Relembre as andanças do chef Anthony Bourdain por BH e Minas

Pioneiro apresentador de TV e responsável pela abordagem da culinária como expressão cultural de um povo, Bourdain suicidou-se em hotel na França, aos 61 anos

por Pablo Pires Fernandes 09/06/2018 08:00
Reprodução/CNN
Em BH, desfrutou da comida mineira: mocotó, queijo, dobradinha, fígado com jiló e cachaça (foto: Reprodução/CNN)

Um dos mais famosos chefs de cozinha do mundo, o nova-ioquino Anthony Bourdain, de 61 anos, foi encontrado morto no quarto do hotel em que estava hospedado na cidade de Estrasburgo, na França, onde gravava episódios da nova temporada do programa para a CNN. O Ministério Público francês informou, horas depois, que ele cometeu suicídio por enforcamento. Conhecido por seu programa de viagens culinárias Sem reservas, Bourdain foi importante divulgador da cultura gastronômica de todos os cantos do planeta.

Com vários livros publicados e décadas trabalhando como apresentador de programas de TV, o chef foi pioneiro na abordagem cultural da gastronomia, relacionando-a às tradições locais e à história de cada povo. Em seus programas, gravados nas mais distintas regiões de todos os continentes, sempre demonstrou interesse pela diversidade de sabores, contribuindo para que milhares de fãs ampliassem sua visão sobre comida.

O homem com a voz rouca, de carisma natural e cabelos grisalhos visitava os quatro cantos do mundo em busca de autenticidade, celebrando as mais variadas tradições culinárias. Ele não hesitava em ir a locais inesperados, longe dos destinos turísticos. Bourdain venceu diversos prêmios, incluindo sete Grammy por seus programas. “Fazemos perguntas muito simples: o que te faz feliz? O que você come? O que gosta de cozinhar?”, explicou ele ao receber o prêmio Peabody Award, da televisão e rádio americana, no primeiro ano de seu programa.

Chef de formação, Anthony Bourdain passou décadas nas cozinhas de vários estabelecimentos, incluindo a Brasserie Les Halles, restaurante francês localizado no Sul de Manhattan. Mas foi sua carreira como autor e apresentador de TV que o tornou conhecido do público em geral. Em 2000, ele publicou Cozinha confidencial, livro no qual conta os bastidores da vida na cozinha, com o toque rock’n’roll da vida em Nova York e seus muitos excessos. Ele criou para si a imagem de um combatente, livre-pensador, epicurista e humanista, que o acompanhou até o fim. Há vários meses, estava em um relacionamento com a atriz italiana Asia Argento. Ele tinha uma filha de outro relacionamento.

TLC/Divulgação
Autor de Cozinha confidencial, o nova-iorquino mantinha o programa Fora do mapa desde 2013 (foto: TLC/Divulgação)


Após anos apresentando Sem reservas, Bourdain deu início à série Fora do mapa (Parts unknown), transmitido no Brasil pelo canal pago TLC. Um dos episódios foi gravado em fevereiro de 2016 em Belo Horizonte, onde circulou por cerca de uma semana. “Já me disseram diversas vezes que este é o lugar de onde vêm os melhores chefs. A questão é: Por que não ouvimos isso fora do Brasil? Por que a culinária de Minas não pegou mundialmente?”, questiona logo no início do episódio dedicado a Minas.

Em suas visitas gastronômicas pela capital, andou pelo Mercado Central – “Se Minas é o coração do Brasil, então o Mercado Central é o coração de Minas” – acompanhado pelo chef Leo Paixão, comeu fígado acebolado com jiló na chapa, queijos de Minas, linguiça, frutas, tomou cerveja e cachaça no Bar da Loura e se encontrou com outros colegas de profissão, Ivo Faria e Eduardo Maia.

A comida mineira despertou o interesse do chef, que, como de praxe, experimentou de tudo. Jantou no Glouton e no Birosca S2, provou tropeiro, pé de porco, língua e dobradinha no Bar do Careca, espetinho no Alvarenga Meet & Beer e não se intimidou diante do caldo de mocotó do Nonô. Visitou o Bar do Zé Pretinho, no Aglomerado da Serra, onde ouviu samba e um pouco da história da cidade e das favelas. Eclético, foi até Ouro Preto e visitou o Instituto Inhotim, mas também teve contato com a Praia da Estação e pôde assistir à debochada Gaymada.

Ora-pro-nóbis Em sua busca pela tradição e origem da comida mineira, foi recebido em uma casa com quintal pela atriz e pesquisadora gastronômica Zora Santos. “Foi um almoço de domingo do jeito que é o nosso, de fundo de quintal, de casa de gente preta, com samba e gente animada”, conta a anfitriã. Zora conta o que serviu ao chef: costelinha de porco com gengibre e mel; angu de milho verde, ora-pro-nóbis com manteiga de garrafa e alho, miniabóbora recheada com açúcar mascavo e pudim de coco, assado dentro da abóbora.

A pesquisadora elogia a forma como o programa abordou o tema da tradição culinária do estado. “Foi uma das edições mais respeitosas em relação à comida de preto, eles contextualizaram, explicaram a contribuição do negro na comida mineira. Mostraram esse lado não como uma comida folclórica, mas como uma comida de raiz de Minas, fato que muitos programas acabam pecando. A atriz lembra que Bourdain foi extremamente profissional e delicado e aponta a contribuição do chef para o universo da gastronomia: “Ele conseguiu fazer com que as pessoas entendessem que cozinha é cultura, pois o primeiro contato que temos com outras culturas é pelo paladar”.

Em texto publicado no site da CNN, o chef relata o episódio de um assalto na capital mineira. “Alguém falou ‘arma!’ no momento em estávamos gravando uma cena em um café lotado em Minas Gerais”. Bourdain conta que o diretor do programa, Mo Falon, largou a câmera e se jogou sobre ele, mas que o perigo passou em seguida. Dois ladrões estavam em um carro roubado e testemunhas do assalto tentaram tirá-los do veículo, quando um deles sacou um revólver. “Depois de um momento de tensão, deixaram que os dois fugissem do local”, escreveu. No entanto, experiente que é, soube relativizar o episódio, afirmando que isso não quer dizer que Minas Gerais é um lugar perigoso. “Isso poderia ter ocorrido em Nova York ou em Dubuque (cidade nos estado de Iowa, EUA)”.

Passado o susto, ele voltou ao seu tema central. “Não deixe que esse breve momento o impeça de visitar Minas. É bonita, cheia de alma, com culinária e estilo bem próprios. É diferente de qualquer lugar que já estive no país.” O chef diz que os cozinheiros dos melhores restaurantes do Brasil saem do estado e que levou um tempo para descobrir por que os chefs de São Paulo se gabam ao dizer que seus cozinheiros “vêm de Minas”. “A comida é visceral e confortante e deliciosa. As pessoas são amáveis e a mistura de sangue e cultura inspiradora. Vá.” (Com agências)


Em todo o mundo
Veja a repercussão


“Hoje, o mundo ficou mais chato. Há quase dois anos eu e meus dois subchefs tomávamos cerveja e cachaça, dividindo uma língua de boi na madrugada num boteco do Centro com um cara que influenciou muito minha vida”

Leo Paixão, chef e dono do Glouton

“Bourdain foi muito importante por divulgar não só a gastronomia, como a cultura, especialmente dos países em desenvolvimento”. “Ele mostrava não só a receita, mas o que a população desenvolvia e como trabalhava a comida, o bem-estar, o tipo de vida”
Ivo Faria, chef e dono do Vecchio Sogno

“Tenho que dizer que estou absolutamente chocado ao ouvir que o incrível Anthony Bourdain morreu. Ele realmente quebrou os paradigmas, elevou a culinária e era um escritor brilhante. Ele deixa chefs e fãs pelo mundo com um buraco que não será substituído. Descanse em paz, chef. Meus sentimentos para sua família e amigos próximos”
Jamie Oliver, chef e apresentador de TV, no Instagram

“Hoje, o dia amanheceu cinza e com muita tristeza, minha grande inspiração, meu grande ídolo e cozinheiro Anthony Bourdain se suicidou nessa madrugada... A cada dia vejo que o que mais importa nessa vida é estar sereno, com a familia e com os verdadeiros amigos!!!”

Henrique Fogaça, chef e jurado do Master chef e do The taste, no Instagram

“Chocado e triste com a morte de Anthony Bourdain. Ele trouxe o mundo para dentro de nossas casas e inspirou muitas pessoas a explorar culturas e cidades através da sua comida”
Gordon Ramsay, chef e apresentador de Hell’s kitchen, no Twitter.

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