Erick Jacquin, jurado do MasterChef, fala sobre rotina como consultor e diz que é brasileiro e corintiano

O impiedoso jurado do MasterChef e pioneiro do petit gâteau no Brasil conta como tem sido seu trabalho de consultor em restaurantes de São Paulo, BH, Recife e Manaus

por Eduardo Tristão Girão 15/07/2015 00:13
LEanDRO COURI/EM/D.A PRESS
(foto: LEanDRO COURI/EM/D.A PRESS)
O garçom traz à mesa uma terrine de foie gras: ela está totalmente coberta de flor de sal, incomível. “O cara que fez isso nunca deve ter comido foie gras na vida. Tenho vontade de pegar essa faca e enfiar nele. Garçom, venha aqui. Melhor fazer outra, mas rápido. Não, deixa que eu vou à cozinha”, esbraveja o cozinheiro francês Erick Jacquin. A cena lembra sua atuação como jurado no reality show MasterChef, mas foi em um dos restaurantes em que é consultor, o novo Olga Nur, em BH. É nele que recebe o Estado de Minas para almoçar.

Sai da mesa sem falar nada e reaparece, quase meia hora depois, com a terrine temperada corretamente. Assenta, enxuga a testa com o guardanapo e diz: “Desculpa. Os caras não têm jeito. Por isso não quero mais ter restaurante”. A última casa que teve, a paulistana La Brasserie Erick Jacquin, foi fechada em 2013 e, de lá pra cá, o chef está se reerguendo como consultor gastronômico de casas em São Paulo, aqui, Manaus e Recife. Viaja sem parar para fiscalizar os cardápios, que desenvolve sob encomenda.

Em sua segunda visita à capital mineira, comprovou a popularidade que o programa de TV lhe confere. Tira fotos com fregueses (fazendo o típico biquinho), ouve elogios, abraça fãs e até recebe flores. “Se não fosse o programa, essa mulher não teria vindo me dar um beijo. Viu como o programa mudou a minha vida?”, diz Jacquin. A propósito, ele já está escalado para a próxima temporada do reality e para o MasterChef Junior – as gravações desse último, que terá menos competidores e menor duração, deverão começar em setembro.

Além de tê-lo feito chegar aos 157 mil seguidores no Instagram (quem cuida do seu perfil no Facebook é a mulher), o programa tem ajudado a suavizar sua rotina. “Durmo mais cedo, cuido mais de mim. Acordo às 6h em dia de gravação e o trabalho vai até as 17h”, conta. A parte mais difícil, continua, é fazer as chamadas de merchandising. “Já fiquei seis horas filmando para falar de panela. A Paola (Carosella, outra jurada) já ficou mais de uma hora abrindo e fechando o forno para falar de desengordurante.”

Mesmo assim, embora priorize salada no almoço, ainda não conseguiu regular seus hábitos alimentares. Se está de regime? “Não! Está louco? Como mais à noite, faço tudo errado. Odeio comer de manhã, não tomo nem café. Só como de manhã se minha mulher deixa tudo pronto e, às vezes, almoço às 17h”, conta. Na última vez que abriu a geladeira de casa às 6h, achou um pote de feijoada, que esquentou e comeu. Um garçom passa com vinho num balde cheio de gelo e ele observa: “Ó, tá congelado esse vinho. Bom, mas o pessoal gosta, né?”

Para ele, não existe público fácil em restaurante e as redes sociais tornaram essa relação ainda mais complicada. “Hoje é difícil consertar as coisas e a culpa é do celular. O mercado mudou, todo mundo é jornalista. Pior, todo mundo é crítico. No fundo, é bom ter público exigente, pois isso permite que a gente cresça, faça coisas diferentes. Para isso, é preciso produto bom, equipe boa e cliente que gosta de coisa boa”, resume. Outro garçom se aproxima para saber se tudo corre bem na mesa – com três perguntas. Jacquin acha que ele pergunta demais.

CLIENTE O francês pede uma cerveja com limão (bebida no bico) e conclui que o maior problema do atendimento em restaurantes brasileiros chama-se “cliente”. “A profissão de garçom não é reconhecida como as outras, como se o sujeito a escolhesse por não saber o que fazer da vida. Além disso, há um complexo de inferioridade, como se o garçom estivesse abaixo do cliente, uma coisa colonial. No La Brasserie, proibi de chamar cliente de ‘doutor’. Cliente é ‘senhor’ e ‘senhora’. Isso não é bom para a profissão.”

De fato, o brasileiro não é dos clientes mais fáceis. No Restaurante Belle Époque, onde ele dá consultoria em Manaus, ele usa ingredientes locais como pirarucu e cupuaçu, mas a maioria prefere comer os clássicos franceses. Isso não o irrita: “É normal. Eu morava em Paris e nunca subi na Torre Eiffel”. Jacquin acha contraditório que o público nacional não reclame do vendedor de baguete parisiense (que manuseia dinheiro e pão com a mesma mão) e eleve o nível de exigência nos restaurantes daqui.

Um restaurante como o Olga Nur na França, avalia, teria apenas uns três garçons, além do maître e do barman – a casa de BH tem 12. “Não é pouco, aqui é que tem muito mais. O trabalho é diferente. Lá todo mundo está correndo”, diz. Mesmo assim, não perdeu a esperança no brasileiro. Desde que chegou aqui, 20 anos atrás, observa uma tremenda evolução no comportamento do público. “Hoje as pessoas se interessam pela proposta do chef. Antes, iam ao restaurante para comer o que queriam. O brasileiro quer experimentar, viaja muito”, afirma o chef.

O francês, que não passa das entradas durante o almoço, diz que não existe um grande restaurante francês no Brasil. “Para falar a verdade, não existe um grande restaurante no Brasil. Só ‘tipo grande restaurante’. Não há clientes o suficiente, não há profissionalismo, não há história. Não se faz um grande restaurante em dois anos. É preciso ter gerações. Além disso, há os copos, o chão, a luz, as toalhas de linho. O Fasano, em São Paulo, é o mais próximo que temos de um grande restaurante no Brasil”, analisa.

Jacquin acha que casas paulistanas como o D.O.M. e Maní têm comida com conceito, mas que o restante do aparato não acompanha a proposta. “Falta dinheiro, falta poder. D.O.M. e Fasano cobram o preço da Europa. Jean-Pierre Vigato, restaurante de uma estrela Michelin em Paris, fica num pavilhão de Napoleão III, no meio de Paris, com um jardim enorme na frente. É caro e vale a pena pagar”, exemplifica. Luxo, na opinião dele, tem de ser 100%. “A pior coisa do mundo é o que parece, mas não é”, arremata.

Um dos caminhos que o chef aponta para tentar ganhar dinheiro no ramo, atualmente, é o da bistronomia, tendência que consiste em comida com algum refinamento, mas sem preços altos. Se fosse ter negócio próprio novamente, seria mais ou menos assim: “Não um restaurante, mas uma cozinha onde as pessoas comeriam. Um espaço que seja metade desse salão. Abriria de terça a sexta, pois o custo é muito alto. Vinte lugares, cinco funcionários e sem cardápio, com cozinha baseada no que eu achar no mercado”.

CORINTIANO Aos 50 anos, ele ainda fantasia a volta para a França, mas confessa que seu coração é brasileiro. “Quando estou lá, tenho vontade de voltar para cá. Minha casa é aqui, me naturalizei brasileiro, sou corintiano. Sinto-me feliz lá, mas vou mais como turista. Eu é que peço dicas quando vou, os brasileiros vão mais do que eu. Na última vez, entrei num táxi e o motorista disse que eu falava bem o francês”, diverte-se.

O telefone dele toca: é um dos sócios franceses de uma das casas paulistanas que Jacquin dá consultoria. Ele atende e o chama de “monsieur 20%” (senhor 20%). “É brincadeira. Ele é majoritário, mas chamo ele assim. Fica bravo”, explica. O chef tem senso de humor e não se irrita mais como antes, o que atribui à maturidade, mas isso não significa que tenha deixado de lado a personalidade que o tornou famoso no Brasil.

Vira e mexe interpela garçons com bandejas de petit gâteau (ele se considera o pioneiro da sobremesa no país) para checar se está tudo em ordem. E faz isso literalmente metendo colher, ou seja, quebrando a casca do bolinho quente antes de ser servido, em pleno salão. Reclamações? “Não, por quê? Eu é que fiz. Quebrando, eu provo que está benfeito”, responde. Inclusive, o que foi servido ao final desta reportagem também foi previamente inspecionado pelo chef.

MAIS SOBRE GASTRONOMIA