Autor do 'Rap das armas' fala sobre poder do funk: ''sai na frente por ser de massa''

''Se as orquestras sinfônicas tivessem ido para as comunidades, teríamos um monte de maestros. Mas não foi isso que aconteceu. Quem assumiu esse papel foi o funk. Por isso, o Brasil está cheio de DJs''

por Márcia Maria Cruz 28/08/2015 00:13

 

“Parapapapapapapapá/paparapaparapapará clack bumm”. O refrão que remete aos sons das armas é de um dos funks mais tocados em todos os tempos. A composição original, de 1995, é dos MCs Júnior e Leonardo.

 

Bombou também com a versão “proibidona” feita pela dupla Cidinho e Doca. E se consagrou quando incluída na trilha sonora do filme 'Tropa de elite', de José Padilha, em 2007. Pai de dois filhos, Leonardo Pereira Mota, de 40 anos, o MC Leandro, falou ao Pensar sobre a cultura do funk.

Quando você compôs o 'Rap das armas' imaginou que se tornaria um dos mais emblemáticos funks?
A gente entrou no funk por brincadeira. Queríamos ser conhecidos na nossa rua e no nosso bairro. Foi uma letra feita por romantismo e muito amor. Na nossa cabeça, não existia fazer sucesso. O que aconteceu mostra o poder de uma música. O que fiz na adolescência agora sustenta meus filhos adolescentes. Recebo direito autoral do mundo inteiro. Esse é o poder da cultura. A música é cantada por pessoas que eu não fazia ideia dos lugares onde estavam. A música é cantada em 60 países.

O funk carioca nasceu nas favelas, mas se expandiu para todo o Brasil. Como você vê a trajetória do ritmo das comunidades para o mundo?
O funk toma essa proporção por ser cultura de massa. Sai na frente por ser de massa. Quanto mais tribal for, mais internacional será. Essa é uma frase do Caetano, que tem muito a ver com o funk. Como expressão cultural, não há nada programado. Não dá para saber qual vai ser o próximo hit. É a expressão que sai do meio das pessoas, vira canção e ganha o mundo.
Apafunk/Reprodução
''Não se pode medir a cultura pelo mercado. Para saber se uma cultura cresce, temos que ver se ela ganha ou perde espaço na cidade. A medida da cultura deve ser feita onde ela é fomentada, executada e produzida. Não se pode impor a cultura desta ou daquela forma'', diz o MC Leonardo (foto: Apafunk/Reprodução)
Há o ostentação, o consciente, o proibidão. Como essas diferentes vertentes vão coexistir? Uma vai se sobrepor às outras?
Não existe sobreposição. Há espaço para o ostentação, porque tem um mercado que é popular. O funkeiro escuta, o funkeiro produz e o funkeiro divulga. Mas é importante dizer que mercado é mercado, cultura é cultura. Não se pode medir a cultura pelo mercado. Para saber se uma cultura cresce, temos que ver se ela ganha ou perde espaço na cidade. A medida da cultura deve ser feita onde ela é fomentada, executada e produzida. Estou me referindo aos bailes: o topo da cadeia produtiva. É lá que são descobertos novos artistas, novas expressões, surgem os passinhos. O valor não está onde é divulgado. Não se pode impor a cultura desta ou daquela forma. A expressão popular é a riqueza do funk. No Rio de Janeiro e no Brasil, tem sido acessível ao povo nos últimos 30 anos. Ele coube no bolso. Se as orquestras sinfônicas tivessem ido para as comunidades, teríamos um monte de maestros. Mas não foi isso que aconteceu. Quem assumiu esse papel foi o funk. Por isso, o Brasil está cheio de DJs. Nesse tempo, o governo não deu nada para essa cultura. Só proibiu, reprimiu e “guetizou”. Daí vemos mais violência nas letras, mais palavrões. Quanto mais segrega, mais separa, mais proíbe, pior fica.

E daqui para frente?
Há 23 anos vivo do funk. Sustento minha família com isso. É o lugar a que pertenço e que ajudei a fazer crescer. Quando eu era criança, ninguém ouvia funk. O funk vai acontecer. Agora, as crianças já ouvem desde pequenas, já dançam. São elas que vão transformar. Espero que o ministro da Cultura, Juca Ferreira, reconheça o funk como movimento cultural brasileiro, que sejam implementadas políticas culturais que não o excluam. Que os mestrados, as teses sejam sobre a cultura funk. Isso que é quebrar preconceito. As secretarias de Turismo, Cultura e Educação têm que entender que o funk é cultura. As secretarias de Segurança, que o funk não é crime.

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