Ícone do Natal, o Peru chegou até nós pelos antigos norte-americanos

Confira duas formas de preparar a ave direto dos cardápios da corte brasileira de Dom Pedro II

por Anna Marina 07/12/2014 10:03
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(foto: Divulgação)
Quando o peru morria de véspera era melhor do que o de hoje? Os puristas acreditam que sim, os gastrônomos também: a ave que era apanhada no quintal tinha muito mais sabor do que as que são vendidas em qualquer gôndola de mercearia. Dava muito mais trabalho, levava tempo para ser preparado até chegar a ser temperado, mas o sabor, ah! o sabor... Não há nada que se compare. Além do peru morto e congelado que se compra atualmente, o progresso e o pouco tempo para gastar na cozinha inventaram outra moda: o bicho está temperado, prontinho, basta ser levado ao forno e aguardar os cumprimentos. Sei lá... dificilmente o paladar educado, com papilas que ainda conseguem diferenciar a gastronomia da "fabriconomia", vai aprovar a novidade.

O cinema americano de certa forma contribuiu para a popularização do peru de fim de ano. Só que, lá, a tradição coloca o bichinho no forno no Thanksgiving day, que é o Dia de Ação de Graças das famílias, com mais valor sentimental do que o Natal. Ele chegou à mesa americana sem tanta honra: foi um alimento muito usado pelos índios, que o herdaram de astecas e maias e, depois, mataram a fome dos colonizadores. Só ganhou ares de festa natalina em Plymouth, Massachusetts, já em 1621.

A introdução e fixação do peru como prato principal na Europa e nas Américas, incluindo o Brasil, na comemoração do nascimento de Cristo, transformou o ritual do jantar de Natal em ceia. A abundância, e mesmo a extravagância, caracterizam a essência do momento da ceia, pois esse ritual passou a ser entendido como expressão simbólica do sucesso frente à vida cotidiana ao longo do ano. No Brasil, dependendo das disposições financeiras das famílias, essa ceia, além do peru assado, pode comportar diversos outros pratos, além de frutas, panetone, castanhas, nozes, bolos. No sentido da ceia como festa, o prato principal deve ser o assado, pois, segundo o filósofo Levi-Strauss, de acordo com as nossas convenções, sempre que o menu inclui um prato de carne assada ser-lhe-á conferido um lugar de honra no centro da refeição. Portanto, num momento de demonstração de abundância, e mesmo de desperdício, o assado recebe um status superior em relação ao cozido.

É por isso mesmo que em ceias formais, o chefe da família é convocado para trinchar o peru assado e esse cerimonial é mantido até os dias apressados de hoje.

Nobre prato


Nos cardápios da corte brasileira, que eram colecionados por Dom Pedro II e lindamente reproduzidos no livro Os banquetes do imperador, reproduzidos por Francisco Lellis e André Boccato, os dindons truffés e a la brésilienne são presenças marcantes, em diferentes tipos de reuniões da corte. Na pesquisa que os autores chegaram para montar o livro, eles contam que a qualidade da carne da perua era considerada melhor e mais delicada. Outros preferiam do macho, por ter mais gordura. Eles contam também que o preço da ave, em 1886, girava em torno de oito a dez mil reis, valor muito alto para a´época e poucos podiam comprá-la. O livro tráz o texto de duas maneiras brasileiras de fazer peru. Quem sabe o leitor não se encoraja em tentar uma delas para sua ceia?

Peru recheado à brasileira

Toma-se o peru, depena-se, abre-se, enche-se com um recheio feito dessa maneira: toma-se um pouco de carne de porco. um pouco de presunto, toucinho, os miúdos do peru, depois de aferventados, ovos cozidos duros, salsa e cebola verde, cebola seca e pimenta comarí. Pica-se tudo bem miúdo e amassa-se com um pouco de miolo de pão, amolecido em
vinho, adicionando-se manteiga, farinha e amendoim torrado e um pouco de sal. Enche-se com esse recheio o papo
do peru, lardeia-se-lhe o peito de toucinho, cubra o peru com manteiga, enrole em papel untado de manteiga e assa-se.

Peru recheado e assado no espeto

Picam-se uma libra (1/2 quilo) de presunto cozido, uma libra de vitela (1/2 quilo), meia de toucinho, quatro ovos cozidos, salsa e duas cebolas, sal, pimenta, cravo-da-índia e enche-se com esse picado o vão do peru: por outro lado, amassam
uma mão cheia de miolo de pão amolecido com vinho branco, duas colheres de manteiga de vaca, uma dúzia de amendoins socados, meia quarta (250g) de passas escaldadas em água quente, duas colheres de açúcar, um pouco de sal, noz-moscada e cardamomo. Enche-se o papo do peru com esta massa, lardeia-se-lhe o peito com tiras bem delgadas de toucinho, põe-se o peru no espeto e, envolvido em papel untado, assa-se molhando-o com um cálice de vinho, misturado com manteiga de vaca. Estando assado, serve-se.

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