Liberdade e responsabilidade são realidade de quem saiu da casa dos pais em busca de espaço próprio

Em busca de liberdade, muitos jovens e até adultos deixam a casa dos pais, mas arcam também com a responsabilidade de se virar para pagar as contas e cuidar de tudo

por Carolina Cotta 01/09/2013 11:42

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

RECOMENDAR PARA:

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

CORREÇÃO:

Preencha todos os campos.
istockphoto
(foto: istockphoto)
A conta de luz é dela, a TV por assinatura também. Na verdade, toda a despesa da casa. E daí? Ela também escolhe o dia da faxina, a permanência da bagunça; quem quer e a que horas quer, receber para um jantar. Liberdade e responsabilidade são realidades compartilhadas por quem saiu da casa dos pais em busca de um espaço próprio. E poucos estão interessados em dosá-las: é um fato, é a parte boa e a parte ruim de “pular fora”.

Se por um lado muitos querem permanecer em casa por mais tempo, outros querem, ou precisam, sair das asas dos pais. E precisam estar preparados para que dê certo. A professora universitária Gabriela Moura, de 30 anos, saiu de casa 12 anos atrás, pouco depois de terminar o ensino médio, no interior do estado. Na época, a mãe e o tio acreditavam que ela poderia ter a qualidade da formação profissional prejudicada.

Em 2002, Gabriela chegou a Belo Horizonte. Tinha apenas 18 anos e muita vontade de ter acesso a um ensino de melhor qualidade, que lhe fornecesse oportunidades de desenvolvimento técnico e científico. “No princípio, foi um susto. Era muito jovem e não teria a estrutura familiar por perto, importante para educar e orientar o jovem. Além disso, havia uma preocupação de ordem financeira: eram dois filhos saindo de casa para cursar o ensino superior, o que implicou aumento no custo econômico da família.”

Marcos Michelin/EM/D.A Press
"Não é a idade que nos torna adultos ou maduros" - Gabriela Moura, professora universitária (foto: Marcos Michelin/EM/D.A Press)
Gabriela reconhece o conforto de permanecer em casa. Para os filhos, a comodidade econômica é enorme, já que os custos com moradia são elevados e muitas vezes impedem uma poupança ou a aquisição de outros bens. Já para os pais, mesmo se desejarem mais privacidade, espaço e liberdade com a saída dos filhos, a presença deles em casa traz não apenas conforto emocional, mas também funcional, ajudando os “velhos” nas tarefas que exigem esforço físico, domínio de tecnologia e outras mais.

Enquanto grande parte dos jovens busca sua independência, outros prolongam a permanência na casa dos pais. No recém-lançado livro Geração canguru ninho cheio: filhos adultos morando na casa dos pais (Editora nVersos), Mariana Figueiredo, mestre em psicologia clínica familiar, reflete sobre as relações dos filhos e pais que vivem juntos por mais tempo.

Se o ideal para grande maioria dos jovens era ter seu “canto”, conquistar a sonhada liberdade e se lançar no mundo, na geração seguinte, para surpresa de muitos e talvez a certeza de alguns historiadores e especialistas, surgem nas famílias os cangurus. A autora traça o cenário em que emergem esses filhos ainda agarrados aos pais – por motivos diversos – a partir da compreensão do formato familiar contemporâneo, explicando sua motivação.

Ao contrário da geração dos pais, que experimentou a revolução sexual e o advento dos anticoncepcionais –potencializadores de uma vontade de viver longe da autoridade –, os filhos de hoje preferem ficar mais tempo e sair em melhores condições. “Se nos anos 1960 o conforto não era um motivo para mantê-los em casa, muitos deles se dispondo a sair e a morar em repúblicas, para os filhos cangurus na casa dos pais é possível manter um bom padrão social e investir em formação e estilo de vida”, afirma.

Mas essa tendência só é possível porque mudou a essência da relação pais e filhos. Se naquela época as relações eram muito hierárquicas e o pai ocupava um lugar distante, hoje os filhos conseguem conversar com mais liberdade. “Apareceu o diálogo e, se esse filho é visto como um adulto pelos pais, essa convivência estendida torna-se possível”, acredita Mariana, que pesquisou o tema da geração canguru em seu mestrado em psicologia.

Com o apoio dos pais
Um empurrãozinho a mais e os filhos alçam voo em busca de uma vida mais independente e responsável. Segundo psicóloga, não há uma idade definida para que eles saiam de casa

Não se sai de casa de um dia pro outro. A experiência é um marco para muitos jovens que se propuseram a fazê-la. Comunicar a decisão aos pais pode ser difícil para muitos, mas ainda falta toda a parte prática: comprar ou alugar um imóvel, aprender a fazer compras, lavar roupa, organizar minimamente o espaço. E claro, ser o responsável por qualquer imprevisto: o cano que estoura, o gás que acaba, o chuveiro que queima. Não é sempre que dá pra pedir socorro. Não é todo mundo que quer dar o braço a torcer.

Não é fácil assumir tamanha responsabilidade e pode ficar ainda mais difícil sem o apoio dos pais. Alguns choram. Pedem para o filho não ir. Ameaçam nunca visitar a casa nova. Outros ajudam com a mudança. Fazem questão de aparecer para um cafezinho. Compram a cortina que deixou de ser prioridade. Se para alguns pais a saída voluntária dos filhos – sem que seja para assumir um relacionamento, estudar ou trabalhar – é um drama, para outros é necessária.

Beto Magalhães/EM/D.A Press
Hélia Campos passou pela experiência de ver os filhos saírem de casa: "Achava interessante que eles não tivessem um mundinho limitado" (foto: Beto Magalhães/EM/D.A Press)
A professora de ioga Hélia Lúcia Maciel Campos, de 62 anos, viu os dois filhos saírem em momentos e realidades diferentes. Humberto, de 28, saiu aos 22. Ainda na faculdade, teve a oportunidade de trabalhar no Rio de Janeiro e não voltou mais para a casa dos pais. Hoje vive em Buenos Aires. Já Renata, de 35, saiu aos 31. Costuma pedir socorro à mãe em algumas situações, mas Hélia pondera. “Eu me coloquei à disposição na mudança, mas quando ela pede ajuda tento dificultar um pouco. Senão fica fácil demais.”

Humberto e Renata cresceram muito independentes. Os pais sempre incentivaram o estudo de línguas e as viagens pelo mundo. “Gosto dessa vontade dos jovens de ir para a vida. Sempre incentivei e achava interessante que não tivessem um mundinho limitado. Dentro de casa eles tinham todo o conforto, com avó adulando. Sabia que sair seria bom para o amadurecimento deles”, lembra a mãe, que ficou com dois quartos vazios em casa, mas está feliz pelos filhos.

Isso não quer dizer que tenha sofrido com a saída deles. Em um primeiro momento, Hélia pensou que não daria conta, apesar de nunca ter sido contrária. “Foi a melhor coisa pra eles. Meus filhos cresceram muito, amadureceram, deram novo valor às coisas e aprenderam a administrar o dinheiro. Lembro-me do Humberto me ligar para contar como estava achando o pão caro. A Renata disse o mesmo do papel higiênico. Queria que eles aprendessem a viver.”

Para a psicóloga Mariana Figueiredo, pesquisadora das relações entre pais e filhos que vivem juntos, não há uma idade certa para deixar a casa dos pais. O importante é os filhos terem consciência de onde estão em seu processo de autodesenvolvimento. Alguns, por exemplo, podem continuar morando com os pais e ser dependentes, uma extensão deles. “Esses precisam construir uma independência mesmo continuando em casa. Mas se existir condição, por que não sair? Por que não alçar esse voo?”, provoca.

Sair de casa, na opinião da especialista, é um fato positivo. Mas permanecer com os pais não quer dizer que esse filho esteja impedido de consolidar sua transição para a vida adulta. E para muitos pais, essa permanência sequer é algo negativo quando se percebe que, profissionalmente, ele está bem-sucedido. “Esse filho que deu certo na vida, mesmo que ainda não tenha saído de casa, é como um troféu para os pais. Eles vêm essa permanência como um modo de o filho sair em melhores condições.”

A relação do pai com o filho adulto que permanece em casa, entretanto, precisa ser diferente. Os pais precisam ressignificar, dar um novo significado para o seu papel de pai diante de um filho já adulto. “Muitos pais não são esse salto. Eles cristalizam em um papel que tinham com os filhos adolescentes e jovens. Ser pai de um adulto requer funções específicas. O pai de um jovem é conselheiro, diretivo, ainda diz muito do que se deve fazer. O pai de um adulto deve ser fonte de apoio, mas quando o filho precisar.”

Fato é que sair ou ficar não mede o amadurecimento. “Não é a idade que nos torna adultos ou maduros. É a vida que diz que esse momento chegou. Uma hora, ela passa a exigir uma postura adulta, de você tomar suas decisões e arcar com as consequências, de ser responsável por si mesmo. Sair da casa dos pais aumenta a probabilidade para que essa mudança de estágio de vida se instale de modo imperativo, ainda que não queiramos deixar de ser jovens e um pouco inconsequentes”, diz Gabriela Moura, de 30, que saiu de casa aos 18.

PERSONAGEM DA NOTÍCIA
José Carlos de Paula - artista plástico, 63 anos

Independência é desafio

Arquivo Pessoal
(foto: Arquivo Pessoal)
Quando a filha lhe disse que queria morar sozinha, José Carlos teve medo de que a cantora Mariana Nunes, de 29 anos, não conseguisse se manter. Ela morava com ele desde quando se separou. Passou dos 20 aos 28 anos ao seu lado, mas agora queria ter sua casa. “Dar conta de me sustentar, de ser independente, era um desafio. Quando apareceu a possibilidade de ele se mudar para o interior de São Paulo, resolvi me adiantar para que quando ele fosse eu já estivesse com a vida encaminhada”, lembra Mariana. Veio tudo junto. João Carlos viu a filha sair de casa no mesmo momento em que voltava para a casa dos pais. “Senti um vazio. Mas também alegria em vê-la bater asas. Ela foi ganhar uma responsabilidade que considero fundamental para o crescimento. Isso dá autonomia: é preciso encarar as despesas todo mês”, diz João. Para ele, apoiar a decisão da filha é fundamental. “Precisamos entender esse momento. Se eles continuam com a gente, criam uma dependência nociva. Foi bom para nós dois.”