Como (des)arranhar uma imagem: o caso Marina e Loreto

Após se verem envolvidos em fofocas sobre traição, atores globais sentem o impacto da crise de imagem em suas redes sociais. Especialistas em comunicação comentam o fenômeno

por Ana Clara Brant 03/03/2019 07:00

Joao Cotta/ Mauricio Fidalgo/ TV Globo
(foto: Joao Cotta/ Mauricio Fidalgo/ TV Globo)

O anúncio da separação dos atores Débora Nascimento e José Loreto, ambos no ar em telenovelas da Globo, desencadeou uma cascata de fofocas na internet cujos desdobramentos atingiram as tramas dos folhetins – em que relacionamentos foram ‘esfriados’ – e as carreiras dos envolvidos.

Recapitulando: depois que Débora (atriz de Verão 90) confirmou a separação, começaram a circular rumores de que um envolvimento de Loreto com Marina Ruy Barbosa (ambos estão no elenco de O sétimo guardião) seria a causa do rompimento. Ela negou (em suas redes sociais). Outras atrizes globais deixaram de seguir (as redes sociais de) Marina. O novelista Aguinaldo Silva respaldou a estrela de seu folhetim (em suas redes sociais). E as conversas (nas redes sociais) sobre o suposto affair  – e as reações a ele, como brigas nos bastidores de ambas as novelas – se tornaram infindáveis. Nesse clima, surgiu (na rede social Instagram) um perfil identificado como @joseloretosafado, dedicado a apimentar as fofocas com o que seriam informações de bastidores da Globo.

Junto com essa movimentação, vieram os cálculos de quem ganhou e quem perdeu seguidores no Instagram, o que não é apenas um teste de popularidade, mas também uma medida de valor de mercado. A quantidade de pessoas que uma celebridade “influencia” determina o valor de seus contratos com empresas que pagam para ter suas marcas divulgadas em posts, que os seguidores dessas contas não necessariamente identificam como propaganda.

A doutoranda em comunicação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Fernanda Medeiros desenvolve uma tese sobre a relação entre famosos e usuários comuns no Instagram. Sobre a dinâmica de espaço publicitário que envolve essa rede social, a pesquisadora diz: “O mais interessante e que parece ser o mais rentável até agora são as formas de se publicizar um produto, um serviço ou até uma pessoa dentro do Instagram. É a política da indicação, baseada em valores como visibilidade e status, que gera uma economia fundamentada na atenção e na reputação. A lógica parece ser a mesma da publicidade ‘convencional’, mas esses conteúdos de indicação nem sempre são entendidos como anúncios. Talvez porque, diretamente, eles não tentem vender. As marcas são inseridas nas narrativas, criando coerência com os discursos e vínculos com a audiência”, explica.

Fernanda observa que nem sempre perder seguidores implica perder prestígio e dinheiro. Ela cita o exemplo da youtuber Kéfera Buchmann, que perdeu seguidores, mas ganhou outros em razão da mudança de posicionamento da sua imagem pública. “A Luana Piovani também já perdeu seguidores, fechou o perfil, abriu de novo e continua rica (risos). Prestígio pode ser meio subjetivo, mas acho que o que reduz as possibilidades de monetização do status de celebridade é o desgaste da imagem pública. Esse desgaste pode ter inúmeros motivos e tem relação com o contexto social da época. Atualmente, por exemplo, diversos atores estão sendo desmascarados a partir de denúncias de abuso sexual e moral. Esse é um tipo de desgaste que vai afetar a rentabilidade das pessoas, os contratos”, afirma.

DESGASTE No entanto, segundo a doutoranda, em alguns casos, o status de celebridade fica mais forte, já que a mídia tradicional e o público passam a falar mais sobre determinada pessoa, ainda que mal. “A visibilidade aumenta junto com a fama, mas a imagem fica cada vez mais desgastada. Nenhuma marca quer se atrelar a esse tipo de coisa.”

Cabe então a pergunta: a fama de fato tem um preço? Fernanda Medeiros acredita que sim. Para ela, o fato de a pessoa ser avaliada e julgada o tempo inteiro é um preço alto a se pagar pela fama, especialmente no contexto das redes sociais. “A vigilância é permanente e, mesmo que a figura se considere, ou seja considerada, autêntica e transparente, há traços da vida cotidiana ou da personalidade que não são expostos, mas ficam descortinados em função da fama.”

A comunicóloga Malu de Almeida Afonso, que finaliza uma dissertação na qual compara a performance midiática da ex-modelo Andressa Urach antes e depois de sua conversão religiosa, defende que a contrapartida da fama não é necessariamente um preço a pagar. “Quando colocamos assim, parece que a fama é um fardo a ser carregado, o que não acredito que seja. A fama dá a oportunidade de que indivíduos sejam conhecidos, reconhecidos e admirados no espaço público. São pessoas que são vistas e, num mundo em que tantos sofrem por sua vulnerabilidade, marginalização e invisibilização, acredito que o termo seja injusto.”

Malu observa ainda que a fama é o resultado de uma relação socialmente gestada entre um público (fãs) e um indivíduo que lhe ofereça algo que possa reconhecer e admirar. “Atualmente, penso ainda que a fama nem sempre seja fruto de um sentimento positivo de admiração. Muitas vezes, pessoas adquirem fama não por serem exemplos de boa conduta ou desempenho, mas sim porque podem fazer as vezes de um ‘bobo da corte’. E aí já não há admiração, mas sim humilhação. Nesse sentido, eu diria que há ‘preço’ a se pagar pela fama”, pondera.

Professora do Programa do Pós-Graduação em Comunicação Social da UFMG e coordenadora do Gris (Grupo de Pesquisa em Imagem e Sociabilidade, da UFMG), Paula Simões define celebridades como sujeitos que se constroem a partir do reconhecimento e do culto que despertam em um público e que conquistam um lugar no espaço de visibilidade pública, suscitando tanto a admiração quanto a crítica na sociedade em que se inserem. “Podemos dizer que as redes sociais ampliaram os espaços onde os sujeitos podem buscar esse reconhecimento, a partir do desempenho realizado em diferentes atividades. Há uma ampliação nesse espaço de visibilidade, o que traz tanto possibilidades quanto desafios na construção de uma imagem pública”, aponta.

LIMITES A professora avalia que esse imbróglio envolvendo os globais é exemplo de como os limites entre o público e o privado estão embaçados na contemporaneidade. “Por um lado, as redes sociais podem ajudar a tematizar questões que dizem respeito a uma coletividade e demandam uma ação mais coletiva (problemas públicos como racismo, machismo e a homofobia, por exemplo). E celebridades podem ajudar a tematizar tais problemas a partir de suas experiências privadas tornadas públicas”, diz.

Por outro lado, Paula afirma que as redes digitais também são espaço para a tematização de questões que dizem respeito à esfera íntima e privada das celebridades. “É preciso refletir sobre esses processos de exposição da vida privada de celebridades, que, em casos como esse, não contribuem para a problematização de questões de interesse público e se mostram tão invasivos e desrespeitosos com as pessoas envolvidas.”

Ela aponta também que o fato de Marina Ruy Barbosa ter sido tratada como culpada pela separação de Loreto e Débora em vários discursos midiáticos e nas redes digitais sinaliza o lugar em que a mulher é situada na sociedade. “Ela é a vilã da história, que seduz o homem e acaba levando-o à traição. Ele, assim, é a vítima da sedução”, diz. Mas Paula nota também que “disputas vêm sendo processadas nas redes”. E exemplifica: “Contra esses posicionamentos que condenam Marina, outros sujeitos denunciaram os discursos machistas que emergiram a partir dessa ocorrência, cobrando que as atitudes de Loreto sejam criticadas. Essas disputas simbólicas participam da construção das imagens dessas celebridades. É ao longo do tempo que será possível perceber de que maneira elas foram afetadas por esse acontecimento”.

 

Interesse público X interesse do público 


Um avião cai, uma barragem se rompe ou surge um escândalo com uma figura pública. Nesse momento, entra em cena o profissional que é especialista em gerenciar crises e também dar consultoria de imagem. “Na maioria dos casos, um assessor de imprensa não consegue controlar ou não tem preparo para lidar com isso. É nessas horas que a gente entra. Num caso como esse da Marina Ruy Barbosa, que tomou proporções gigantescas, ainda mais com as redes sociais, em que a exposição é muito maior, seria fundamental um profissional assim”, diz uma especialista em gerenciamento de crise. Em razão da atividade que exerce, a profissional prefere que seu nome não seja revelado neste texto.

Quando a história veio à tona, houve quem suspeitasse de que se tratava de uma ação de marketing para promover O sétimo guardião, que anda derrapando na audiência. Coincidentemente, o primeiro beijo entre os personagens de Marina Ruy Barbosa (Luz) e José Loreto (Júnior) na trama foi exibido na semana em que a fofoca de bastidores se espalhou pelas redes sociais. “Não acredito nisso, porque, querendo ou não, tudo foi perigoso demais para colocar em risco a carreira de todos os envolvidos. E, mesmo com o passar do tempo, acaba ficando uma marca”, opina a especialista.

Ela destaca a participação da própria Globo, que decidiu interferir no episódio na tentativa de conter danos. Teria sido a pedido da Globo que José Loreto tomou a iniciativa de assumir a culpa pela confusão e se desculpar com um texto em suas redes sociais. “Teve dedo da Rede Globo e foi confirmado pela própria emissora. Entrei em contato, e a área de Desenvolvimento e Acompanhamento Artístico interveio. Pediu que ele (Loreto) se manifestasse, justamente para preservar a principal estrela e protagonista, Marina Ruy Barbosa”, escreveu o colunista de TV Léo Dias, que havia dado a notícia da separação do casal Débora Nascimento e Loreto.

A consultora de imagem e gestora de crise diz que, num caso como esse, ela recomendaria, inicialmente, discrição. “A não ser a Marina, que já estava pressentindo o terremoto que viria para cima dela assim que a história vazou e se pronunciou, para os demais acho que o caminho seria aguardar, ficar calado e depois ir reposicionando a imagem com planejamento, se necessário. Para isso é importante o monitoramento que é feito. Existem ferramentas que medem o alcance de cada postagem, a quantidade e a qualificação: se é positivo, negativo ou neutro. Assim podemos saber com precisão se arranhou ou não a imagem e qual caminho seguir.”

INTERESSE
A profissional acha que o caso deve servir como um alerta para os envolvidos. Ela ressalta a importância de se distinguir o que é de interesse público e o que é de interesse do público. “Quando Bill Clinton traiu a esposa (Hillary Clinton) e ainda negou isso, é algo de interesse público e interfere na vida dos cidadãos porque esse fato diz muito do caráter dele, que era o presidente dos Estados Unidos. Interesse público é algo relevante para a vida das pessoas; uma fofoca não é.”

A coordenadora do Gris (Grupo de Pesquisa em Imagem e Sociabilidade, da UFMG), Paula Simões, observa que a imagem pública de uma figura célebre é construída de maneira complexa e articulada, a partir das ações e posicionamentos que ela assume, bem como da relação que estabelece com outros atores sociais, o público e a própria mídia. “Diferentes acontecimentos (como esse envolvendo a atriz e o ator da Globo) fazem agregar sentidos à imagem de uma celebridade, que vão sendo reafirmados e atualizados ao longo do tempo. Por isso, é complicado dizer se uma imagem foi arranhada ou se dá para reverter a partir de um acontecimento tão recente. Uma imagem pública não se constrói nem se transforma de maneira tão rápida. É preciso tempo e uma análise mais cuidadosa para avaliar as mudanças na construção de uma imagem”, afirma.

Já a pesquisadora Malu de Almeida Afonso avalia que a repercussão do caso diz muito mais sobre a sociedade do que sobre a atriz Marina Ruy Barbosa ou as demais celebridades globais envolvidas. “Podemos nos indagar: por que nos interessamos tanto pelo comportamento dessas mulheres? Como cada uma das personagens envolvidas é retratada pela mídia e nas redes sociais? Por que a briga entre mulheres instiga a atenção da mídia e do público? Quais são as regras do jogo que estão por trás disso tudo? São perguntas que apontam para uma mesma direção: nós mesmos. Nós construímos socialmente os critérios por meio dos quais Marina está sendo julgada publicamente e, comparativamente, esses critérios podem ser desafiados em termos de moralidade, igualdade de gênero e justiça.”

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