Oscar 2018 se mostra como uma premiação antenada, mas não radical

Vencedores demonstram que a Academia está em sintonia com as demandas de inclusão e promove mudanças, mas sem grandes saltos

por Mariana Peixoto 06/03/2018 09:02
Angela Weiss/AFP
O cineasta Guillermo del Toro com a equipe do vencedor chileno 'Uma mulher fantástica' e o também diretor mexicano Alejandro González Iñárritu ('Birdman'). (foto: Angela Weiss/AFP)

Nem tanto ao céu nem tanto à terra. O resultado do 90º Oscar mostrou que Hollywood está realmente buscando mudanças. A lista de premiados provou que a indústria entendeu que a diversidade é essencial para o cinema disposto a dialogar com o mundo de hoje. Porém, outra briga cara à Academia de Artes Cinematográficas – as campanhas Time’s Up e #MeToo, geradas a partir do escândalo sexual envolvendo Harvey Weinstein – ainda tem um longo caminho a percorrer.

Há apenas três edições, a lista de indicados chamou a atenção para a ausência de negros entre atores e de mulheres entre diretores e roteiristas. Em 2015, a hashtag #OscarsSoWhite anunciou a necessidade de mudança – algo que só ganhou força no ano seguinte, mas a nova relação de indicados não demonstrou qualquer intenção de ser diversa.

No Oscar 2018, dois prêmios históricos são um reflexo direto disso. Jordan Peele se tornou o primeiro roteirista negro a receber a estatueta por Corra!. E o prêmio de filme estrangeiro foi para a produção chilena Uma mulher fantástica, de Sebastián Lelio, o primeiro longa vencedor com um transgênero como protagonista – Daniela Vega, uma das apresentadoras da cerimônia no domingo.

Ao premiar Lelio, a Academia deixou de lado questões universais que geralmente norteiam as escolhas ao Oscar de filme estrangeiro – como o ódio religioso, presente na produção libanesa O insulto.

A escolha do grande vencedor da noite, A forma da água, foi também pautada pela diversidade. Com os prêmios de direção e filme, Guillermo del Toro se tornou o terceiro mexicano em quatro anos a vencer nas duas categorias. “Sou um imigrante”, o cineasta de Guadalajara fez questão de lembrar em seu discurso de agradecimento. Ainda que se trate de um conto de fadas (um tanto gauche, é bem verdade), a narrativa mostra a relação entre uma mulher com deficiência e uma criatura anfíbia cujos melhores amigos são uma negra e um gay.

Mas o #MeToo e o Time’s Up, que vêm dominando a pauta do cinema desde outubro, fizeram mais barulho do que conseguiram resultados efetivos. As mulheres, que dominaram as plateias desta temporada de prêmios, levaram apenas seis dos 24 troféus (e a maioria deles divididos).

Além dos prêmios de atriz (Frances McDormand) e atriz coadjuvante (Allison Janney), em que a vencedora necessariamente seria uma mulher, receberam o Oscar a compositora Kristen Anderson-Lopez, pela canção Remember me (de Viva!: A vida é uma festa, coescrita com Robert Lopez); a curta-metragista Rachel Shenton (por The silent child, codirigido com Chris Overton); a maquiadora Lucy Sibbick (por O destino de uma nação, prêmio dividido com Kazuhiro Tsuji e David Malinowski); e a produtora Darla K. Anderson (de Viva!, troféu compartilhado com Lee Unkrich).

Depois de muita torcida, Lady Bird – A hora de voar, de Greta Gerwig (a quinta diretora indicada na história da premiação), saiu de mãos abanando da cerimônia.

Quem acompanha as premiações de cinema certamente sentiu falta de grandes nomes de Hollywood na plateia. À exceção de Steven Spielberg – quase obrigado a comparecer, pois seu The Post: A guerra secreta concorria em duas categorias –, atores e diretores do primeiro time preferiram manter distância. Nem Tom Hanks, que participou do longa de Spielberg (mas não foi indicado) e é queridinho da Academia, deu as caras.

Dois vencedores, por sinal, tiveram comemorações com alguns percalços. Não foram poucas as críticas que os premiados Gary Oldman (a grande barbada deste Oscar) e, principalmente, Kobe Bryant receberam. A internet fez questão de lembrar antigas denúncias contra ambos.

O primeiro, que merecidamente levou o troféu de melhor ator por O destino de uma nação, foi acusado de violência doméstica por sua ex-mulher Donya Fiorentino. Oldman sempre negou as acusações e, inclusive, ficou com a guarda dos filhos depois da separação.

Já o ex-astro do esporte Bryant, ovacionado pela plateia do Dolby Theatre ao vencer com o curta de animação Dear basketball (produziu o filme inspirado na carta que escreveu quando se aposentou das quadras), foi, em 2003, denunciado por estupro por uma jovem de 19 anos – posteriormente, ela desistiu de testemunhar em juízo. O caso foi resolvido há alguns anos, depois de um processo civil que envolveu cifras não reveladas.

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