Em busca do corpo ideal, cresce o uso de substâncias como anabolizantes, suplementos e termogênicos

A promessa é de ganho de massa muscular e energia, além da queima de gordura. Nos consultórios médicos, no entanto, pacientes tentam sanar problemas no fígado, rins e nos músculos

por Luciane Evans 11/12/2013 09:10

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A “ditadura do corpo perfeito”, pregada a ferro e fogo pela sociedade, tem se transformado em armadilha para aqueles que acreditam que a felicidade está em músculos grandes, em corpos magros e sem gordura. Em busca da beleza escultural, homens e mulheres ingerem e injetam substâncias capazes de fazer milagres. Por um lado, deixam o corpo bonito, forte e aparentemente saudável em pouco tempo. Em contrapartida, os produtos cobram um preço alto por isso: funcionam como um tsunami interno no organismo, causando doenças graves e, em alguns casos, até a morte. Preocupados com o cenário que já se tornou uma obsessão global, muitos especialistas dizem tentar convencer as pessoas sobre os riscos que correm, mas o esforço, segundo contam, tem sido em vão, principalmente entre os jovens que buscam essa fórmula da beleza a qualquer custo.

Recentemente, o Brasil se chocou com o relato da ex-BBB Maria Melilo sobre seu estado de saúde. No mês passado, ela precisou retirar quase 70% do fígado por causa de um câncer provavelmente provocado pelo uso de anabolizantes durante 10 anos. Outro famoso que faz parte desse drama é o cantor baiano Netinho, que, no início do ano, foi internado em estado grave com forte dor abdominal, em função de uma hemorragia no fígado. De acordo com médicos, tudo leva a crer que seu quadro também foi provocado pelo uso de anabolizantes. "As pessoas estão cada vez mais apostando que a felicidade está no físico e no culto ao corpo. Há uma necessidade muito grande de cuidar da casca e elas acabam se tornando dependentes de substâncias que podem se transformar em um verdadeiro veneno", alerta a especialista em nutrição clínica e alimentação detox Juliana Nakabayashi.

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Recentemente, o Brasil se chocou com o relato da ex-BBB Maria Melilo. No mês passado, ela precisou retirar quase 70% do fígado por causa de um câncer provavelmente provocado pelo uso de anabolizantes (foto: AGNEWS)
Segundo o cardiologista e médico do esporte do Minas Tênis Clube e do Clube Atlético Mineiro Haroldo Christo Aleixo, sempre há casos de internação grave devido ao uso dessas substâncias. Recentemente, vários jovens foram internados em Belo Horizonte, conforme destaca Haroldo. "Quando você vê essas pessoas, elas estão bonitas por fora, porém, perderam o limite e o medo. Usam estimulantes, anabolizantes e medicações perigosas", alerta o médico, já preocupado com a proporção que isso tem tomado. "Os usuários já sabem que sofrerão efeitos colaterais como calvície ou acne e, quando os efeitos demoram a aparecer, eles pensam que os anabolizantes não estão funcionando. Daí, aumentam a dose", lamenta.

Segundo explica Haroldo, o esteroide anabolizante, assim chamado, é usado com o objetivo de aumentar a massa muscular. "Mas há uma série de efeitos colaterais. Um deles, que temos observado com maior incidência em pacientes, é a hepatite. O fígado é o órgão que metaboliza essas substâncias, mas essas megadoses superam sua capacidade de trabalho, sobrecarregando o órgão e podendo levar à falência hepática ou até à morte do indivíduo”, alerta. Um dos perigos para quem toma os anabolizantes, segundo lembra o médico, é a falsa segurança de dizer que “faz exames regulares no corpo”. “Muitos argumentam que estão com acompanhamento médico e fazem exames de rotina, porém, não existe essa segurança. Quando o problema surge é tão rápido que ao se manifestar em exames é porque ele já está ocorrendo há um tempo”, diz.

NADA DE INOCÊNCIA
Mas nessa história os anabolizantes não são os únicos vilões. Os aparentemente inocentes suplementos também representam riscos, segundo os especialistas. “Eles têm a função de complementar a alimentação, muitas vezes com substâncias que vão auxiliar na queima de gordura. Há riscos de problemas renais, insônia e irritabilidade”, avisa a nutricionista Juliana Nakabayashi, lembrando que não é preciso fazer uso disso, uma vez que por meio de uma boa alimentação se conseguem os resultados. "O problema é que as pessoas querem alcançar seus objetivos muito rapidamente e acabam contaminadas pelo ambiente de academia", critica.

Segundo destaca o cardiologista Haroldo Aleixo, hoje em dia o uso dos suplementos está tão enraizado que as pessoas já não acreditam que possam ser saudáveis sem eles. "Tive um cliente atleta que afirmou ser impossível ser atleta hoje em dia sem usar suplementos. Disse a ele que Pelé e Garrincha nem sabiam o que era isso", comenta. O médico destaca que os suplementos normais têm riscos menores, mas não podem ser negligenciados.
Edesio Ferreira/EM / DA Press
Em junho deste ano, um professor de fisiculturismo foi preso em uma blitz no Anel Rodoviário de Belo Horizonte com uma carga de anabolizantes, seringas, frascos e agulhas. Mas os anabolizantes não são os únicos vilões (foto: Edesio Ferreira/EM / DA Press)

SOBRECARGA
"Uma pessoa deve ingerir uma taxa de proteína de 1 a 2 gramas por quilo. Ou seja, se ela pesa 50 quilos, deve comer por dia 100 gramas. Mas, quando se ultrapassa essa quantidade, o excesso pode sobrecarregar ou lesar os rins a longo prazo", esclarece. Uma das febres entre os suplementos são os termogênicos, que oferecem energia e uma queima rápida de gordura aos usuários. "Esses estimulantes provocam arritmias cardíacas. Hoje em dia está difícil convencer esses usuários sobre esse problema", acrescenta Haroldo.

Outro alerta recai sobre os produtos naturais. "O grande problema deles é que eles entram para o mercado e para o modismo, assumindo funções antes de serem testados cientificamente", critica Haroldo, que acrescenta: "Temos que ficar atentos também para a indicação de produtos por profissionais que recebem alguns benefícios ao prescrever aquela fórmula". Para ele, ninguém precisa de suplementos. "A resposta para ter saúde e um corpo bacana está na alimentação adequada."

Muito exagero nas atividades físicas
Além de todas as substâncias ingeridas por quem busca o corpo perfeito, há a dedicação extrema aos exercícios físicos. Aos 34 anos, a consultora de moda Tatiana Ferragini teve que largar a corrida, a academia e as aulas de muay thai. Ela desenvolveu hérnia de disco e, segundo muitos médicos, o problema pode ter sido causado pelo excesso de atividades físicas. Hoje, fazendo fisioterapia, ela reconhece que, muitas vezes, durante seus treinos, tentou ultrapassar os limites do corpo. "Você sente aquela dorzinha, mas quer mais", conta. Tatiana diz que já usou termogênicos para ter energia e queimar gorduras. "Uma nutricionista foi quem me passou. Mas não tomei muito. Sei que isso já virou febre nas academias."

De acordo com o fisioterapeuta e especialista em coluna vertebral da clínica FortaleSer/ITC Vertebral Rodrigo Moura, com o fim do ano há aumento de lesões causadas por exercícios físicos. "As pessoas tentam compensar em um período de dois e três meses um ano parado", comenta, lembrando que o excesso muitas vezes é motivado por outros fatores, como os medicamentos tomados para o corpo ideal. "Com os estimulantes, por exemplo, a pessoa se sente com mais energia e vai ultrapassando os limites corporais. É uma energia perigosa, pois os músculos e tendões podem não estar preparados para esse treinamento. O efeitos podem ser desde uma lombalgia mais simples até uma patologia grave, que deixa a pessoa incapacitada." O ideal, segundo ele, é fazer atividades físicas sem o consumo de substâncias e de forma gradual.

EM / DA Press
(foto: EM / DA Press)