Parece modelo, mas não é. A moda cai na real e foca na beleza das mulheres comuns

Para que as brasileiras se sintam realmente representadas pelas campanhas de moda, grifes começam a produzir ensaios fotográficos com mulheres reais, exaltando as diferenças

por Celina Aquino 01/03/2017 20:55

Leca Novo/Divulgação
Kalandra (foto: Leca Novo/Divulgação)
Em vez de modelos, mulheres comuns. A imagem padronizada dá lugar a uma diversidade de tipos físicos, idades, classes sociais, etnias e profissões. Num momento em que se discute se existe mesmo um único padrão de beleza, marcas de roupas e sapatos investem em campanhas com mulheres que não fazem parte do mundo da moda. Além de propor um novo olhar para a beleza feminina, as etiquetas querem se aproximar de suas consumidoras, mostrando imagens bem mais próximas da realidade.


Que mulher hoje representa todas as outras? A partir desse questionamento, a equipe da marca de lingerie Darling percebeu que era a hora de quebrar barreiras. “Não existe mais uma beleza-padrão, ou uma única mulher que represente o nosso tempo. Ser bonita é cada vez mais um somatório de beleza, com inteligência, como bem-estar físico e emocional, com consciência do seu papel no mundo”, analisa a estilista Margaret Lewinski. Pensando em valorizar toda a diversidade que existe no universo feminino, a empresa convidou quatro mulheres da vida real para protagonizar uma nova campanha.


As “modelos” posaram para as lentes de uma fotógrafa especializada em retrato de mulheres. Em comum, a autoestima lá em cima e a aceitação do próprio corpo. Margaret conta que foram elas que escolheram com quais peças queriam aparecer nas imagens. “A nossa ideia era mostrar mulheres reais vestindo lingeries Darling, e não foi difícil, porque, em todas as coleções, procuramos abranger vários biótipos femininos. Trabalhamos com várias modelagens dentro de uma mesma proposta”, destaca.


Surpresa com a repercussão da campanha, a estilista adianta que planeja outros ensaios com perfis diferentes de mulheres, independentemente da data de lançamento das coleções (os catálogos continuarão a ser fotografados da maneira tradicional). A proposta é explorar a discussão de representatividade e autoestima em ângulos variados. “Queremos mostrar que uma marca com sete décadas de trabalho só neste segmento e expertise absoluta em termos de corpo feminino tem modelos pensados para vários biótipos. Essa proximidade com a consumidora é muito importante”, informa. Indo além, a Darling espera que a campanha contribua para provar que, em tempos de diversidade, a beleza é mesmo relativa.

 

Leca Novo/Divulgação
Kalandra (foto: Leca Novo/Divulgação)

O primeiro ensaio com mulheres comuns da Kalandra surgiu a partir de um pedido para desenhar os vestidos das madrinhas do casamento de um casal de fotógrafos. As fotos estão na abertura do catálogo do inverno 2017. “Era a oportunidade de mostrar que a marca não veste apenas a beleza que está na capa de revista, extremamente alta e magra. As clientes que usam as nossas roupas, seja em casamento, formatura ou outro momento especial, são mulheres reais, cada uma com sua particularidade”, destaca a diretora Ana Flávia Castro. Os perfis das 12 “modelos” eram bem variados: uma grávida, uma havia acabado de ter neném, uma mais velha, uma de cabelo curto.

 

Barbara Dutra/Divulgação
No casamento de Leca Novo com Juliano Arantes, todas as madrinhas vestiram preto (foto: Barbara Dutra/Divulgação)

Os vestidos das madrinhas formam uma coleção-cápsula da próxima estação e estiveram disponíveis para pedido de lojistas no último Minas Trend. Por exigência da noiva, todos são pretos. “Organizamos reuniões da equipe de estilo com as mulheres para que as roupas representassem o estilo delas, mas que não fugisse do DNA da marca. Cada uma trouxe uma ideia e desenhamos vestidos exclusivos”, detalha Ana Flávia. As estilistas trabalharam com muita renda, musseline, crepe, cetim e tule (nele, elas desenvolvem uma técnica manual de bordados com linhas de seda, que são marca registrada da Kalandra). As roupas das mães dos noivos também entraram na coleção.


Existem planos de emendar outro editorial já no próximo mês, dentro da coleção de inverno, para continuar o foco em mulheres reais. Desta vez, a ideia é escolher uma mulher comum que represente as clientes da Kalandra, que não são magras, que não são plus size, para passar o recado. “A moda é linda na passarela, mas a mulher real tem condição de ficar tão linda quanto, seja qual for o seu padrão de beleza. Você não precisa ser magérrima, não precisa ser alta. Com isso, vamos abrindo portas para acabar com esse preconceito. Queremos mostrar que você pode ser feliz do jeito que você é”, discorre Ana Flávia.

INSPIRAÇÃO

Bárbara Magri/Divulgação
Márcia Morais (foto: Bárbara Magri/Divulgação)

 

Não é de hoje que a Márcia Morais se preocupa com a questão da representatividade. Especializada em moda plus size, a marca sempre investe em campanhas com modelos que realmente vestem as roupas apresentadas. Para a próxima temporada, ela vai além com um ensaio fotográfico que destaca a diversidade das mulheres, não apenas em relação ao tamanho. “Queremos inspirar as mulheres, mostrando alguém próximo delas usando a mesma roupa. É para onde a moda caminha, deixa de mostrar uma imagem maravilhosa, que nunca vai ser alcançada, para mostrar que é possível reproduzir aquilo dentro do seu universo”, explica a coordenadora de marketing Alice Corrêa.


Outro objetivo da campanha é mostrar que as roupas transitam em várias tribos, depende de quem as veste. Por isso, reuniu um time de “modelos” bem diferentes, entre elas uma professora tatuada que assume seu cabelo branco e se veste de forma moderna; uma dona de bar que tem cabelo roxo e representa um estilo rebelde; e uma blogueira militante do movimento negro que aprendeu a valorizar seu cabelo crespo. “Em vez de impor uma imagem bem produzida, que beira a perfeição, queremos refletir o que é a sociedade, com diferentes estilos de vida, padrões de beleza, nada uniforme, rica em diferenças. É mais uma iniciativa no sentido de quebrar padrões de tamanho, étnicos, sociais”, comenta Alice, reforçando que a marca acredita em uma moda cada vez mais democrática e inclusiva.


A marca de calçados Cravo&Canela buscou na indústria criativa profissionais que representassem suas consumidoras para protagonizar o catálogo de inverno. Participaram uma ilustradora, uma tatuadora, uma DJ e uma influenciadora digital, que passam a mensagem de que todo mundo é livre para ser e usar o que quiser. “Este é o caminho, trazer para as campanhas mulheres reais, com suas imperfeições, com sua força, mas também mostrando que tem muito mais além da beleza, é uma mulher completa, um ser pensante e atuante”, opina a gerente de marketing Aniele Lima de Barros.


A campanha faz parte do reposicionamento da marca, que cada vez mais quer trabalhar com imagens reais, que se aproximam da consumidora. Segundo Aniele, a iniciativa está longe de ser modismo, tanto que a empresa pensa em não contratar mais modelos para o lançamento das coleções. A ideia também é propor ações e discussões ao longo do ano para incentivar a força criativa feminina.

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