A iguaria há vários séculos está presente na alimentação do povo alentejano, por uma grande contribuição das freiras. Por volta do século 15, os conventos recebiam grandes doações de açúcar, e nas épocas de grande abundância, normalmente nos meses quentes, eram colhidas grandes quantidades de deliciosos frutos que eram preservados para o meses de inverno, quando havia a escassez. “Existe um senso comum de que a receita é quase sempre uma calda de água, açúcar e frutas espremidas, mas na verdade depende muito da criatividade de cada doceira. Há até quem coloque um pouco de aguardente e todas juram ter um ingrediente secreto, o que atribui um certo misticismo à receita”, explica Luís Mourão, chef do Convento do Espinheiro.
Ele é um dos chefs mais reconhecidos de Portugal, com mais de 20 anos de experiência e com participações em importantes festivais de gastronomia portuguesa. Comandou cursos e cozinhas em diversos empreendimentos, já tendo ganho a medalha de bronze nas Olimpíadas Culinárias de Erfurt, na Alemanha. Desde dezembro de 2009, é o chef executivo de cozinha no Convento do Espinheiro, a Luxury Collection Hotel & Spa, Évora.
Cozinha fradesca A dois quilômetros da cidade alentejana de Évora, declarada Patrimônio histórico da humanidade pela Unesco em 1986, o luxuoso mosteiro de Nossa Senhora do Espinheiro é um misto de requinte e história em meio a uma paisagem medieval. De todas as memórias do lugar uma a que ninguém fica indiferente é o romance entre Afonso, filho do rei d. João II, e a herdeira da coroa portuguesa, Isabel, primogênita dos reis católicos, em 1490. O casamento revelava um auspicioso combinado político que consumaria a união ibérica sob a autoridade da dinastia portuguesa de Avis. Mas os jovens noivos resolveram antecipar a lua de mel numa câmara do convento sob a complascência angustiada dos frades. Na mesma noite, um dos merlões (parte da estrutura) que coroavam a igreja ruiu.
Para os religiosos, que haviam notado o desrespeito por parte dos príncipes a uma casa de Deus foi como um sinal divino e muitos leram nele um prenúncio de desgraça que se abateria sobre o futuro casal. Como uma força premonitória que obrigasse à remissão de um tamanho pecado, o príncipe acabaria por morrer poucos meses depois, vítima de uma queda acidental de cavalo nos campos de Santarém. Esse fato mudará a história e os protagonistas na regência portuguesa. Fato é que, ao longo dos séculos, o Espinheiro foi saqueado e a igreja espoliada de boa parte dos seus tesouros de arte sacra, mas a memória gustativa da cozinha fradesca permaneceu intocada. A receita de compota do chef Luís Mourão é prova disso.
Compota de abóbora
Ingredientes
1/2kg de mogango (tipo de abóbora); 800g de açúcar; 2 paus de canela; 1 anis estrelado; 200ml de água.
Modo de fazer
Corte o mogango em vários pedaços regulares, reserve. Coloque o açúcar em uma panela com 200ml de água, junte a canela e o anis estrelado, deixe ferver. Junte o mogango, e deixe cozinhar, sempre mexendo, até ficar com a textura de um purê. Se preferir pode triturar, mas a maneira tradicional é deixar cozinhar até chegar ao ponto de purê. Depois guarde em um frasco esterilizado e bem fechado.