Especialista diz que amigo é aquele que proporciona bem-estar

A psicanalista e psicóloga Maria Goretti Ferreira alerta que como toda relação a amizade requer cuidado para ser duradoura

por Lilian Monteiro 29/09/2013 13:02

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Intuição, afinidades, cumplicidade, são tantos os adjetivos para explicar a escolha de um amigo. Mas, na verdade, eles se perdem se levarmos em conta que "a amizade é uma das mais belas formas de amor, caracterizada pela espontaneidade e pela reciprocidade de sentimentos", como define a psicanalista e psicóloga Maria Goretti Ferreira, com 35 anos de clínica médica. "Normalmente, nasce do acaso. Uma simpatia mútua começa a se desenvolver, instalando-se pouco a pouco uma aliança marcada pela alegria, pela ternura e pelo prazer de estar junto. Ou seja, o amigo é aquele cuja presença nos proporciona bem-estar, aconchego, e, mais precisamente, cuja existência nos dá a sensação de que não estamos sós no mundo." Goretti ensina que diante do amigo experimentamos a suprema felicidade de sermos quem realmente somos, em que cada um desperta no outro o que temos de melhor. "Por isso, o verdadeiro amigo é aquele com quem contamos nos momentos difíceis e embaraçosos da vida e também aquele que se rejubila com nossas alegrias e vitórias. Fujamos de quem só consegue ser solidário na dor... ou daqueles que só compartilham dos instantes de fruição e leveza."

Maria Tereza Correia/EM/D.A Press
A psicanalista Maria Goretti Ferreira diz que diante do amigo experimentamos a suprema felicidade (foto: Maria Tereza Correia/EM/D.A Press)
Goretti enfatiza que, como todo e qualquer relacionamento humano, a amizade duradoura pede cuidados de um bom jardineiro, sempre atento à sazonalidade das estações, às condições climáticas e às particularidades de cada espécie. "Espera-se que o amigo saiba acolher, escutar e que respeite a necessidade do outro de se asilar em seus momentos de privacidade e recolhimento. O verdadeiro amigo tem o dom de expressar verdades por vezes dolorosas e transtornantes, da mesma forma que é mais agradável e menos incômodo escutarmos de quem temos em alta conta aquilo que nos perturba e desinstala. Mas fiquemos atentos aos nossos laços que, perpassados pela fragilidade e pela ausência de garantias inerentes à condição humana, estarão sempre sujeitos tanto às graças do paraíso quanto a chuvas e trovoadas."

Altos e baixos, menor ou maior intensidade, Goretti lembra que há que se considerar também que os vínculos de amizade podem se afrouxar ou mesmo se desfazer, não pela falta de confiança e dedicação, mas simplesmente porque os amigos, ao longo da vida, tomaram caminhos muito diversos, cada um perfazendo a própria trilha de interesses, valores e realizações que não combinam mais com as buscas do outro. "Não há nesses casos o que ser resgatado ou atualizado, a não ser as boas lembranças de um passado que não se tornou presente."

VIRTUAL
Quanto à velocidade do mundo contemporâneo e de relações cada vez mais superficiais, Goretti acredita que "as amizades continuarão a existir e a insistir, mesmo com a predominância do mundo virtual, meio que, bem direcionado, tem o poder de se transformar em facilitador e aliado". Para a psicanalista, considerando-se a necessidade premente do ser humano de se relacionar, de estar com o outro e por ele ser amado e reconhecido, “o amigo ocupa com galhardia esse lugar que oferece colo, espelho e prazer inesperado".

Num mundo em que a solidão, a invisibilidade e o anonimato tentam cada vez mais nos reduzir a meros objetos consumidores, Goretti lembra que "o amigo é, antes de tudo, uma testemunha da nossa jornada , da nossa passagem por este mundo finito, instável e surpreendente!". Para finalizar, ela faz uma ode à amizade com uma citação de Cícero: "Existirá algo mais agradável do que ter alguém com quem falar de tudo como se estivéssemos falando conosco mesmos?".

Para inspirá-los ainda mais, a tradução de amigo por meio de poesias de três grandes escritores:

Soneto do amigo, de Vinicius de Moraes

Enfim, depois de tanto erro passado
Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.
É bom sentá-lo novamente ao lado
Com olhos que contêm o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.
Um bicho igual a mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com o meu
próprio engano.
O amigo: um ser que a vida
não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica...


Amigo, de Alexandre O'Neill

Mal nos conhecemos
Inauguramos a palavra "amigo".
"Amigo" é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece,
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!
"Amigo" (recordam-se, vocês aí,
escrupulosos detritos?)
"Amigo" é o contrário de inimigo!
"Amigo" é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado,
É a verdade partilhada, praticada.
"Amigo" é a solidão derrotada!
"Amigo" é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
"Amigo" vai ser, é já uma
grande festa!

Recado aos amigos distantes, de Cecília Meireles

Meus companheiros amados,
não vos espero nem chamo:
porque vou para outros lados.
Mas é certo que vos amo.
Nem sempre os que estão mais perto
fazem melhor companhia.
Mesmo com sol encoberto,
todos sabem quando é dia.
Pelo vosso campo imenso,
vou cortando meus atalhos.
Por vosso amor é que penso
e me dou tantos trabalhos.
Não condeneis, por enquanto,
minha rebelde maneira.
Para libertar-me tanto,
fico vossa prisioneira.
Por mais que longe pareça,
ides na minha lembrança,
ides na minha cabeça,
valeis a minha esperança.