemias e doenças. Segundo informa o Ministério da Saúde, há inúmeras pesquisas em andamento no país, em centros especializados e universidades, entre elas: o desenvolvimento de tecnologias laboratoriais para o diagnóstico da infecção por vírus zika, estudos que envolvem o Aedes aegypti (ovitrampas, mosquitos transgênicos e mosquitos infectados com a bactéria Wolbachia), eficácia da aplicação de inseticida residual intradomiciliar, entre outras. “Vamos fomentar pesquisas e estudos em rede sobre o vírus zika, o comportamento da doença e suas correlações e pesquisas sobre microcefalia, outras malformações congênitas e a síndrome de Guillain-Barré, além do início do desenvolvimento da vacina para o vírus zika”, comentou o MS, em nota ao EM.

VACINA CONTRA DENGUE
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) está analisando pedido do laboratório Sanofi-Pasteur para comercializar sua vacina contra a dengue. O imunizante foi aceito pelo governo do México, na semana passada. Testes indicaram a segurança da vacina e indicaram que ela tem 66% de cobertura. A Sanofi abriu o pedido em março na Anvisa, que informou estar aguardando o cumprimento de exigência, que é uma solicitação de informação, documento ou análise que deve ser cumprida pela empresa. O processo está correndo normalmente. No Brasil, o Instituto Butantan, em São Paulo, aprovou, na semana passada, o início da terceira fase de estudo clínico de sua vacina para assegurar sua segurança e qualidade. O imunizante tetravalente contra a dengue do Butantan é 100% brasileiro. O instituto recurta voluntários para testar a vacina – mulheres e homens com idade entre 18 e 59 anos que tiveram ou não dengue e que tenham disponibilidade de fazer o acompanhamento nos centros de pesquisa durante os próximos cinco anos. Informações: www.butantan.gov.br/dengue