Transtorno de ansiedade e síndrome do pânico merecem atenção

Muitos episódios de ansiedade dispensam tratamento medicamentoso, mas nem todos

por Rafael Campos 14/02/2014 15:21

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A assessora Maria Isabel (nome fictício), 37 anos, lembra bem quando viajou a São Paulo com vários textos literários seus. Tinha acabado de terminar a faculdade em Porto Alegre e apresentaria seus escritos a algumas editoras paulistas. No meio da Avenida Paulista, ela parou.

“Nunca tive medo de rua, de movimento, de trânsito. Mas, naquele momento, eu sentia tudo isso. Não ia para frente nem para trás, apavorada. Sudorese e tremores nas mãos, tontura, sensação real de morte. Foi horrível”, lembra. Sempre fora uma pessoa ansiosa. Na infância, mesmo adorando o Natal, dezembro jamais passava, tamanha era sua vontade de que a noite do dia 24 chegasse. “Só fui ter minha primeira reação forte por conta de ansiedade quando estava terminando a faculdade. Tive diplopia* e o médico exigiu repouso. Ficava ansiosa porque tinha de descansar e terminar o trabalho final.”

Somente após o incidente na Paulista é que foi diagnosticada com transtorno de ansiedade. Desde então, mantém acompanhamento psicanalítico e medicamentoso e se considera um caso de sucesso. “O ansioso é um devorador. Pode devorar comida, sentimentos, cigarros, drogas. Há quem consiga canalizar para algo positivo, mas, em suma, a ansiedade é algo sempre penoso para quem a sente”, garante.

Arquivo Pessoal
Scott Stossel, 44 anos, enfrentou a ansiedade causada pelo medo de vomitar e escrevia o livro 'Minha era de ansiedade: medo, esperança, pavor e a busca por paz de espírito' (foto: Arquivo Pessoal)
Inicialmente, para Freud, a ansiedade era um estado derivado de uma libido represada, que criava uma situação interna — psíquica e corporal — que deixava o paciente ansioso. “Essa teoria foi reformulada em 1926, com o texto Inibições, sintomas e angústia. A que prevaleceu diz que toda ansiedade é um sinal de sofrimento psíquico diretamente ligado à questão da angústia da perda, do abandono e da separação. No substrato das crises de ansiedade, sempre encontramos uma angústia muito grande da separação”, explica o psicanalista Carlos Vieira, membro efetivo da Sociedade de Psicanálise de Brasília. Para Freud, o medo tem sempre um objeto concreto. Ansiedade, não. Diferentemente da ansiedade, o medo seria saudável.

Suas ideias foram um dos principais motores de discussão da ansiedade como o mal do século 20. O contexto histórico contribuiu para essa percepção, com a eclosão de duas guerras mundiais, mudanças na estrutura das famílias, inovações no mercado de trabalho, constante ameaça atômica. Tantos acontecimentos fizeram do século passado terreno fértil para que a ansiedade se tornasse objeto de estudo.

“A ansiedade está, definitivamente, tecida na condição humana. Fiquei impressionado ao recorrer à literatura histórica e ver que cada era acreditava ser a mais ansiosa de todas. Isso é verdade tanto hoje quanto na Renascença ou no fim do Império Romano. A ansiedade dominou toda a história”, garante Scott Stossel. “Alguns dos fatores sociais que produzem ansiedade são: incerteza, rápida mudança social-tecnológica e abundância de escolhas. Temos tudo isso agora — além da mídia moderna, que está sempre apontando muitas razões para se ter medo”, resume.

*Imagem distorcida
Também chamada de visão dupla, ocorre quando há uma diferença entre os olhos que faz com que eles enviem imagens de um mesmo objeto para o cérebro em ângulos diferentes. Assim, ele não compreende e não as funde em uma única
.

 
"A ansiedade está, definitivamente, tecida na condição humana"
Scott Stossel, autor de My age of anxiety



Com ou sem remédio
Quando percebeu que estava em um casamento prestes a desmoronar, Graça (nome fictício) começou a se preocupar ainda mais com o futuro dos filhos. Estava ansiosa, sobretudo, com relação à vida profissional deles. “Eu não queria que eles acabassem ficando como o meu ex-marido. Sentia raiva o tempo todo porque me achava impotente para fazê-los mudar.” Suas crises de ansiedade trouxeram, inclusive, problemas para sua arcada dentária: a cada surto, cerrava com força os dentes, causando dores de cabeça e de ouvido.

CB/DA Press
(foto: CB/DA Press)
Por fim, procurou ajuda nos Neuróticos Anônimos (NA), entidade sem fins lucrativos que tem como objetivo unir pessoas que acreditam que a interferência negativa que suas emoções têm em suas vidas pode ser diminuída por meio da troca de experiências. Graça afirma que conseguiu amainar sua ansiedade ouvindo os depoimentos alheios. Começou a trabalhar melhor o próprio eu em vez de se fixar em expectativas que envolviam outras pessoas. “Parei de brigar com meus filhos. Parei de fumar. E tomei a decisão de pedir o divórcio.”

Segundo o psiquiata Márcio Bernik, muitos episódios de ansiedade dispensam tratamento medicamentoso. “Os transtornos mais comuns são as fobias simples, como medo de insetos, de altura ou lugares fechados. Essas fobias têm como principal tratamento terapia cognitiva-comportamental. Em raríssimas situações, elas exigem tratamento com medicamentos. O transtorno de pânico, sem agorafobia (medo de espaços abertos), melhora muito com medicamentos, sem necessidade da terapia. Já com agorafobia, ambos são necessários.”

O uso dos medicamentos é uma constante discussão entre psiquiatras e terapeutas. Apesar do consenso de que eles são úteis para o controle dos sintomas, relegar a eles importância exagerada pode fazer com que o paciente entre em um ciclo vicioso, vendo sua ansiedade aumentar caso não tenha em mãos seus remédios.

“Precisei de muito tempo para achar uma medicação que, de fato, tivesse algum efeito. Isso me deixava ainda mais ansioso, achando que não havia solução para o meu caso”, afirma o servidor público Guilherme (nome fictício), 33 anos, que começou a tratar sua ansiedade em meio a uma crise depressiva. “Sentia uma aflição constante”, define ele que, há cinco anos, faz terapia cognitiva-comportamental e toma remédios. O psicólogo Júlio Alves, do Instituto Brasileiro de Neuropsicologia e Ciências Cognitivas (IBNeuro), explica que esse tipo de terapia trabalha com a forma como o paciente interpreta as situações de suposto perigo.

“Primeiro, tentamos entender quais são os pensamentos que chegam à mente do paciente no momento em que ele se sente ansioso. Para nós, cognitivistas, funciona da seguinte forma: sempre que você tem uma emoção, seja tristeza, ansiedade, raiva, ensinamos ao paciente a se perguntar: ‘O que está passando pela minha mente neste momento?’”, descreve. Aquele com transtorno de ansiedade vai encarar essa emoção como uma ameaça, tentando fugir dela. “Ensinamos o paciente a detectar esses pensamentos e a confrontá-los, mostrando evidências de que aquele perigo não é real. Assim, o indivíduo corrige as interpretações catastróficas”, completa.

Entretanto, ninguém está imune a catástrofes. Ninguém está livre da violência, do desemprego, da perda de um ente querido. A ansiedade está sempre presente. Não importa se ela é uma resposta atávica ao medo, como acreditam os evolucionistas. Ou mesmo uma reação adquirida com o tempo, como defendem os behavioristas. Ou se, como indicam os estudos biomédicos, é impulsionada por reações químicas em estruturas cerebrais, como a amígdala e o hipocampo. Ou se é um “erro” na produção de neutrotransmissores, como a serotonina.

Como define o terapeuta do escritor Scott Stossel, a ansiedade é uma percepção sobre um sofrimento futuro — o medo antecipado de uma desgraça que ninguém é capaz de prevenir. E ela é humana. Afinal, mesmo que animais e pessoas tenham as mesmas reações físicas diante de um perigo — palidez, tremores e outros —, os bichos não temem a quebra da bolsa de valores ou um atentado terrorista. O ser humano é ansioso por ser humano. E muitas de suas obras são movidas pelo motor da ansiedade.

Síndrome do pânico
De acordo com o psiquiatra Márcio Bernik, 70% dos casos de síndrome do pânico têm fundo genético. Esse transtorno de ansiedade está entre os mais graves e tem no ataque de pânico o seu sintoma mais evidente. “O ataque também pode vir em outros transtornos. A síndrome é mais comum no início da adolescência e tem como característica a sensação que o paciente tem de que vai morrer”, afirma Carlos Guilherme Figueiredo, psiquiatra e secretário adjunto da Associação de Psiquiatria de Brasília. Segundo o especialista, o tratamento correto proporciona uma vida inteiramente normal ao paciente. “Com uma associação entre o trabalho do psiquiatra e a terapia”, completa. Para o presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Antônio Geraldo, é importante também evitar criar estigmas nesses pacientes. “A psicofobia existe até entre os médicos. É preciso criar alternativas educativas para que pacientes com transtornos mentais não sofram consequências além das que a doença traz.”