Quem não dorme não aprende

As razões que levam o homem a precisar de algumas horas de descanso diariamente ainda geram debate entre os especialistas. Sabe-se, contudo, que o sono é fundamental para a capacidade de adquirir conhecimento e habilidades

por Paloma Oliveto 06/03/2014 17:20

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De olhos fechados. Assim os adultos normais passam um terço de suas vidas. Para muitos, parece desperdício de tempo. Alguns aderem ao café e às bebidas energéticas, na tentativa de enganar o sono e ganhar mais horas no dia. Sem saber, estão colocando em risco a capacidade de aprendizado. Embora até hoje não exista consenso sobre o motivo pelo qual todos os animais, incluindo insetos microscópicos, precisarem dormir, pesquisas sugerem que essa é a forma que o cérebro encontra para recarregar a energia e reorganizar as sinapses necessárias para adquirir e consolidar informações.

Esse misterioso período do dia, quando o homem se desliga do ambiente real e mergulha em um universo desconhecido, ainda é pouco compreendido. Nas cerca de oito horas em que fica mentalmente distante do que ocorre a sua volta, o indivíduo se torna mais vulnerável às ameaças que o cercam, daí uma das dificuldades que se tem para entender como, do ponto de vista evolutivo, dormir pode ser vantajoso.

Pesquisador do Centro de Sono e Consciência da Universidade de Wisconsin, Giulio Tononi explica que esse é o “preço a ser pago” para aprender e memorizar. “Quando estamos acordados, as conexões entre as células nervosas se fortalecem por todo o cérebro, aumentando a necessidade de energia e saturando o órgão com as novas informações. Dormir permite que o cérebro ‘apague’, o que vai ajudar a agregar o material recém-aprendido às memórias consolidadas. Depois disso, estamos prontos para começar tudo de novo no dia seguinte”, diz. O psiquiatra é coautor de uma pesquisa publicada na revista especializada Neuron, na qual tenta explicar as razões por trás da necessidade de dormir.

CB/D.A.Press
Clique para ampliar e saber mais sobre a relação entre sono e aprendizagem (foto: CB/D.A.Press)
De acordo com Tononi, diversos estudos de laboratório estão deixando cada vez mais evidente a hipótese de que o sono ajuda as células a poupar energia, evita o estresse dessas estruturas e mantém a habilidade de os neurônios responderem seletivamente aos estímulos. “A nossa equipe investiga os padrões de sono de animais que vão da mosca-da-fruta aos humanos. Nos baseamos em dados comportamentais, eletrofisiológicos e moleculares. Todos eles apontam para essa direção”, argumenta.

O psiquiatra explica que o sono não é apenas um descanso para a mente. “Suponha que alguém passe o dia aprendendo uma nova habilidade, como andar de bicicleta. Os circuitos envolvidos nessa aprendizagem vão se fortalecer bastante naquele momento, mas eles não podem continuar assim no dia seguinte, quando essa pessoa terá de aprender uma nova coisa e, por isso, precisará que outros circuitos entrem em ação”, diz.

Para que as redes de neurônio associadas ao ato de pedalar não atrapalhem a assimilação do novo conteúdo, elas precisam ser afrouxadas. É o que a noite de sono faz. “Dormir normaliza a intensidade das sinapses”, define Tononi. O que se aprendeu, contudo, não será esquecido. O período de repouso profundo não apaga as informações importantes, apenas desacelera a conexão das células do cérebro, que trabalharão intensamente de novo, quando aquela habilidade for requisitada.

Complexidade
Um dos maiores estudiosos mundiais do assunto, o neurocientista Robert Stickgold, da Faculdade de Medicina de Harvard, concorda que dormir é importante para a aprendizagem e a memória, mas, diferentemente do colega de Wisconsin, acredita que, durante o sono, as sinapses associadas a determinadas habilidades adquiridas continuam fortalecidas. Em um dos experimentos mais recentes que conduziu, Stickgold constatou que pessoas que tiram uma soneca e sonham sobre uma tarefa que acabaram de aprender vão executá-la melhor depois de acordarem, comparado àqueles que não dormiram ou, se descansaram, sonharam com coisas sem conexão com a habilidade assimilada.

No estudo de Harvard, voluntários se sentaram em frente a uma tela de computador e aprenderam a decifrar um labirinto tridimensional, de forma que poderiam encontrar a saída cinco horas depois. Alguns participantes puderam tirar uma soneca em seguida, enquanto que outros tiveram de ficar acordados. Aqueles que dormiram e os que, além de descansar, sonharam com o labirinto, encontraram a saída mais facilmente, conta Stickgold. “Nós achamos que os sonhos são uma indicação de que o cérebro continua trabalhando no problema, ainda que em um nível diferente”, acredita.

Para Paul Shaw, psiquiatra da Universidade de Washington em St. Louis, apesar dos avanços nas pesquisas sobre o sonho, nenhum modelo conseguiu explicar, até agora, a complexidade desse ato. “É como um homem cego tentando descrever um elefante. Dependendo da parte do animal que ele tocar, ele pode achar que se trata de uma cobra, de uma árvore ou de um muro. As respostas sobre as funções do sono parecem depender da abordagem que um determinado pesquisador investiga. Não existe uma teoria que possa ser aceita amplamente”, diz.

Mas Shaw destaca que, ainda que não tenham conseguido juntar todas as peças, os cientistas conseguiram encontrar várias delas. “Hoje, temos muitos dispositivos que ajudam nas pesquisas, como máquinas que permitem gravar as ondas cerebrais”, lembra. Com base nesses métodos, o psiquiatra acredita que já foram feitas descobertas importantes. Entre elas, a da relação entre o sono e a aprendizagem e a consolidação das memórias. “Ainda que não sejam as únicas funções, estudos muito sérios têm indicado que dormir é importante para o armazenamento de informações. Quanto a isso, acredito que não existam muitas dúvidas.”

Tempo extra para adolescentes
Fazer um adolescente acordar cedo é tarefa árdua. Segundo cientistas, a dificuldade que os mais jovens têm de levantar para ir à escola não é preguiça. “A privação do sono é epidêmica entre adolescentes, com impactos potencialmente sérios para a saúde física e mental, a segurança e a aprendizagem. O horário muito cedo do início das aulas contribui para esse problema”, afirma Julie Boergers, psicóloga do Centro de Pesquisa Infantil Bradley Hasbro, nos Estados Unidos. A especialista em estudos do sono publicou um artigo no Journal of Developmental & Behavioral Pediatrics, defendendo que o humor de meninas e meninos melhora muito quando a escola atrasa um pouco a hora de entrada.

No artigo, Boergers explica que, entre as mudanças biológicas que caracterizam a adolescência, está uma alteração no ciclo dormir-acordar. Eles começam a sentir sono mais tarde e, consequentemente, não conseguem mais levantar tão cedo como quando eram crianças. No estudo conduzido pela pesquisadora, os psicólogos investigaram se um discreto atraso no horário escolar poderia mudar os padrões de sono, de insônia, de humor e de uso de cafeína por parte dos jovens. A primeira aula de um colégio de ensino médio passou das 8h para as 8h25 no inverno.

Benefícios
Os 25 minutos fizeram diferença e foram associados com um aumento significativo, de quase meia hora, na duração do sono dos adolescentes. O percentual de estudantes que dormiu oito ou mais horas por noite passou de 18% para 44%. A pesquisa constatou que os mais jovens e aqueles que dormiam menos no início do estudo foram os mais beneficiados. Além disso, Boegers diz que sonecas ao longo do dia, humor depressivo e abuso de café sofreram grande redução durante a experiência. O atraso no primeiro horário não teve efeitos no número de horas que os estudantes passaram fazendo dever de casa, praticando esportes ou participando de atividades extracurriculares.

A especialista diz que a descoberta tem importantes implicações para políticas públicas. “O resultado desse estudo acrescenta mais uma evidência ao crescente corpo de pesquisas que demonstram os benefícios de um pequeno atraso no horário das escolas à saúde do adolescente. Quanto mais a escola se alinhar às necessidades de sono dos estudantes, mais eles ficaram alertas, felizes e bem preparados para aprender”, defende. (PO)