Alunos e profissionais defendem inclusão de gastronomia na Lei Rouanet

Profissionais se articulam para pressionar o Congresso a aprovar projeto de lei que estende ao setor os benefícios da lei, enquanto ativistas da ala tradicional da culinária se opõem

por Eduardo Tristão Girão 08/07/2015 08:48
JAIR AMARAL/EM/D.A. PRESS
Profissionais e alunos de gastronomia participaram de caminhada em BH, no último domingo, em favor do projeto de lei do deputado Gabriel Guimarães (PT-MG), que tem relatoria de Jean Wyllys (PSOL-RJ) (foto: JAIR AMARAL/EM/D.A. PRESS)
Engavetado no fim da legislatura passada, o projeto de lei que defende a inclusão da gastronomia brasileira entre as áreas beneficiadas pela Lei Rouanet (de incentivo à cultura via renúncia fiscal), proposto pelo deputado Gabriel Guimarães (PT-MG), começou a tramitar novamente na Câmara. Atualmente em análise na Comissão de Cultura por seu relator, o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), o Projeto de Lei 6.562/13 precisa passar por outras duas comissões para, então, ser encaminhado ao Senado e, se aprovado, submetido à sanção presidencial. Até lá, vai sofrendo alterações. Sem consenso.

A última delas foi uma emenda que colocou, em vários trechos do texto, a expressão “cultura alimentar tradicional e popular” como vizinha da palavra gastronomia. A julgar pelo último parecer de Wyllys, essa alteração é reflexo de campanha da Rede de Cultura Alimentar e da Comissão Nacional dos Pontos de Cultura, que enviaram carta à Câmara. Para ambas as entidades, esse “é mais um projeto elitista, excludente e antidemocrático, que reforça o preconceito social e o racismo institucional brasileiro”.

A bronca se fundamenta, entre outros pontos, em duas das principais críticas feitas à Lei Rouanet: a concentração de recursos na região Sudeste e o uso de recursos públicos para fazer o chamado marketing cultural das empresas patrocinadoras de projetos.

Mesmo entre apoiadores do projeto, falta compreensão mais aprofundada do tema. “Cultura alimentar está ligada a costumes, pessoas e ingredientes locais. O prato é uma consequência do meio. Já a gastronomia tem o prato como objeto mais importante, independentemente do que está por trás dele. Concordo com isso. O problema é que algumas coisas poderiam ficar de fora (do alcance da lei), como a gastronomia molecular ou tendências culinárias mais contemporâneas”, afirma Edson Puiati, coordenador do Centro Universitário Una, em Belo Horizonte.

PASSEATA

No domingo passado, ele comandou caminhada na cidade em apoio à aprovação do projeto de lei. Participaram estudantes de gastronomia e profissionais do setor. Antes, ele havia mobilizado seus alunos para aderir ao movimento Eu como cultura, liderado pelo chef paulistano Alex Atala (por meio do Instituto Atá, do qual é presidente), com o objetivo de recolher assinaturas em prol da causa.

“Desenvolvimento e pesquisa devem partir da iniciativa privada. O Estado não consegue gerir e, acima de tudo, não tem como prioridade o investimento nisso”, diz ele. O projeto de lei prevê que a Lei Rouanet contemple eventos, pesquisas, publicações, criação e manutenção de acervos relativos à gastronomia brasileira. Em Minas Gerais, a Lei Estadual de Incentivo à Cultura contempla desde o edital 2013 projetos relacionados à gastronomia.

Para Tainá Marajoara, fundadora do Instituto Iacitatá Amazônia Viva e membro da Rede de Cultura Alimentar, o maior problema relacionado à aprovação do projeto é o não reconhecimento de direitos já conquistados: “Os avanços nas políticas públicas nacionais são muito mais amplos do que um mecanismo captador de recursos. Não apenas a comida, mas todo o sistema simbólico e identitário em torno do alimento foi reconhecido como cultura a partir da luta de movimentos conectados em todo o país”.

Ela se refere à Portaria 22, publicada pelo Ministério da Cultura no ano passado, na qual a cultura alimentar brasileira é citada como segmento cultural apto a receber recursos do Fundo Nacional de Cultura. “Os movimentos foram além e, hoje, estão estabelecidas políticas interministeriais nas quais a cultura alimentar está reconhecida como salvaguarda para a conservação do modo de vida dos povos e comunidades tradicionais, a sociobiodiversidade e a segurança e soberania alimentar e nutricional, das quais é considerada indissociável”, diz.

Na visão dela, outro problema é a confusão entre os termos cultura alimentar e gastronomia, de acordo com o que está proposto no texto do projeto de lei. “Todos os produtos gastronômicos tornam-se, imediatamente, bens culturais, como uma feijoada fast food, por exemplo. Qualquer estabelecimento gastronômico estaria inserido na economia criativa, mesmo se for uma grande rede de ultraprocessados. Seria aberto precedente pelo qual qualquer campanha midiática é capaz de derrubar conquistas amplas de direitos civis”, critica.

Roberto Smeraldi, vice-presidente do Instituto Atá, acredita que os impactos indiretos da aprovação do projeto são a parte mais importante desse debate. “O (impacto) direto seria o de fomentar algum crescimento de projetos na área do patrimônio cultural gastronômico. Já o indireto, promover mudança de postura geral do poder público e políticas que apostem nisso para educação, ciência, tecnologia, turismo, geração de emprego, formação e inclusão social. A gastronomia pode dar enorme contribuição nisso”, diz.

Segundo ele, o Atá apoia a causa não por ter um interesse específico, mas por entender que se trata de uma “questão estratégica para a sociedade”. “Esse é um típico caso de interesse difuso, no qual o beneficiário não é um grupo ou setor, mas a sociedade de forma geral. Afinal, todos comemos todo dia. Como costuma dizer Alex Atala, ‘a comida é a maior rede social do mundo’.”

Deputado propôs texto após ter encontro com produtores

Autor do projeto de lei que estende à gastronomia os benefícios da Lei Rouanet, o deputado Gabriel Guimarães recebeu bem a alteração no texto original, com o acréscimo da expressão cultura alimentar. “Ampliar o rol de beneficiários do projeto já fazia parte da nossa ideia”, afirma. Ele conta que o projeto foi motivado por um encontro com um grupo de produtores culturais mineiros. As reivindicações deles, segundo o deputado, lhe fizeram intuir a dimensão nacional do tema. “Já vi muito evento no interior dependendo só de prefeitura e comerciantes locais. Administrações locais nem sempre têm condição de ser parceiras.”

Eventos de renome também seriam contemplados, afirma ele, mas os objetivos principais seriam dar acesso a eventos e informações sobre gastronomia e estimular quem promove cultura. Para Guimarães, é preciso criar formas de garantir o acesso de eventos de pequeno porte e realizados no interior a esse recurso. “Penso em valores de R$ 5 mil a R$ 10 mil para pequenos eventos regionais, por exemplo, uma forma simplificada para esses casos, já que não dá para fazer um evento grande com esse dinheiro”, diz.

Guimarães está empenhado em pressionar pela aprovação na Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados antes do recesso parlamentar, neste mês. “É uma boa meta, possível de ser alcançada”, diz. Sua expectativa é fazer o projeto chegar ao Senado ainda neste ano. “Conversei com o ministro Juca Ferreira (Cultura) sobre o PróCultura, e penso que deverá estar prevista nele a inclusão da gastronomia. Até a aprovação do novo mecanismo, é melhor focar no que é possível”, acrescenta.

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