Famosa nas cidades do interior, a galinha-d'angola aparece também em cardápios sofisticados

Ave custa em média 8 vezes mais que a galinha comum, já que o tempo de engorda leva 120 dias

por Laura Valente 17/11/2013 12:42

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(foto: Divulgação)


Todo o cuidado é pouco no trato com a galinha-d’angola. Segundo criadores, mesmo em cativeiro a ave tem características selvagens, costuma “esconder os ovos” e voar sobre o cuidador. Mas não importa: desde que veio para o Brasil trazida por colonizadores portugueses, a espécie chama a atenção pela beleza das penas, pintadinhas em preto e branco, numa referência à famosíssima padronagem poá.

 

Por coincidência ou não, fato é que a França, capital mundial da moda, foi o primeiro país a explorar o animal de berço africano na alta gastronomia. Também os italianos descobriram os encantos da pintada, cuja carne tem um leve sabor de caça e é mais espessa e escura em comparação à galinha tradicional. Na terra das mamas ela é chamada de faraona e usada como recheio de massas e em outras receitas.

No Brasil, a d’angola ganhou vários apelidos, de acordo com regionalismos próprios – tô fraco, cocá, galinha-do-mato, capote e por aí vai – e é mais encontrada nas cidades do interior, onde vive, tradicionalmente, nos quintais. Em capitais como Belo Horizonte, apenas os restaurantes mais sofisticados trabalham com a matéria-prima já que uma galinha que pesa entre 1,5kg e 1,8 kg custa, em média, R$ 40.

 

Uma justificativa para o preço mais salgado é o tempo de engorda: enquanto uma espécie comum leva cerca de 40 dias do nascimento ao abate, uma cocá precisa de 120 dias, em média, o triplo. Seja como for, paladares iniciados não têm dúvida de que vale a pena esperar, e pagar o custo. Prova vem de fornecedores. Sob encomenda, o produto é encontrado em duas lojas do Mercado Central – Aviários Devair (3274-9418) Aviário Ferreira Muniz (3226-3344) – e tembém em comércio particular, trabalho de Francisco Rivelli (8478-3687 e 9917-4492). “Hoje, a d’angola consumida em restaurantes é criada em cativeiro, o que garante que tenha mais gordura e fique mais macia”, diz ele.

O fornecedor revela que a demanda pelo produto varia, muito em função de festivais, mas atesta que o público gourmet interessado em cozinhar a ave em casa vem aumentando. Ele indica uma receita e lembra que o preparo mais simples ajuda a não mascarar o sabor da carne. “Refogo alho, sal, cebola, e a d’angola em pedaços, para fritar um pouco. Acrescento vinho tinto e vou cozinhando devagar, deixando a galinha suar. O caldo que faz vai soltando aquele aroma”. Para acompanhar, ele diz que vale uma combinação bem rústica: “angu de fubá da roça e feijão novo. Não vale esquecer a cachacinha!”

Do artesanato para a mesa

 

Em Tiradentes, uma das cidades mais turísticas do interior das Geraes, a pintada é mote de um vasto artesanato típico. Também tornou-se a rainha do cardápio do Tragaluz, restaurante fundado e administrado por mãe e filha, a dupla Zenilca (ex-bailarina do grupo Corpo) e Ana de Navarro. “Aqui, a d’angola é uma celebridade, vive não apenas nos quintais, mas também no artesanato: há uma infinidade de produtos em que ela aparece, como panos de prato, toalhas, suvenires, pinturas. No entanto, nenhum restaurante a oferecia no cardápio. A partir dessa observação, criamos a pintada Tragaluz (veja receita na página), que se tranformou no carro-chefe do restaurante”, lembra.

Além do prato famoso em que partes nobres da galinha são servidas com acompanhamento de ravióli , ela também é ingrediente para o risoto e para o tagliatelli com ragu de d’angola, além de figurar como estrela do cardápio. “Fizemos uma brincadeira para homenageá-la. Assim, contamos por meio de textos e ilustrações algumas curiosidades sobre a espécie”, comenta Zenilca.

Cozinheira de mão cheia, ela lembra ainda que a galinha utilizada nas receitas do restaurante vem de criadores sediados em outras cidades e estados, até mesmo em Santa Catarina. Mas por que tão longe, já que a pintada vive solta nos quintais de Tiradentes? “A galinha selvagem tem a carne dura e é considerada um produto de má qualidade no universo gourmet”, explica. Zenilca comenta ainda que também costuma preparar a iguaria em casa, pelo bel-prazer de saborear um prato com toque exótico. “Uma dica é queimar o preparo com um pouco de açúcar mascavo, para colorir mais a carne e dar uma leve adocicada. Daí é acrescentar o vinho para engrossar o caldo e temperar com ervas, legumes e folhas da preferência do comensal. Vai bem com acompanhamento de purê de batata e cenoura, arroz, massa e outros. É um prato exótico, especial, e ao mesmo tempo fácil de combinar”, ensina.


Pintada Tragaluz - (Restaurante Tragaluz)

Ingredientes para quatro porções:


1 galinha-d’angola cortada em pedaços, 50ml de azeite, 100g de cebola roxa picada, 100g de alho-poró picado, tomilho, pimenta jamaica, sal, pimenta- do-reino e noz-moscada em
pó a gosto, 750ml de vinho tinto seco.

Modo de fazer

Refogue a cebola e o alho-poró no azeite. Junte 300ml de vinho tinto e deixe flambar até evaporar o álcool. Acrescente a angola em pedaços, os temperos e deixe cozinhando até a carne assumir a cor do vinho. Nesse estágio a carne já estará cozida. Se achar necessário, acrescente caldo de legumes para que a angola fique toda coberta pelo molho. O molho: Separe o molho dos pedaços de carne. Acrescente o restante do vinho tinto. Deixe ferver até reduzir bem e o molho ficar grosso. Depois, é só voltar com os pedaços da galinha- d’angola. Sirva acompanhada de cenouras baby e cogumelos. Na nossa receita servimos com ravióles recheados de abóbora, mas fique à vontade para eleger outro acompanhamento.

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