Novos medicamentos podem ter 100% de eficácia contra hepatites

Consideradas doenças negligenciadas em todo o mundo, as hepatites já atingem 2,3 milhões de brasileiros. Expectativa é de que as drogas em estudo alcancem 100% de eficácia

por Augusto Pio 04/09/2013 08:56

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Arquivo Pessoal
Professora de medicina da UFMG, Rosângela Teixeira alerta para a transmissão do vírus C, que ocorre por meio de contato com o sangue (foto: Arquivo Pessoal)
Milhares de pessoas em todo o mundo têm algum tipo de hepatite e não sabem, por ser uma doença silenciosa e negligenciada. Cerca de 325 milhões de pessoas são portadoras crônicas da hepatite B e 170 milhões da hepatite C, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Estima-se que 2,3 milhões de brasileiros sejam portadores de hepatites dos tipos B e C. Em Minas Gerais, há 245 mil indivíduos infectados com a hepatite C. No geral, 75% deles não têm o diagnóstico e, dos 25% que sobram, em torno de 75% não fazem tratamento.

De acordo com a professora de medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenadora do Ambulatório de Hepatites Virais do Instituto Alfa do Hospital das Clínicas, Rosângela Teixeira, há também uma tendência de aumento de cirrose, atingindo boa parcela dos jovens que abusam do consumo do álcool. A boa notícia é que há diversas classes de drogas em estudo avançado e, num prazo de cinco a sete anos, espera-se que tenham 100% de eficácia na cura. “A hepatite C crônica é, atualmente, considerada a única infecção viral crônica que tem cura. Mas isso ainda não é a nossa realidade. É possível que seja nos próximos cinco anos”, afirma a especialista.

A infecção pelo vírus C se adquire por meio do contato do sangue de uma pessoa que tem a doença com outra pessoa que não tem. Assim, o sangue é o principal meio de transmissão do vírus C. “As hepatites agudas têm sintomas inespecíficos e passageiros. Cerca de 75% das pessoas que adquirem a hepatite C aguda têm a doença evoluída para a hepatite C crônica sem sentirem nada por anos e até décadas”, diz Rosângela. Ela explica que a infecção crônica do fígado leva progressiva e lentamente à inflamação e à fibrose, que é a cicatrização. “Em fases avançadas de cirrose há perversão da arquitetura do fígado, que fica endurecido e passa a trabalhar mal, ou seja, ocorre disfunção hepática. É o que ocorre na cirrose.”

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Durante o simpósio, vamos discutir a experiência do nosso centro de referência no novo tratamento da hepatite C crônica - Eric Bassetti Soares, subcoordenador do Ambulatório de Hepatites Virais do Instituto Alfa de Gastroenterologia do HC/UFMG (foto: Arquivo Pessoal)
Para discutir tratamento, prevenção e novidades em relação à cura da doença, serão realizados, amanhã e depois, no Hotel San Diego, em Belo Horizonte, o 4º Simpósio de Hepatites Virais de MG e o 2º Fórum de Carcinoma Hepatocelular, que reunirá médicos, pesquisadores hapetologistas e infectologistas de várias partes do país. Segundo o médico Eric Bassetti Soares, subcoordenador do Ambulatório de Hepatites Virais do Instituto Alfa de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC/UFMG), “durante o simpósio, vamos discutir a experiência do nosso centro de referência no novo tratamento da hepatite C crônica, além de políticas públicas em saúde, tratamento da hepatite B e do carcinoma hepatocelular, complicações e manejo de pacientes com cirrose hepática e, apesar de o simpósio ser de hepatites virais, não poderíamos deixar de discutir a doença hepática gordurosa não alcoólica e a esteatoepatite não alcoólica, que é a principal causa de doença hepática, suplantando inclusive as causadas pelos vírus B e C.”

Hepatite significa inflamação do fígado, que se caracteriza, laboratorialmente, por elevação das enzimas hepáticas, podendo resultar em disfunção das células do fígado e, clinicamente, por sintomas inespecíficos, como mal-estar, febre baixa, falta de apetite, dor vaga no abdome. Contudo, é um nome genérico, pois as hepatites têm diversas causas, como as viróticas, que afetam predominantemente o fígado, e as consequentes do abuso do álcool, medicamentos e doenças autoimunes, metabólicas e genéticas. “As hepatites podem ser agudas e crônicas. Entre as crônicas, as causadas pelos vírus B e C têm assumido maior importância, pois, juntamente com a hepatite por álcool, constituem hoje, em todo o mundo, as principais causas de transplante hepático e câncer do fígado. Em geral, as crônicas são silenciosas por anos ou décadas e só são descobertas nas fases mais avançadas quando, por exemplo, a cirrose e suas complicações se instalam.”

EM / DA Press
Clique para ampliar e saber mais sobre os diferentes tipos de hepatite (foto: EM / DA Press)
A especialista ressalta que há pelo menos cinco tipos de vírus que causam hepatites por vírus. “As A e E são agudas, autolimitadas e, na maioria dos casos, não causam problemas sérios. As B e C têm potencial de evolução para as crônicas e constituem hoje um sério problema de saúde pública em todo o mundo, devido à sua alta prevalência e por serem silenciosas. A hepatite C é causada pelo vírus C, ou HCV. Trata-se de doença também silenciosa que evolui assim por décadas. Há vários estágios, ou seja, diversos graus de inflamação e de fibrose do fígado, ou cicatriz, causados por, pelo menos, seis subtipos de vírus C, sendo que o subtipo 1 é o mais prevalente em todo o mundo, seguido pelos subtipos 2 e 3. O subtipo 1 é mais frequente e difícil de tratar.”

Medicamentos
O governo federal publicou, no início deste ano, uma atualização do protocolo de tratamento da hepatite C crônica para pacientes infectados pelo genótipo 1, que é o mais comum e responsável por aproximadamente 70% dos casos de hepatite C. “Os novos medicamentos, boceprevir e telaprevir, somente têm ação no vírus do tipo 1. Iniciamos os primeiros tratamentos no fim de 2012, mas apenas no mês passado é que iniciamos a utilização dessas novas drogas no ambulatório, em um número maior de pacientes. Inicialmente, seguindo o protocolo, estamos tratando pacientes com fibrose mais avançada, isto é, em evolução para cirrose ou com cirrose já instalada, tanto os que já haviam feito tratamento anterior, sem sucesso, quanto aqueles que nunca haviam sido tratados. Pacientes com doença mais inicial não foram contemplados nesse protocolo”, explica Bassetti.

“Esses medicamentos são a primeira geração do que denominamos DAAs – sigla em inglês para agentes antivirais diretos –, já que os medicamentos anteriormente disponíveis atuam no sistema de defesa do organismo para combater a infecção. Com uma ação direta contra o vírus foi possível aumentar a chance de curar o paciente, que era de aproximadamente 40%, para 65% a 75%. O tratamento novo é uma adição de um desses novos medicamentos ao tratamento já disponível desde 2001, isto é, durante parte do tratamento usaremos três medicamentos. Os dois novos têm eficácias semelhantes, mas diferentes formas de utilizar. O principal benefício dessas novas opções de tratamento é a maior probabilidade de ficar curado da hepatite C, o que denominamos de end point primário. Mas há outros benefícios que podem ser alcançados com o tratamento, como a melhora na inflamação e na fibrose do fígado, além da melhora da função hepática.”