Conheça Eduardo Lima, o mineiro de Hogwarts

Designer de Caxambu comanda estúdio inglês que criou objetos de Harry Potter vistos no cinema. Ele e a sócia, Miraphora, assinam a edição de A pedra filosofal

Mariana Peixoto 08/12/2020 04:00
Rocco/divulgação
Criação do estúdio londrino MinaLima para a edição ilustrada de Harry Potter e a pedra filosofal (foto: Rocco/divulgação)

Eduardo Lima tinha 15 anos quando deixou Caxambu, no Sul de Minas, sua cidade natal. Mudou-se para o Rio de Janeiro, morava com uma tia e lá cursou o ensino médio. Nunca foi como os garotos de sua idade. Não gostava de jogar bola e, desde criança, inventava seus próprios mundos. Sonhava grande: queria fazer cinema fora do Brasil.

É possível traçar alguns paralelos de Eduardo com Harry Potter. Ambos são da mesma geração (o mineiro é seis anos mais velho), nasceram no interior (o bruxinho, na vila de Godric’s Hollow) e viveram com parentes (Harry por causa de uma tragédia familiar, o que não foi o caso de Eduardo). A magia os uniu.

Radicado há 20 anos em Londres, o designer Eduardo, ao lado de sua sócia, a britânica Miraphora Mina, está à frente do MinaLima Studio. Para os não iniciados no universo de Hogwarts, esse é o estúdio responsável por levar os objetos dos livros de J. K. Rowling para o cinema, na celebrada franquia de oito longas-metragens. A saga terminou há nove anos, mas eles continuam trabalhando com a obra da escritora.

PANDEMIA

Atualmente, a dupla está às voltas com as filmagens de Animais fantásticos 3, cuja produção, adiada no primeiro semestre em decorrência da pandemia, foi finalmente retomada. Além disso, o MinaLima está lançando seu primeiro livro da franquia voltada para o bruxinho. Publicada há dois meses, no Reino Unido e nos Estados Unidos, a edição ilustrada de Harry Potter e a pedra filosofal chega agora ao Brasil, pela Rocco.

A edição do MinaLima traz 150 ilustrações inéditas, com cuidados gráficos que vão até as próprias páginas – não são brancas, têm aquela textura típica de livros mais antigos. Há ainda oito elementos interativos, como a carta de Hogwarts de Harry, que poderá ser aberta no livro, e a entrada mágica para o Beco Diagonal.

“Há oito anos trabalhamos em um projeto para a (editora) Harper Collins, nos Estados Unidos, em que reimaginamos clássicos da literatura infantil. Já fizemos Alice no país das maravilhas, Peter Pan, Pinóquio, A pequena sereia, Mogli, A Bela e a Fera e O jardim secreto. Baseado no sucesso desses livros, fomos convidados para fazer Harry Potter no mesmo estilo”, conta Eduardo, que está trabalhando no segundo volume, Harry Potter e a câmara secreta. O lançamento desse volume está previsto para outubro de 2021, no exterior. A ideia é que ele chegue ao Brasil daqui a um ano.

Em 2021, Eduardo, de 46 anos, completa duas décadas de Harry Potter, que chegou em sua vida sem nenhum planejamento.

O mineiro desembarcou em Londres em 1997, ano do lançamento do primeiro livro de J. K. Rowling. Naquele momento, tinha um diploma de comunicação visual pela PUC Rio e dinheiro para passar uma curta temporada na Inglaterra se aprimorando em inglês.

“Sou gay, e no Brasil daquela época as coisas eram difíceis. Chegar a Londres e ver a cultura gay de bares e boates abriu meus olhos”, ele conta.

Aquele foi só o primeiro momento. Ele voltou ao Brasil já decidido a retornar à Inglaterra. Na época, dava no Rio os passos iniciais no cinema nacional, que renascia após o fim da Embrafilme, na década de 1990.

Ainda na universidade, Eduardo conheceu a montadora e editora de som Virgínia Flores, que lhe abriu portas. Ele foi assistente de montagem em Pequeno dicionário amoroso (1995) e criou o pôster do filme. Também participou das equipes de longas relevantes, como O quatrilho (1995, de Fábio Barreto) e O que é isso, companheiro? (1997, de Bruno Barreto).

“Foi muito bacana trabalhar nesses filmes. Consegui juntar dinheiro, pois infelizmente minha família não tinha condições de me mandar para Londres”, ele conta. Em 2000, Eduardo foi convidado para trabalhar no documentário Anésia, um voo no tempo, de Ludmila Ferolla, sobre a primeira mulher piloto do Brasil. Ludmila passou para ele o contato de Miraphora.

BRUXINHO

Agora com cidadania portuguesa (graças ao avô nascido além-mar), Eduardo desembarcou em Londres em abril de 2001. Não demorou a fazer contato com Miraphora, que tinha terminado, havia pouco, de trabalhar no filme Harry Potter e a pedra filosofal. Até então, o mineiro nunca ouvira falar sobre o bruxinho de Hogwarts.

A conexão com a designer foi imediata. “Sabe quando você encontra uma pessoa que parece que já conhece? Nos entrosamos na mesma hora, ela estava começando a trabalhar no segundo filme. Me chamou para um estágio de duas semanas, disse que infelizmente não era pago”, relembra. “Mas eu fui, nem que tivesse que vender a roupa do corpo...”

A partir do terceiro filme, Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban (2004), Eduardo passou a dividir com Miraphora o departamento de design gráfico. “Fomos responsáveis por todos os objetos gráficos com os quais os atores interagiram, como o mapa e o diário do profeta. Também definimos elementos gráficos para cada cenário. Fizemos toda a sinalização, os letreiros do filme. E ainda escolhemos tapeçaria, padronização para o piso, o colar usado para voltar no tempo”, revela.

Paralelamente aos filmes, eles trabalharam em outros produtos gerados pela franquia, incluindo O mundo mágico de Harry Potter, no parque temático da Universal Studios inaugurado em 2010 em Orlando, na Flórida. Quando filmes e parque foram concluídos, a dupla pensou que tiraria férias do mundo da fantasia. Mas logo se viu envolvida na nova franquia adaptada da obra de Rowling, Animais fantásticos e onde habitam (2016).

MinaLima/divulgação
Eduardo Lima e Miraphora Mina em seu estúdio de design, em Londres (foto: MinaLima/divulgação)

MINALIMA

Hoje com 35 funcionários, a MinaLima conta com estúdio e duas lojas, uma em Londres e outra em Tóquio. Eduardo e Miraphora criaram seus próprios produtos baseados em Harry Potter (almofadas, cartões, quebra-cabeças, ímãs). Apesar da pandemia, o estúdio continua ativo. Quatro designers, além dos dois sócios, trabalham no novo livro ilustrado, que será entregue até fevereiro. O marido de Eduardo, o figurinista brasileiro Maurício Carneiro, que desenhou as roupas de Harry e Hermione, também está no time.

“Harry Potter foi o primeiro projeto, aquilo que colocou eu e Mira juntos. É bom ter duas cabeças trabalhando, nunca vamos deixar de nos envolver com o mundo bruxo. Por outro lado, queremos também um pouco do tempo para criar nossas próprias histórias. Nossa ambição é criar uma série de animação, seja para cinema ou televisão”, diz.

Sob esse viés, Eduardo sonha em levar histórias brasileiras para o mundo. Ele passa todos os fins de ano em Caxambu com a mãe – e só não virá agora por causa da pandemia. “Imagina reimaginar o universo de Monteiro Lobato?”, finaliza.


HARRY POTTER E A PEDRA FILOSOFAL
• De J. K. Rowling
• Ilustrações: MinaLima Studio
• Rocco
• 368 páginas
• R$ 199,90

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