Especialistas chamam a atenção para a importância da detecção precoce dos problemas renais

Dia Mundial do Rim é lembrado nesta quinta-feira. Problemas renais atingem um em cada 10 brasileiros, mas poucos sabem que hipertensão e diabetes podem levar ao quadro de insuficiência

por Carolina Cotta 12/03/2014 08:22

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EM / DA Press
Um jovem de 30 anos em diálise tem a mesma chance de morrer do coração que um senhor de 80 anos com a função renal esperada para a sua idade, diz especialista (foto: EM / DA Press)
Cerca de 10% da população adulta tem algum grau de perda de função renal, percentual que pode aumentar de 30% a 50% em pessoas acima de 65 anos. Daí vem o tema do Dia Mundial do Rim deste ano, celebrado amanhã: “1 em 10. O rim envelhece, assim como nós”. Com a campanha, a Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN) quer alcançar principalmente os idosos e os grupos de risco – hipertensos, diabéticos, obesos, pacientes com histórico familiar de doença renal e usuários de anti-inflamatórios de forma indiscriminada. Esses devem acompanhar de perto a saúde dos rins, adotando cuidados e realizando exames regularmente. A prevenção e o diagnóstico precoce, que pode retardar a perda da função renal, são as armas disponíveis contra a diálise ou o transplante de rim.

Segundo o Ministério da Saúde, considerando a população com mais de 18 anos, 20% têm hipertensão arterial, 8% têm diabetes, 18% são tabagistas e 50% têm excesso de peso. “Sem um diagnóstico preciso, a maioria morre sem nem sequer ter acesso à diálise, principal tratamento da doença em estágio avançado”, afirma o nefrologista Daniel Rinaldi dos Santos, presidente da SBN. Os desfechos mais alarmantes da doença renal crônica, quando é decretada a falência do rim, são a mortalidade por doença cardiovascular e a necessidade de terapia renal substitutiva (hemodiálise, diálise peritoneal e transplante). “Um jovem de 30 anos em diálise tem a mesma chance de morrer do coração que um senhor de 80 anos com a função renal esperada para a sua idade”, explica Rinaldi.

A prevenção pode fazer toda a diferença. Segundo José de Resende Barros Neto, coordenador do serviço de nefrologia do Hospital Felício Rocho, as principais causas de perda da função renal são as chamadas doenças do mundo moderno: a hipertensão e o diabetes. Correndo por fora estão as nefrites, uma infecção do rim de causa variada. As três juntas respondem por 80% dos casos de perda da função do rim. Segundo o especialista, elas podem ser genéticas ou secundárias. “Pacientes com hepatite podem ter nefrite, assim como aqueles com doenças autoimunes, como lúpus e artrite reumatoide. Há ainda os casos de pielonefrite, quando a infecção do rim está relacionada a uma bactéria”, explica.

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Clique para saber mais sobre as doenças renais e o processo de diálise (foto: EM / DA Press)
Os cálculos renais também merecem atenção. Recentemente, estudos mostraram a relação da formação de cálculos com o diabetes e a hipertensão. “É uma doença extremamente comum e relacionada a todas essas patologias crônicas. O obeso, o diabético e o hipertenso têm mais chances de criar pedras nos rins. Há alguns anos, o quadro era mais visto como uma situação mórbida, que causava desconforto, do que associada à perda da função renal. O paciente formador de cálculos também tem mais risco de uma perda renal no futuro”, alerta o especialista, segundo o qual o enfrentamento do problema deve ser multifatorial. “Não adianta ter uma ótima alimentação e não tomar água. Não adianta tomar água e não controlar a pressão”, defende.

BONS HÁBITOS
De maneira geral, a prevenção para as doenças renais está baseada nos bons hábitos de vida: boa hidratação (de dois a três litros por dia), boa alimentação, atividade física regular, não tabagismo. Também é preciso evitar medicações que lesam os rins, como os anti-inflamatórios tomados sem prescrição médica. “É uma exceção, mas já vi paciente entrar em diálise por causa de um único comprimido que foi capaz de causar uma reação alérgica”, esclarece. Mesmo com a prevenção, a perda renal é algo inexorável. Segundo José de Resende, a partir dos 35 ou 40 anos toda a população tem perda da função renal, que aumenta de 8% a 10% a cada 10 anos. “A perda renal, portanto, é um fator não modificável, mas existem maneiras de retardar essa perda: controlando essas doenças crônicas.”

O diagnóstico precoce também pode conter o avanço da doença. Segundo Daniel Rinaldi, a doença renal crônica é facilmente diagnosticada por meio de um exame de urina e da dosagem de creatinina no sangue e pode ser efetivamente tratada, retardando a progressão da doença e reduzindo as mortes, que chegam a 15% ao ano, sendo maior no início do tratamento por conta do diagnóstico tardio. O gasto anual somente com a terapia dialítica (hemodiálise e diálise peritoneal) é estimado em R$ 2,2 bilhões. Dados da SBN mostram que existem em torno de 100 mil brasileiros em diálise. Desses, 30% têm mais de 65 anos, sendo essa frequência três vezes mais elevada do que na população geral. Mais de 70% dos pacientes que iniciam a diálise descobrem a doença quando os rins já estão gravemente comprometidos.

Soraia Piva / EM / DA Press
(foto: Soraia Piva / EM / DA Press)

HENRIQUE TRASPADINI,
44 ANOS, DOENTE RENAL CRÔNICO HÁ 27 ANOS - História de lutas

Cristina Horta/EM/D.A Press
Assim como Henrique, um terço dos hipertensos e dos diabéticos terá perda renal (foto: Cristina Horta/EM/D.A Press)
O garotão que corria na praia depois do trabalho, jogava bola com os amigos e curtia a vida como qualquer um na sua idade não poderia imaginar que as dores de cabeça ao final do dia fossem hipertensão arterial. Aos 18 anos, Henrique recebeu uma notícia ruim: a pressão arterial era de 18 por 11 e os rins já não funcionavam mais. “Tinha mania de colocar sal em tudo. Era um exagero. Não sabia que ele ia salgar minha vida para sempre”, conta o paciente, que faz parte de uma triste estatística: um terço dos hipertensos e dos diabéticos terá perda renal. Henrique também tinha inflamações de garganta consecutivas, acompanhadas de febre, uma infecção persistente que pode ter contribuído para a doença. Mas naquela idade, ele não deu muita atenção para a dor de cabeça e de garganta, sinais de que algo não ia bem. “Se eu tivesse investigado, talvez não estivesse fazendo hemodiálise. Mas 27 anos atrás não havia essa cultura de ir ao médico e cuidar da saúde como hoje.”

Na sequência do diagnóstico, Henrique começou a hemodiálise. Aos 21 anos, passou por um transplante de rim de doador vivo, que representa apenas um terço dos casos. Seu irmão se dispôs a doar e por ser um órgão de parente próximo a expectativa era de que o rim funcionasse bem por 30 anos. Mas em 34 dias o rim doado parou, talvez por ingestão de um remédio falso contra a rejeição – que foi um escândalo na época –, talvez pelo fato de o rim do irmão ter artéria dupla: a ligação foi feita com uma só e o órgão pode não ter dado conta. Aos 24, depois de um tempo na fila de transplantes, conseguiu um órgão de doação espontânea de cadáver. Ficou 11 anos fora da diálise. Quando esse novo rim começou a dar sinais de que também já não funcionava bem, Henrique voltou para a diálise, onde já está há nove anos seguidos. Segunda, quarta e sexta-feira ele fica das 16h30 às 21h30 no hospital. Daquele momento depende sua vida. Em decorrência da doença renal crônica desenvolveu outros problemas: insuficiência cardíaca (teve um enfarte aos 29 e outro aos 38), anemia, osteodistrofia e tumor da tireoide. “Não tenho medo da morte. Prefiro pensar na vida, que as coisas estão melhorando. Claro que tem dia que eu choro, mas coloquei o negativo para o lado de fora”, conta o paciente, que lançou o livro Alegria e fé sobre sua história de luta e superação.