Índices de garotos e garotas que agridem parceiros são parecidos

Segundo estudos americanos, são parecidos os índices de garotos e garotas que assumem ter cometido agressão física ou sexual contra os parceiros. Especialistas dizem que o problema se repete em outros países e temem a eclosão de uma epidemia

por Bruna Sensêve 05/08/2013 15:00

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

RECOMENDAR PARA:

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

CORREÇÃO:

Preencha todos os campos.
Arte: CB/DA.Press
Segundo estudo norte-americano, 43% das adolescentes reconhecem ter cometido algum ato de violência física em encontros amorosos, frente a 28% dos garotos (foto: Arte: CB/DA.Press)
As meninas cometem alguma forma de violência contra os namorados quase tão frequentemente quanto os meninos. No caso de abusos físicos, até se destacam negativamente. Segundo estudo da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, 43% das adolescentes reconhecem ter cometido algum ato de violência física em encontros amorosos, frente a 28% dos garotos. Quando a questão é a violência sexual, a diferença entre os sexos torna-se pouco expressiva. Vinte e três por cento dos entrevistados assumiram a autoria de pelo menos uma ação nesse sentido, contra 18% das participantes. Os resultados surpreendem especialmente pelo alto índice de violência entre casais jovens americanos. E, de acordo com especialistas, representam uma realidade não muito diferente da brasileira.

O estudo, apresentado durante a 121ª Convenção Anual da Associação Americana de Psicologia, que termina hoje, analisou comportamentos como xingar, espalhar boatos, agredir fisicamente e sexualmente praticados por 625 estudantes de ensino fundamental e médio acompanhados durante quatro anos. Por “namoro”, os pesquisadores entenderam passar um tempo com alguém com quem o adolescente esteja saindo, como passear no shopping e ir a uma festa. Não se trata, portanto, de um parceiro formal.

De acordo com os pesquisadores, um percentual alto de adolescentes assumiu ter feito algo para deixar o parceiro com raiva (31%) ou usado um tom hostil (26%), sendo que 68% dos que assumiram pelo menos um ato de violência verbal eram mulheres, e 52% homens. O dado mais alarmante, no entanto, trata da violência física. Dez por cento dos entrevistados disseram ter batido ou dado um tapa no parceiro e 11% morderam o companheiro, sendo 43% dos agressores do sexo feminino e 28% do masculino. Forçar um beijo também foi relatado por 6% deles, sendo 23% dos meninos e 18% da meninas.

Segundo Rachel de Faria Brino, professora do Laboratório de Análise e Prevenção da Violência (Laprev) do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos (SP), o resultado geral é alarmante, mas não chega a surpreender. “Pesquisas internacionais e nacionais já vêm apontando há tempos o escalonamento da violência no círculo familiar e entre pessoas conhecidas, o que chamamos de violência intrafamiliar”. Ela lembra que a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece esse tipo de agressão como um dos problemas de saúde pública mais expressivos dos últimos anos e que vem atingindo índices de epidemia.

A professora de psicologia educacional Dorothy Espelage, responsável pelo estudo americano, vê uma relação do problema com o ambiente escolar, que tem se tornado cada vez mais hostil. “Meninos e meninas que se envolveram em altas taxas de bullying com outros alunos no início do estudo tiveram uma probabilidade sete vezes maior de relatar serem fisicamente violentos nas relações de namoro quatro anos depois”, disse. “Esses resultados indicam que a prevenção ao bullying precisa começar cedo a fim de prevenir a transmissão de violência nas relações de namoro.”

Para Brino, a experiência de violência em casa, quando criança, tem estreita relação com prática de bullying — cometido tanto pela vítima, quanto pelo autor ou pela testemunha da agressão futura. “Todo esse modelo de agressividades — aprender que a violência pode ser uma forma de se relacionar, resolver conflitos, enfim, uma prática comum nas relações familiares e amorosas — pode levar os jovens a se envolverem em relações violentas.” Assim como demonstrado por Espelage, Brino cita uma cadeia de agressividade que é transmitido do meio familiar ao escolar e, consequentemente, aos relacionamentos com outras pessoas.

Rotineira
Outra pesquisa liderada por Michele Ybarra, do Centro de Pesquisa em Saúde Pública Inovadora, com sede em San Clemente, na Califórnia, reforça o resultado encontrado pela equipe de Espelage. Dos jovens entrevistados com idade entre 14 e 20 anos, um em cada três disse ter sido vítima de violência no namoro e praticamente o mesmo percentual reconheceu que cometeu algum tipo de agressão durante um encontro. “Essas taxas de violência entre os adolescente são alarmantes e sugerem que a violência no namoro é simplesmente muito comum entre os nossos jovens”, alertou Ybarra. Os pesquisadores analisaram informações coletadas em 2011 e 2012 de 1.058 jovens que participaram de uma pesquisa on-line.

No estudo de Ybarra, os resultados são semelhantes aos de Espelage. Meninas tiveram quase a mesma probabilidade de serem autoras e vítimas de violência: 41% relataram vitimização e 35% relataram perpetração em algum momento da vida. Entre os meninos, as taxas foram de 37% e 29%, respectivamente. A experiência de violência psicológica no namoro era mais ou menos igual para meninos e meninas.

“A sobreposição significativa de vitimização, perpetração e os diferentes tipos de violência no namoro adolescente torna importante a concepção de programas de prevenção para não assumir que as vítimas e os agressores são diferentes”, defende Ybarra. Ela conta que é preciso pensar sobre a dinâmica de relações que podem resultar em alguém capaz tanto de perpetrar quanto de se tornar vítima de um parceiro, bem como avaliar de que forma os abusos em um namoro podem ser repetidos em relações futuras.

“Todo esse modelo de agressividades — aprender que a violência pode ser uma forma de se relacionar, resolver conflitos, enfim, uma prática comum nas relações familiares e amorosas — pode levar os jovens a se envolverem em relações violentas”
Rachel de Faria Brino, psicóloga

Família latina evita abusos psicológicos
Aspectos culturais e não só de gênero também parecem influenciar no comportamento agressivo em relacionamentos. Carlos Cuevas, da Universidade Northeastern, e Chiara Sabina, da Penn State Harrisburg, ambas nos Estados Unidos, descreveram durante a 121ª Convenção Anual da Associação Americana de Psicologia como a cultura interfere na violência praticada em namoros de adolescentes. Fatores como apoio da família aparentemente diminuem as chances de jovens latinos se envolverem com delinquência, agressões físicas, danos à propriedade e uso de substâncias ilícitas, de acordo com os autores, que analisaram dados de uma amostra composta por 1.525 jovens latinos com idade de 12 a 18 anos.

Segundo Cuevas, meninos latinos e com o apoio da família são menos propensos a serem psicologicamente violentos com as namoradas, enquanto que aqueles com um perfil mais americanizado são menos propensos a ser sexualmente violentos. Para a professora Rachel de Faria Brino, do Laboratório de Análise e Prevenção da Violência (Laprev), do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos (SP), embora existam poucos dados nacionais a respeito de violência no namoro juvenil, os cenários representados em avaliações internacionais condizem com o de estudos nacionais. Entre eles, o envolvimento em violência por meninos e meninas, sendo a prática mais comum entre os meninos, a violência física; e, entre as meninas, a psicológica.

“Pesquisas como essa são de extrema importância para subsidiar programas de intervenção. É necessário conhecer o envolvimento de crianças e jovens em relações violentas para que se possa traçar formas mais eficazes de intervenção.” A psicóloga defende a realização de intervenções precoces em crianças para tornar as relações futuras livres de violência. Como exemplo, Brino cita programas que envolvam alunos e alunas de séries iniciais e promovam a cultura de paz, o respeito ao outro e a igualdade entre os gêneros. (BS)