Diagnóstico tardio reduz a cura do câncer infantil em Minas, diz UFMG

O diagnóstico tardio é um dos principais empecilhos para um tratamento eficaz e mais chances de sobrevivência da criança. A descoberta da doença pode levar até oito anos, segundo o Observatório da Saúde da Criança e do Adolescente (Observaped), da Faculdade de Medicina da UFMG

por Juliana Ferreira 21/12/2013 07:33

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Leandro Couri/EM/D.A Press
Jenifer Patrícia Abreu Rodrigues, de 15 anos, descobriu o câncer há dois (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
Uma pedra no caminho interrompeu de vez o sonho de uma vida no esporte. Aos 12 anos, Jenifer Patrícia Abreu Rodrigues praticava tudo: futsal, natação e academia eram suas atividades preferidas. Mas o dia a dia cheio de atividades da futura atleta de Bom Despacho, no Centro-Oeste de Minas Gerais, deu lugar a meses de internação em hospitais e várias sessões de quimioterapia. O tratamento começou tarde, quando o tumor ósseo em seu joelho já atingia 18cm. Tudo começou quando a jovem sentiu uma forte fincada na perna. “Apareceu um inchaço no joelho e fui ao clínico, para quem era dor de crescimento”, lembra. Cinco meses depois, o incômodo persistia, mas um médico generalista disse que os sintomas eram normais da idade. Mas quando passou mal na escola, um terceiro clínico pediu uma radiografia e a encaminhou para um ortopedista, que detectou o tumor maligno. Foram longos 12 meses e a demora ajudou o câncer a se proliferar e aparecer em outras partes do corpo da adolescente, hoje com 15 anos.

A possibilidade de extinguir o tumor é em torno de 70% em crianças. No entanto, o número de curas no estado está abaixo do índice devido a essa demora. O diagnóstico tardio é um dos principais empecilhos para um tratamento eficaz e mais chances de sobrevivência da criança. A descoberta da doença pode levar até oito anos, segundo um levantamento feito pelo Observatório da Saúde da Criança e do Adolescente (Observaped), do Departamento de Pediatria Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Nos países desenvolvidos, especialistas levam em média dois meses para detectar o câncer infantil. O estudo analisou prontuários de 488 pacientes atendidos no Hospital das Clínicas, um dos três centros de referência em câncer infantil da capital – os outros são o Hospital da Baleia e a Santa Casa –, entre 2004 e 2012. Desses, 364 (74,5%) foram diagnosticados com tumores. O período entre o aparecimento dos sintomas e o início do tratamento chegou a até oito anos. A média de tempo do diagnóstico foi de quatro meses, o que já é considerado uma dificuldade para cura do paciente.

“O médico me disse que se eu tivesse tido um diagnóstico precoce, eu poderia ter sido um tumor benigno. Os que me atenderam antes não entenderam o que eu tinha”, conta Jenifer, que teve que largar os estudos e passou meses internada devido a complicações da quimioterapia. Recentemente, o câncer apareceu nos ossos de um ombro. Ela faz tratamento no Hospital das Clínicas, onde trabalha a oncologista pediátrica e professora da UFMG Karla Emília de Sá Rodrigues, que conduziu a pesquisa. Segundo ela, a demora é consequência de diversos fatores. O principal empecilho é a raridade de câncer em crianças e adolescentes. Como a maioria das queixas iniciais é comum em outras doenças, o médico não cogita a possibilidade de um tumor rapidamente. Febre, dor de cabeça, dor abdominal e aumento de gânglios podem estar relacionados até mesmo a viroses. “Não é a primeira hipótese que um médico levanta. Grande parte das doenças virais tem essas manifestações também”, diz Karla.

Um pediatra ou generalista diagnostica um tumor a cada sete anos em sua carreira. Com isso, há um atraso no encaminhamento de pacientes a centros de referência. “No interior é mais complicado ainda porque esperamos um ano para conseguir uma consulta. Ainda bem que Deus pôs um anjo para diagnosticar minha filha. Muitos perdem a vida por falta de um médico bom”, desabafa a diarista Elicássia Martins Abreu, de 33 anos. O Conselho Regional de Medicina (CRM-MG) confirma a falta de experiência dos médicos não especializados em oncologia. O presidente da entidade, Itagiba de Castro Filho, que é pediatra, diz que há dificuldade em distinguir os sintomas. “É possível que o médico deixe de fazer o diagnóstico por uma incapacidade técnica”, diz.

Tratamento
O governo federal determina que o tratamento do câncer infantil comece até dois meses depois do diagnóstico. A doença, no entanto, é diferente da que aparece em adultos, com prevalência de leucemia e tumores cerebrais e ósseos. A origem de câncer em crianças, segundo o coordenador da Oncologia Pediátrica do Hospital da Baleia e coordenador interino do Hospital das Clínicas, Eduardo ribeiro Lima, também é diferenciada. “O tratamento geralmente é mais intenso porque eles toleram melhor. Proporcionalmente, usamos doses maiores”, afirma. Ele explica que o caso de oito anos de atraso no diagnóstico é um extremo, mas é perceptível o papel do paciente e do médico no atraso do diagnóstico na atenção básica. “Eles chegam aos centros de referência tardiamente, muitas vezes com metástase, o que diminui a chance de cura.”