Medicina nuclear aposta em tecnologia e pesquisa de ponta para melhorar diagnósticos do câncer

Marrcadores que localizam tumores são matéria-prima para realização dos exames de tomografia

24/12/2013 10:00

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Pesquisas no campo da medicina nuclear devem andar lado a lado com os avanços tecnológicos propostos pela indústria de aparelhos de imagem. São os resultados desses estudos os responsáveis por disponibilizar às redes de hospital e clínicas especializadas os marcadores radioativos, considerados a principal matéria-prima para realização dos exames de tomografia. Injetada no corpo do paciente minutos antes do exame, essa substância localiza o tumor e denuncia sua presença por meio da emissão de partículas detectadas pelos raios gama (fóton). As imagens captam exatamente a área onde esses marcadores se concentraram, indicando a presença de uma atividade metabólica desordenada.

Com sobrevida curta, de alguns minutos até poucas horas, os marcadores, traçadores ou radiofármacos devem ser produzidos próximos à área de aplicação. O desafio é enorme se considerado um país continental como o Brasil, discussão que fecha a série de reportagens "Tecnologia contra o câncer", que abordou as novidades no campo da radiologia e medicina nuclear no país e no mundo. Em Minas Gerais, somente o Centro de Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear (CDTN) – instituição vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação – produz os traçadores usados nesses exames.

Leia a continuidade da série:
Brasil vai esperar dois anos para receber aparelhos mais modernos para exames de imagem do câncer
Cobertura para exame que detecta avanço do câncer vai ser ampliada em 2014


istockphoto
(foto: istockphoto)
"Instalamos a fábrica dentro da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) há cinco anos para produção do FDG, mas também com o objetivo de desenvolver novos marcadores", conta a pesquisadora e chefe do setor de radiofarmácia do CDTN, Juliana Batista da Silva. O FDG é um tipo de glicose, semelhante ao açúcar consumido na dieta diária, marcada com flúor-18, material radioativo capturado pelo aparelho. "Os tumores, em geral, por trabalhar de forma desordenada, apresentam uma avidez muito grande pela glicose, utilizando-a como substrato ou seu ‘alimento’, havendo um alto consumo de glicose nas células tumorais", explica a médica nuclear do Departamento de Diagnóstico por Imagem do Laboratório Hermes Pardini, Ivana Moura Abuhid. Quanto mais maligno ou agressivo for o tumor, mais sua avidez pela glicose. Apesar de ser o mais utilizado nos exames de maneira geral, o FDG apresenta limitações.

"Em câncer de próstata e aqueles localizados no cérebro, por exemplo, o FDG não é capaz de identificar com precisão a localização do tumor. Por isso, o ideal é fazer estudos com radiofármacos mais seletivos", reconhece Juliana. Empenhado em novas alternativas e atento à demanda da própria comunidade médica, o CDTN desenvolveu a colina radioativa destinada à detecção mais segura e confiável do câncer de próstata. "Já fizemos a parte pré-clínica, aplicada em animais, e estamos aguardando autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para liberação dos exames clínicos em humanos", afirma a pesquisadora. Cerca de 300 pessoas devem participar dos testes que devem começar no início de 2014.

PULMÃO E CÉREBRO
Outros órgãos também requerem marcadores mais precisos, como o pulmão. Para isso, o CDTN já estuda a produção do flúor tinidina (FLT). Para estudos cerebrais, a metionina já está em fase pré-clínica e é o único radiofármaco produzido com carbono 14 no Brasil, material que tem meia-vida de apenas 20 minutos. Os períodos muito curtos para utilização dos materiais radioativos obrigam alguns hospitais a concentrar uma área própria de produção de traçadores.

É o caso do Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE), que já tem estudos avançados na produção de uma substância para tumores neuroendócrinos. "Essa necessidade de muitos marcadores serem desenvolvidos dentro do próprio centro foi um dos fatores limitantes para a chegada dos aparelhos no Brasil. Hoje, temos cerca de 10 centros de distribuição desse material no país e, com isso, devemos ganhar escala", reconhece Marcelo Livorsi da Cunha, médico do serviço de medicina nuclear e PET/CT da Medicina Nuclear do HIAE.

Jair Amaral/EM/D.A Press
Juliana Batista da Silva, pesquisadora e chefe do setor de radiofarmácia do Centro de Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
Ao ganhar em escala de distribuição e desenvolvimento de novas alternativas, os investimentos em PET/CT se tornam viáveis. Juliana Batista da Silva conta que, até o ano passado, havia apenas um aparelho no estado. "Hoje já são quatro e para o ano que vem estão previstos mais dois", antecipa. Uma nova fase da medicina, que promete mudar as perspectivas de pacientes e médicos em relação ao diagnóstico e tratamento da doença. Considerando a legislação brasileira, desde o início das pesquisas até a entrada das novas substâncias no mercado, a expectativa é de que se passem, pelo menos, cinco anos.



Rigor em excesso
"A legislação estipulada pela Anvisa para se colocar um radiofármaco no mercado é tão grande que há três anos não sai nada de novo. A agência baseou as normas brasileiras nas americanas e europeias, nas quais agências reguladoras classificam os radiofármacos de maneira semelhante a antibióticos, o que não é verdade. É uma das substâncias mais seguras na medicina. Mais de 50 milhões de doses já foram distribuídas no mundo e nunca houve um caso de morte ou doença. Não há motivos para regras tão rigorosas. Em nível de pesquisa, os processos continuam, mas a população não está tendo acesso a essa tecnologia de ponta. Já fizemos várias reuniões com a Anvisa e existe boa vontade em entender os problemas do setor, mas oficialmente ainda não sabemos de nenhuma mudança prevista."

Celso Darío Ramos - presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear e professor na Unicamp