Milho quebrado usado para alimentar galinhas nos quintais agora é gourmet

Conhecido como quirera, xerém ou canjiquinha, ingrediente sai dos terreiros para a alta gastronomia

por Sílvia Laporte 29/08/2011 11:29
Pedro Motta/Esp. EM
(foto: Pedro Motta/Esp. EM)
No festim realizado no fim de semana passado na Pousada Villa Paolucci, como parte da programação de jantares do 14º Festival de Cultura e Gastronomia (encerrada ontem), o chef Alex Atala serviu uma receita já clássica do seu repertório, o fettuccine de palmito com pó de pipoca. A descrição do prato induz o comensal ao erro. O macarrão não é macarrão, é pupunha cortada em tiras bem finas. A pipoca também não é aquela tradicional, indispensável durante as sessões de cinema, embora tenha o mesmo sabor do piruá. Para obter o pó fininho, o chef e sua equipe põem uma porção de canjiquinha numa peneira de aço, mergulham-na em óleo bem quente e a deixam pipocar e ficar bem torradinha. O passo seguinte é espalhar os grãos sobre papel absorvente e deixar esfriar. Depois, é usado um processador para transformá-los no pó que, antes de ir para o prato, passa por peneira fina. 

Usada tradicionalmente na composição de rações animais e na fermentação de cerveja, a canjiquinha, conhecida como xerém no Nordeste do país, encontra definição no dicionário Aurélio sob o nome pelo qual é chamada no Sul, quirera: “Milho quebrado que se dá aos pintos e pássaros”. De ingrediente barato consumido por escravos e tropeiros, ela ganhou, primeiro, a mesa familiar, e agora é destaque na alta gastronomia. Faz parte do cardápio de vários bons restaurantes espalhados pelo Brasil e foi servida em outros banquetes do festival. 

 A canjiquinha também entrou no menu dos gêmeos Fernando e Juliano Basile, do Restaurante Le Gourmet Bistrô, em Gonçalves/MG, no sábado. Com caldo de legumes e vinho branco, os irmãos a prepararam como se fosse arroz arbóreo, finalizando o prato com manteiga e queijo canastra (receita nesta página). Os comentários ouvidos depois do jantar apontavam a guarnição, que chegou à mesa acompanhando um carrezinho de leitão de leite, como uma das melhores receitas apresentadas pelos jovens chefs. Na mesma noite, Rodrigo Oliveira, do Restaurante Mocotó (São Paulo), acompanhou um rocambole de galinha com uma polenta de canjiquinha que também foi muito elogiada.

No festim comandado por Ariani Malouf, do Restaurante Mahalo (Cuiabá), na última sexta-feira, foi servido um petisco doce típico da sua região, o piché, feito com quirera de milho branco. O grão é torrado, misturado com açúcar, canela, sal e amendoim torrado, socado no pilão e servido em conezinhos de papel. “A canjiquinha é um ingrediente que pretendo explorar mais”, diz a chef mato-grossense, que costuma servir, como aperitivo, morangos recheados com chantilly de pó de quirera muito apreciados. 
 
Carré de leitão de leite glaçado com geleia de cachaça

Chefs Fernando e Juliano Basile Le Gourmet Bistrô, Gonçalves/MG

Ingredientes para 2 porções

• Carré: 200g de carrê de leitão novo; 200ml de geleia de cachaça; 50ml de cachaça e sal e pimenta a gosto. Risoto de quirera: 100g de quirera; 1l de caldo de legumes; 20g de manteiga; 100g de queijo canastra; 80ml de vinho branco e sal a gosto. 
n REFOGADO: folhas de beterraba orgânica, alho, cebola e bacon 
a gosto.

Modo de fazer

• CARRÉ: temperar a carne e embalar em um saco a vácuo. Cozinhar 
em baixa temperatura por 30 minutos (os Basiles mantêm a temperatura em 62 graus durante todo o cozimento). Levar a geleia com a cachaça, temperada com sal e pimenta, ao fogo médio e deixar reduzir 
em um terço. 
 
• Risoto de quirera: leve a manteiga ao fogo numa panela. Assim que ela derreter, acrescente a quirera e dê uma “caramelada” nos grãos. Tempere com um pouco de sal e acrescente o vinho branco. Quando secar, acrescente o caldo, pouco a pouco, até o ponto de risoto italiano. Finalize com a manteiga e o queijo  canastra. 
 
• Refogado: doure o bacon, o alho e a cebola e refogue rapidamente as folhas, para que elas mantenham a textura.
 
• MONTAGEM: numa frigideira, glace o carré com a geleia de cachaça. Ponha metade do risoto num prato, seguido por metade das folhas refogadas e com o carré 
por cima. 

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