Skank volta ao passado no show Os três primeiros, neste sábado em BH

Repertório valoriza canções ofuscadas por hits que conquistaram o país nos anos 1990. Legado é motivo de orgulho, afirma Samuel Rosa

por Pedro Galvão 21/04/2018 08:00

Weber Pádua/divulgação
Weber Pádua/divulgação (foto: Weber Pádua/divulgação)
“Hoje eu tô jogando tudo fora/ Tudo que não presta mais/ Todo o lixo que juntei”. Esse verso da música Gentil loucura abre o primeiro disco do Skank, lançado em 1992, com o nome da banda. Ao contrário do que sugere a letra, o quarteto belo-horizontino não se desfez daquilo que produziu nesses 26 anos. Até porque não há nada de descartável nos trabalhos mais antigos do grupo. Essa e outras canções, como In(dig)Nação, Sem terra, Eu disse a ela, Amolação, Esmola e A cerca, não fizeram o sucesso estrondoso de Garota nacional, Tão seu e É uma partida de futebol, mas marcaram época e ajudaram a promover os mineiros ao patamar internacional ainda nos anos 1990. Por isso, Samuel Rosa, Henrique Portugal, Lelo Zaneti e Haroldo Ferretti apresentam neste sábado (21), em BH, o show Os três primeiros, com repertório baseado nos discos Skank (1992), Calango (1994) e O samba poconé (1996).

A inspiração veio da comemoração dos 20 anos desse último, em 2016, celebrados com lançamento de um box triplo especial e turnê. A viagem ao passado acabou se ampliando. “Talvez pelo fato de Garota nacional ter sido a árvore muito frondosa que fez sombra nas outras músicas, as demais não tiveram vez. (É uma) Partida de futebol tocou muito e Tão seu também, mas queríamos registrar aquelas outras canções ao vivo. Pensamos em algo mais temático. Em vez de simplesmente tocar O samba poconé com oito ou nove músicas, pensamos em um show que cobrisse essa parte do nascimento da história do Skank, uma conexão mais fácil de entender”, explica Samuel Rosa.

A influência do dancehall, dub, ritmos jamaicanos e de sonoridades latinas é o ponto em comum nos primeiros títulos da discografia do Skank. A mistura deu certo, levando os mineiros a turnês na Europa e colocando algumas de suas músicas entre as mais ouvidas do país. A unidade permitiu um repertório coeso para esse resgate.

“Foi um período muito marcante, ficamos conhecidos fora do Brasil, ultrapassamos o desafio de ter popularidade sem uma história passada ou um repertório grande. No Siderado, que vem depois do Samba poconé, entramos em outro tipo de busca, com outras vertentes, mais canção, mais violão, o que seria o mote dos outros posteriores também”, argumenta o vocalista.

A influência do reggae e adjacências não foi deixada de lado. Ela aparece em algumas faixas de Velocia, último álbum de inéditas do grupo, lançado em 2014. A consistência mostrada nos 13 discos, considerando os de estúdio e aqueles ao vivo, é motivo de orgulho. O Skank não vê problema em revisitar o passado.

“A crítica que condena quem faz música efêmera, de um verão só, é a mesma que reprova quando você volta ao passado. O Skank tem a sorte de ter um patrimônio, isso deve ser exaltado, não é toda banda que desperta interesse por tanto tempo. Todo artista tem que olhar para seu legado. O Paul McCartney, que é exímio, se não o maior compositor de todos os tempos, vem há 10 anos ao Brasil e 70% do repertório se concentra no momento em que ele estava iluminado. Não há demérito nisso”, defende Samuel.

RESGATE O tecladista Henrique Portugal diz que a banda sempre preservou “a ideia de fazer coisas novas”. “Um disco do Skank não é igual ao outro. Você escuta o Calango e o Cosmotron (2003), e parece não ser a mesma banda. Esse resgate é extremamente interessante. No show, quando começamos a tocar as músicas antigas, escutamos os respiros, relembramos momentos significativos. O público também deve viajar no tempo e se lembrar do primeiro beijo, da primeira festa. É uma das coisas mais legais da música, um registro eterno”, afirma. Para ele, além da nostalgia de quem vivenciou os três primeiros álbuns, “há os que vão ao show por causa de Vou deixar e acabam conhecendo e gostando da primeira fase”.

A conexão com a primeira metade dos anos 1990 vale também para os próprios integrantes. Em cinco a seis anos, eles foram das mesas do Bar e Restaurante Bolão, em Santa Tereza (onde a banda foi idealizada, segundo Samuel Rosa), ao topo das paradas de sucesso, além de festivais em outros países. “Muitas dessas músicas sempre fizeram parte dos shows do Skank, mas as menos tocadas nos lembram do período em que lançamos esses álbuns. Éramos uma banda que tocava em bares em 1991, 1992, e daí a quatro anos a gente tocava em festival na Europa. A mudança foi muito rápida, nós nos tornamos febre em BH antes de estourar fora daqui. Isso é raro”, rememora o cantor e compositor, citando os extintos Drosophyla, Dominos e Maxaluna como endereços frequentes dos primórdios do Skank.


BOLÃO Como o quarteto segue morando na capital mineira, estar próximo do passado, mesmo com o sucesso, não é um desafio tão grande. “Continuo indo ao Bolão e jogando futebol com os amigos, entre outras coisas daquela época. Obviamente, estamos mais velhos, temos filhos. Meu filho nasceu em 1998, depois dos discos. Inclusive, ele vai ao show (de hoje). Então, óbvio que não é tudo igual. Mas, de uma forma geral, todos nós preservamos coisas da época. Por isso imagino que boa parte do público do show de agora viu a gente tocar no Maxaluna. Será o reencontro com o início da nossa carreira e um momento importante para pensar o futuro”, explica Henrique Portugal.

O repertório da noite deste sábado, no KM de Vantagens Hall, prevê 23 músicas e mais seis no bis. DVD gravado no Circo Voador, no Rio de Janeiro, em novembro do ano passado, será lançado em agosto.

SKANK
KM de Vantagens Hall. Av. Nossa Senhora do Carmo, 230, Savassi. Sábado (21), às 22h30. Pista: R$ 120 (4º lote/inteira) e R$ 60 (4º lote/meia-entrada). Informações: goo.gl/s1BDSa.


Skank (1992)

»  Gentil loucura
»  In(dig)Nação
»  Salto no asfalto
»  Macaco prego
» Tanto (I want you). De Bob Dylan, versão de Chico Amaral
»  Homem que sabia demais
»  Let me try again. De Caravelli, M Jourdan, Paul Anka e Sammy Cahn
»  Baixada news
»  Réu & rei
»  Cadê o pênalti? De Jorge Ben Jor

Calango (1994)


»  Amolação
»  Jackie Tequila
»  Esmola
»  O beijo e a reza
»  A cerca
»  É proibido fumar. De Roberto
e Erasmo Carlos
»  Te ver
»  Chega disso!
»  Sam
»  Estivador
»  Pacato cidadão

O samba poconé (1996)

»  É uma partida de futebol
»  Eu disse a ela
»  Zé Trindade
»  Garota nacional
»  Tão seu
»  Sem terra
»  Os exilados
»  Um dia qualquer
»  Los pretos
»  Sul da América
»  Poconé

 

CRÍTICA

 

Por Carlos Marcelo

Passado remoto, passado recente e tempo presente. Eis a matéria-prima do show Os três primeiros, que chega hoje a BH. No último sábado, na estreia da nova turnê do Skank, bastou a introdução de Jackie Tequila para o público se agitar entre as cadeiras e invadir os corredores do Centro de Convenções de Brasília. A reação entusiasmada a músicas – Tanto, Pacato cidadão, Esmola – dos primeiros discos mostrou que os fãs, de adolescentes a cinquentões, estavam ansiosos para voltar no tempo com a banda.

A história do Skank tem três lados: o reggae e seus derivados (ska, dancehall, lover’s rock) são a marca registrada do primeiro disco – desse período, torna-se exemplar a lembrança de O homem que sabia demais e a releitura descompromissada de Let me try again, conhecida com Frank Sinatra. Mesmo nessa fase colorida e ingênua, despontavam canções mais fortes do que alegres, caso de Baixada news, outro resgate oportuno na turnê. A partir de Calango (1994), porém, outra face do Skank se revela e eles passam a inocular no DNA jamaicano, agora com desenvoltura e sem cerimônia, ritmos e referências de diversas partes do Brasil. Um exemplo está no forró pesado Poconé, inventiva faixa que mistura Mato Grosso e Nordeste e ajudou a batizar o terceiro álbum, O samba poconé. O ano é 1996 e nunca o Skank foi tão brasileiro como nesta fase da carreira. A emoção do futebol, o humor gaiato de Zé Trindade, a nostalgia dos circos mambembes, as emboladas disputas de terra. Coincidência ou não, eles conhecem o ápice do sucesso com a indefectível Garota nacional, hit absoluto que acabou fazendo sombra, como reconhece Samuel Rosa, a outras músicas que agora vêm à tona, como Os exilados.

O terceiro lado do grupo, o roqueiro retrô de Cosmotron, é representado no bis, ainda que não necessariamente com faixas do disco de 2003. Um novo arranjo para Acima do sol, Resposta como uma balada do Oasis (ou seja, dos Beatles), o power pop de Vou deixar... A força das guitarras entrelaçadas com violões se impõe e o Skank se encorpa. Encarna uma grande banda de rock. Mas e o que acontece quando os três lados se encontram? A resposta está na cover de Vamos fugir, de Gilberto Gil. Como fizeram com É proibido fumar, eles se apossam da canção e adicionam potência e empolgação ao original.

Perto do fim, com os três lados já misturados, o clima é de festa. A ébria Saideira reúne tios e sobrinhos, brothers e sisters, camaradas e comandantes, chefias e amigões, todos à espera de mais uma rodada. Sem brigas nem textões, as bandeiras se recolhem e se hasteiam. Nos shows do Skank, o brasileiro sua, seduz e sorri. Muda-se para um país ainda indignado, mas, por causa da música e da energia de quatro mineiros, menos amargo. Mais suave.

Vamos fugir pra esse lugar? 

 

 

 

 

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