Análise: Nelson Pereira dos Santos foi essencial para cinema de Minas

Em 1964, cineasta morto no fim de semana veio a BH apoiar a realização dos hoje clássicos 'O padre e a moça' e 'A hora e a vez de Augusto Matraga'

por Geraldo Veloso 23/04/2018 10:09

Arquivo O Cruzeiro/EM
Joaquim Pedro durante filmagem de 'O padre e a moça' (foto: Arquivo O Cruzeiro/EM)
O cinema era, como sempre foi em minha vida, um índice forte das manifestações de sentimento de orgulho nacional que me formava. E era uma mistura de manifestações que não me traziam distinções entre o cinema que se fazia no país de forma plural. A chanchada era vitoriosa no gosto do público. A Vera Cruz nos dava um orgulho de produzir um padrão de qualidade, um cinema “sério” e muitas manifestações em torno disso.


E aí surge Rio, 40 graus (1955), defendido por nosso crítico maior, Cyro Siqueira. Para Cyro, percebemos muito depois, era um ato de coerência com a estética que ele buscava como um avanço para os rumos do cinema da segunda metade do século 20: o neorrealismo.

Quando ele criou o Centro de Estudos Cinematográficos de Minas Gerais – o CEC – com um bando de intelectuais extremamente competentes, abusados e preparados, em 1951, o cinema italiano do pós-guerra já fazia muito barulho na comunidade do pensamento crítico mundial – principalmente pelos mentores teóricos em publicações como Bianco e Nero, entre outras, como Umberto Barbaro, Guido Aristarco e Cesare Zavattini, e entre outros que assinavam os filmes, como Giuseppe De Sanctis, Roberto Rossellini e aquele que assinou a primeira produção “legitimamente” neorrealista: Luchino Visconti – Ossessione.

Cyro e seus aliados – Jacques do Prado Brandão, Guy de Almeida, Fritz Teixeira de Salles e muitos outros – criam, em 1954, um compêndio de ensaios sobre cinema, a Revista de Cinema. Sua tônica editorial era a atenção para o cinema contemporâneo e, particularmente, para o fenômeno neorrealista.

As buscas por novos rumos para a estética em suas diversas manifestações (literatura, artes plásticas, música, dramaturgia e, por que não?, o cinema) levam o teatro brasileiro à busca de novos caminhos. Surge o Teatro de Arena, em São Paulo, e vários grupos que tentam novas fórmulas para as artes cênicas.

O neorrealismo chega ao cinema brasileiro. E Nelson Pereira dos Santos está comprometido com a nova estética. Defender um dos mais icônicos projetos de realização que se aproximava da escola que invadia o mundo naquele momento foi um ato de coerência criativa. E Nelson Pereira dos Santos começa a sua trajetória de extraordinário instrumentador do cinema que passaria a compor o espaço de produção no país.

Em 1964, Nelson vem a Belo Horizonte e propõe apoio à realização de dois filmes a serem rodados em Minas: O padre e a moça e A hora e vez de Augusto Matraga, de Joaquim Pedro de Andrade e Roberto Santos, respectivamente. E o cinema em Minas ganha novo impulso.

Nelson desenvolveu diálogos através de cada gesto/projeto, com uma percepção de um fenômeno cultural/histórico do Brasil. Da literatura (Machado de Assis, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Guimarães Rosa, Guilherme Figueiredo) aos pensadores da brasilidade (Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre), olhares sobre os fenômenos formadores do Brasil (Como era gostoso o meu francês, Amuleto de Ogum, Brasília 18%) ou musicais (a presença de Zé Keti em seus filmes, o filme com Milionário e Zé Rico e seu mergulho em Tom Jobim), ou no ensaio sobre o “dramalhão” mexicano, Cinema de lágrimas.

Nelson é o protagonista mais generoso, inspirador, indicador de pautas para a reflexão do que é a nossa cultura. Sem Nelson Pereira dos Santos, o cinema brasileiro (e, particularmente, o desenvolvimento do atual cinema que se faz em Minas) seria outra coisa.

Geraldo Veloso é cineasta e produtor cultural

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