Gostar de games não é fruto de bloqueio social e pode ser um ótimo aprendizado

Gostar muito de jogos não vem do excesso de timidez ou de qualquer outra dificuldade social. Segundo especialistas, durante as partidas, pode-se aprender idiomas, quebrar as barreiras familiares e conhecer pessoas de todo o mundo

por Correio Braziliense 05/09/2013 13:00

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Aos 14 anos, o universitário Jefferson Prado, hoje com 19, ficou surpreso ao perceber que sabia com detalhes a resposta correta de uma das perguntas da prova de história do 9º ano. A questão tratava de uma passagem importante na vida do romano Júlio César. A resposta só veio fácil porque o estudante estava, à época, entusiasmado com um jogo virtual de estratégia sobre o Império Romano. A escola cobrava a volta de César de Gália, uma das fases mais importantes do game. “Foi fácil porque no jogo eu era Júlio César, eu vivia como César”, conta.


Breno Fortes/CB/D.A Press
Com os games, Jefferson conheceu a fundo o Império Romano e aprendeu a trabalhar em equipe (foto: Breno Fortes/CB/D.A Press)
As mesmas partidas provocaram no adolescente reflexões complexas para idade dele. Uma das fases questionava como seria o mundo atual se Roma tivesse sido vencida por Cartago durante as Guerras Púnicas. “Na época, eu me questionei se a nossa sociedade, tão influenciada por Roma, teria algumas características de Cartago. Jogar me levou a essa reflexão”, diz Jefferson.

Cada vez mais comuns entre os jovens, os jogos virtuais podem abrir espaço para o aprendizado e auxiliar no desenvolvimento de crianças e adolescentes. Reflexos mais ágeis, maior capacidade de tomar decisões rápidas, novos conhecimentos e até o aprendizado de novas línguas são alguns dos benefícios proporcionados pelos games, dizem especialistas. Os benefícios não vêm apenas dos jogos desenvolvidos especialmente para a educação, explica a professora da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) e especialista em educação e tecnologia Lynn Alves. “Os jogos comerciais também podem ser um estímulo para a aprendizagem”, afirma. A professora coordena o site www.comunidadesvirtuais.pro.br— ligado à Uneb, a iniciativa disponibiliza jogos gratuitos e educativos.

Psicólogo, Luiz Mello Gallina confirma a ideia de que mesmo os jogos não pensados com a proposta educativa podem promover benefícios. Gallina pondera, entretanto, que a influência dos jogos depende das especificidades do usuário. “Um mesmo jogo pode ser benéfico para alguns jogadores e não para outros. Os benefícios podem vir se a pessoa usar a experiência para refletir sobre a vida”, explica.

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Para Lucas, os jogos melhoram o raciocínio e a capacidade motora (foto: Breno Fortes/CB/D.A Press)
No caso de Jefferson, o estímulo para começar a jogar veio da mãe. Quando ele tinha 6 anos, ela colocava o garoto para brincar com um jogo cujo objetivo era construir e administrar cidades. A intenção era instigar e desenvolver melhor o raciocínio lógico. Jefferson acredita que a criatividade também foi aguçada durante essas partidas. “Tinha de criar novas cidades, organizá-las, atividades difíceis para uma criança daquela idade e que me estimularam muito a pensar diferente”, afirma.

O estudante de engenharia conta que os games também lhe renderam benefícios que, raramente, são relacionados aos jogos virtuais, como a possibilidade de fazer novos amigos. “Eu era muito tímido quando mais novo. Foi com o contato que eu precisava ter com outras pessoas nos jogos on-line que me soltei mais”, explica. Jefferson diz também que a competitividade dos games o ensinou a liderar e trabalhar bem em equipe. “Em alguns jogos, você não faz nada sozinho. A vontade de ganhar me fez aprender a trabalhar melhor em conjunto, o que ajuda na universidade, na vida fora do jogo”, avalia.

Em família
Doutora em psicologia e especialista em tecnologia educacional, Lairtes Júlia Vidal acredita que os jogos, além de uma maneira eficaz de se obter novos conhecimentos, pode aproximar pessoas. “Pode ser divertimento que ensina novos conteúdos, curiosidades e que auxilia a socialização”, afirma. Mesmo dentro de casa, as relações podem ser melhoradas. Apesar das dificuldades que os pais geralmente encontram para dominar a linguagem e o ambiente dos jogos, a atividade pode ser um meio de aproximá-los dos filhos.

Segundo o psicólogo Luiz Mello Gallina, conversar com filhos sobre jogos e mostrar interesse na atividade podem representar um reconhecimento de que os gostos e as escolhas dos mais jovens são valorizados. “Isso facilita uma aproximação, permitindo que os pais possam tratar dos receios que têm em relação aos jogos e tomar decisões mais adequadas”, complementa.

O universitário Lucas Sanches, 18 anos, começou a jogar por volta dos 5. Para o estudante de engenharia, os games foram uma maneira divertida de estar próximo da família. Tios, primos e o pai do jovem sempre foram parceiros dele na atividade. “Era uma momento de diversão entre nós”, diz. Devido à rotina de trabalho do pai, Lucas conta que eles tinham pouco tempo para estar juntos. “Meu pai sempre trabalhou muito. Quando jogávamos, era uma oportunidade de ficarmos mais próximos.”

Além de colaborar para aproximar a família, os games auxiliaram Lucas no aprendizado do inglês, já que a maioria dos jogos é desenvolvida nessa língua. O contato com jogadores de outros países também é um fator importante para a aprendizagem de idiomas. “Você se acostuma com as palavras, com o jeito que o idioma é, aprende mais vocabulário. Grande parte do que sei de inglês aprendi jogando”, explica o universitário.

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Igor transformou a paixão pelos games em profissão. Aos 24 anos, ele é sócio de uma empresa de jogos educativos (foto: Breno Fortes/CB/D.A Press)
Adepto de jogos de esporte — por serem mais rápidos e permitirem que se jogue sem gastar tanto tempo —, Lucas acredita que os games contribuem para deixar o raciocínio mais ágil e estimulam melhorias na coordenação motora. “Hoje, por exemplo, existem muitos tipos de controladores, guitarras e volantes que ajudam nisso”, afirma. Na maioria dos jogos do tipo, existe a possibilidade de administrar a carreira (cuidando de aspectos financeiros e emocionais) de um jogador, um técnico ou até mesmo de um clube. Para Lucas, esse modo de jogar pode ajudar a entender situações reais. “Não ensina como você deve fazer, mas dá uma ideia do que deve ser feito”, comenta. Gallina concorda que alguns jogos podem se refletir nas decisões fora das telas. “Eles podem ser fontes de prazer para os jogadores, bem como um treino para os conflitos e dificuldades que encontramos no mundo fora deles”, analisa o psicólogo.

Interações facilitadas

No imaginário de muitas pessoas, quem gosta de jogos virtuais é visto como alguém que se isola em um quarto e, com um computador ou uma televisão à frente, esquece-se do mundo ao redor. Especialistas e jogadores, entretanto, afirmam que os games podem ser, na verdade, um meio de se obter novos relacionamentos e aumentar a interação social dentro e fora do espaço virtual. Para o psicólogo Luiz Mello Gallina, grupos de amizade se formam por conta do interesse comum nos jogos, fazendo com que a importância deles extrapole o ambiente digital. “Um jogo que envolve a presença de outros jogadores abre a possibilidade de interações sociais mais frequentes, o que pode ser benéfico para pessoas com dificuldades de relacionamento.”

Os universitários Jefferson Prado,19, e Lucas Sanches, 18, contam que conheceram diversas pessoas dentro do ambiente de jogo. Os dois acreditam que os jogos facilitam a interação com pessoas de outras cidades e até países em relações que, muitas vezes, migram para fora das telas. “Muitos dos meus melhores amigos eu conheci jogando, pessoas de outros países e mesmo alguns da minha cidade”, diz Jefferson.

Gallina adverte que é preciso ficar atento ao risco de que os jogos se transformem, de fato, em uma forma de isolamento. Outros afazeres, segundo o especialista, não podem ser deixados de lado pelo envolvimento com os games. “Deve-se ponderar que existem outras atividades e acontecimentos igualmente importantes. Os jogos não podem tomar todo o tempo de convívio com a família, amigos ou colegas”, alerta.

Se utilizados com equilíbrio, ajudam os jovens, inclusive, nas escolhas para a vida adulta. A presença dos jogos virtuais no dia a dia de Igor Rafael de Sousa, 24, foi tão marcante que o contato com eles culminou em profissão. Formado em ciências da computação pela Universidade de Brasília (UnB), ele e mais três amigos criaram, em 2011, uma empresa voltada para o desenvolvimento de jogos educativos, a FiraSoft. “Na universidade, eu vi que esse era um caminho que me agradava, e, ainda na graduação, desenvolvi um jogo como trabalho de conclusão de curso”, conta.

Igor tem contato com jogos “desde que se entende por gente” e vem acumulando os benefícios da experiência. “As moedas e a pontuação dos jogos foram o princípio de um aprendizado anterior à escola”, exemplifica. Para ele, a visão de que os games são uma atividade sempre solitária é equivocada. Alguns jogos exigem uma cooperação entre os jogadores a fim de atingir determinados objetivos. “Quando criança, nem conseguia jogar sozinho, precisava que alguém me ajudasse. Os jogos colaborativos também estimulam o trabalho em equipe”, diz.

Como empresário, ele tenta quebrar o estigma de que os games educativos são chatos. Pensamos jogos que deem vontade de ser jogados, que não se pareçam com um exercício de obrigação, o aprendizado é subliminar”, explica. Desde 2005, Igor também organiza encontros voltados para os jogos. Essas reuniões, segundo ele, são uma espécie de festa com computadores. “Depois de algum tempo, você se cansa de jogar e, nesse ambiente, surgem conversas falando das partidas que aconteceram e de outros assuntos”, explica.