Caminho do discurso: ato de expressar uma ideia ativa neurônios nos dois hemisférios do cérebro

A teoria mais aceita até agora localizava essa habilidade apenas no lado esquerdo do órgão

por Paloma Oliveto 23/01/2014 16:00

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De tão automático, o processo de falar alguma coisa parece banal. Contudo, dentro do cérebro, a produção do discurso — por mais simples que ele seja — exige a ativação e a conexão de diversas redes de neurônios. Tradicionalmente, acredita-se que essa atividade ocorra apenas no hemisfério esquerdo do órgão, onde se encontra o “centro da linguagem”. Uma pesquisa da Universidade de Nova York e do Centro Médico Langone, porém, mostra que o ato de desenvolver um raciocíno e expressá-lo verbalmente é mais complexo ainda, englobando também o lado direito cerebral.

Bijan Pesaran, professor do Centro de Ciência Neural da NYU e principal autor do estudo, publicado na revista Nature desta semana, lembra que a ideia de a produção do discurso ser unilateral está em voga desde o século 19. “Naquela época, os cientistas começaram a entender melhor como o órgão processa a linguagem e o discurso, a partir da observação de pacientes que sofreram danos apenas no lado esquerdo e, em consequência, apresentaram problemas de fala”, explica.

O cientista frisa que, embora interligados, linguagem e discurso não são a mesma coisa. A primeira relaciona-se com o ato de compreender e construir as frases, e o segundo é o meio de verbalizar a linguagem. Para falar o que pensa, o indivíduo precisa articular as áreas sensoriais e as motoras — o cérebro tem de combinar palavras, encontrar as frases mais adequadas a cada situação e mandar sinais para os órgãos da fala se articularem corretamente, de forma a produzir o som.

Arte: CB/D.A Press
Clique na imagem para ampliá-la e saiba mais (foto: Arte: CB/D.A Press)
Em meados do século 19, o médico e anatomista francês Pierre Paul Broca apresentou evidências de que o discurso era gerado em uma região do lobo frontal esquerdo, que acabou recebendo seu nome, a área de Broca. O cientista tinha um paciente, Leborgne, que compreendia o que se dizia e raciocinava normalmente, mas só era capaz de falar uma palavra: tan (bronzeado, em inglês). Mesmo sem distúrbios cognitivos, o homem dizia repetidamente “tan”, sempre que queria se expressar oralmente.

Quando Leborgne morreu, Broca pôde fazer a autópsia no órgão. O médico descobriu que seu paciente tinha uma lesão no hemisfério esquerdo e relacionou o dano à dificuldade na produção do discurso. Outra pessoa examinada pelo anatomista foi Lelong, cujo vocabulário se resumia a cinco palavras: sim, não, três, sempre e Lelo (forma como conseguia pronunciar o próprio nome). O paciente também faleceu, o que deu uma nova oportunidade a Broca de examinar as estruturas cerebrais. Novamente, ele detectou uma lesão no mesmo local.

Pesaran observa que, passados mais de 100 anos, a teoria de que a área de Broca é a única responsável pela produção do discurso continua praticamente inalterada. “Mas os estudos que confirmam essa ideia são realizados por meio de mensurações indiretas da atividade cerebral ou exclusivamente com pacientes que sofreram derrames e tornaram-se afásicos (perda das habilidades de fala e escrita)”, afirma. A equipe do neurocientista decidiu testar se os mesmos padrões seriam verificados em indivíduos que não têm qualquer problema de linguagem e discurso e por meio de um método que permite visualizar o cérebro mais diretamente.

SXC.hu/Banco de Imagens
A produção do discurso - por mais simples que ele seja - exige a ativação e a conexão de diversas redes de neurônios (foto: SXC.hu/Banco de Imagens)
Epilepsia
Os voluntários do estudo são pacientes do Centro de Ciência Neural da Universidade de Nova York que sofrem de epilepsia e, por não responderem bem ao tratamento convencional, se submeteram ao implante de eletrodos subdorais e profundos no cérebro. “Os eletrodos estimulam eletricamente o cérebro e são usados para formar um mapa preciso das áreas onde se formam as convulsões”, explica Thomas Thesen, diretor do centro e coautor do artigo. “Os eletrodos também podem mapear as áreas envolvidas na linguagem, no movimento e em outras importantes funções, por isso a participação desses pacientes no estudo nos forneceu uma oportunidade única de visualizar o cérebro em ação, durante atividades que envolviam a compreensão e a formulação do discurso”, diz.

Os 16 participantes do estudo sofrem de epilepsia, mas, ao contrário dos pacientes de Broca, não têm distúrbios de linguagem nem de discurso, representando, dessa forma, o que ocorre no cérebro de uma pessoa normal. Eles foram submetidos a diversos testes que exigiam as habilidades motoras, auditivas e de produção da fala, enquanto o eletroencefalograma capturava os sinais enviados pelos eletrodos implantados e mapeavam as áreas cerebrais envolvidas. Durante as atividades, as redes de neurônio localizadas em ambos os hemisférios do órgão entraram em ação. “Ficamos muito surpresos ao perceber um padrão de ativação muito semelhante nos dois lados do cérebro. Não esperávamos contradizer um conhecimento tão antigo, mas foi o que aconteceu”, conta Bijan Pesaran.

O cientista observa que a detecção de atividade bilateral durante a compreensão e a produção do discurso tem inúmeras aplicações práticas. “Apesar de grandes esforços terem sido empreendidos nesse sentido, nem sempre os tratamentos para devolver a habilidade da comunicação oral resultam em sucesso. Agora que temos uma visão mais ampla da conexão entre cérebro e discurso, podemos começar a desenvolver novas formas para ajudar a devolver a pessoas que sofrem derrames ou danos cerebrais a capacidade de se expressar pela fala”, acredita.



Compreensão importante

“A produção do discurso é um processo complexo, que envolve uma rede de sistemas em áreas cerebrais, sendo que cada uma contribui para isso de forma única. Para pacientes que sofrem de afasia, uma melhor compreensão do papel das diversas redes cerebrais envolvidas, assim como a caracterização mais precisa do distúrbio, podem, no fim, ajudar os médicos a planejar programas de reabilitação mais efetivos.”

Nina Dronkers, pesquisadora do Centro de Afasia e Distúrbios Correlatos da Universidade da Califórnia em Davis