Fito Páez fala de amor e política no disco 'La ciudad liberada'

O cantor e compositor argentino diz que o avanço do conservadorismo o estimula a enfrentar as contradições do mundo

por Pedro Galvão 03/03/2018 10:45
Sony Music/divulgação
Sony Music/divulgação (foto: Sony Music/divulgação)
Embora reverencie o compatriota Charly García como uma de suas principais influências, Fito Páez está, no mínimo, no mesmo nível dele como símbolo do rock argentino. Aos 54 anos, o artista natural de Rosário tem uma carreira marcada por discos de ouro, Grammy Latino e turnês em vários países. Desde 1984, foram 30 álbuns de estúdio, sendo o último deles do fim de 2017. Em La ciudad liberada, disponível no Brasil apenas nas plataformas digitais, o músico expõe sua diversidade rítmica dentro do rock e traz mensagens fortes contra o conservadorismo e as incongruências do capitalismo.

A capa do disco já dá uma pista sobre o conteúdo. A cabeça de Fito aparece sobre o corpo de uma mulher nua. Nas 18 canções escritas e cantadas por ele, letras falam de relações amorosas – as baladas Tu vida, mi vida e Wo wo wo – e de temas sociais. A faixa-título se inspirou em um centro de assistência à população de rua de Buenos Aires, o Refugio Monteagudo. Embora aborde um drama da capital portenha, a ideia remete às metrópoles contemporâneas, falando de solidão e miséria. Em um dos versos, Fito defende a luta “contra os nazistas e fascistas de merda”.

“Esta é uma época que permite um olhar sobre o mundo complexo, muito mais complexo do que víamos há 20 ou 30 anos. É muito inspirador e estimulante para qualquer autor ou artista”, explica Fito Páez. A contemporaneidade se faz presente mesmo nas canções mais amenas. “O olhar lisérgico e delirante do mundo também se mistura a coisas menores, como as relações familiares e amorosas. Não dá para separar”, explica.

Em Navidad negra (Natal negro, em português), o argentino critica a tradição cristã. “A letra fala de como é impossível pensar num Natal feliz sem que todas as pessoas do mundo estejam felizes”, justifica. Com guitarras pesadas, Fito mostra que a veia mais roqueira ainda pulsa forte, mesmo com tantas influências rítmicas distintas.

Em Islamabad, a musicalidade árabe embala a crítica à França e aos EUA, que pregam a liberdade, mas se contradizem ao oprimir outros povos. “Queria pôr um olho sobre o Oriente Médio, falar das ideias da Revolução Francesa, que são aplicadas na França, mas não na Argélia, por exemplo. Falam uma coisa e fazem outra, assim como os EUA, com lemas como ‘In god we trust’, embora gerando mortes pelo mundo”, argumenta.

TENSÃO Sempre questionador, o argentino não se assusta com as tensões políticas em várias partes do planeta, especialmente na América Latina, com o forte avanço das ideias conservadoras. “Contrariamente ao que pode ocorrer em uma situação de grande conservadorismo, sinto-me totalmente livre, sem nenhuma pressão. Se você se expressar livremente, pode transmitir esse vírus dentro do mundo conservador. Não para agradar a esse mundo, mas para enfrentá-lo”, afirma.

Fito Páez considera natural a alternância entre governos conservadores e progressistas. “É uma onda que flutua. De toda forma, temos que brigar pela nossa liberdade, é um objetivo comum possível”, defende.

Aclamado pela crítica argentina, La ciudad liberada foi apontado pela edição local da revista Rolling Stone como o melhor álbum de Páez nos últimos 20 anos. O músico discorda: “Isso me pareceu arbitrário. Para um artista, discos são como filhos. Todos têm valor.”

Nestes tempos de desuso do formato álbum, em que artistas preferem lançar singles, Fito mantém a incrível média de quase um disco por ano. “Acho que faltam ideias. Falta risco, falta loucura. É preciso fazer o filme, não criar só o roteiro e filmar só uma cena. Na música, isso implica em um grande esforço, que agora está faltando tanto por parte dos artistas quanto do público, que também deve participar colaborando com novas ideias”, defende.

BRASIL Com uma lista de parceiros que inclui Caetano Veloso, Herbert Vianna e Paulinho Moska, o argentino é admirador da música brasileira. No entanto, admite estar em débito com a nova safra de compositores.

Ariola/Sony
(foto: Ariola/Sony)
“A última coisa que me encantou é um pouco velha, foi o grupo Los Hermanos. Eles me pareceram como se Lennon e McCartney tivessem voltado a fazer música juntos. Todos sabem que o Brasil é uma potência musical incomparável. Assim como no futebol, não para nunca, não se esgota”, diz Fito Páez. Este ano, ele pretende fazer turnê no país, mas as datas ainda não foram marcadas.

FITO PÁEZ – LA CIUDAD LIBERADA
• Ariola Records/ Sony Music
• Disponível nas plataformas digitais

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