Hormônio anti-mulleriano (AMH): mitos e verdades

Diferentemente do que muitos acreditam, a dosagem baixa do hormônio anti-mulleriano não define o fim da fertilidade da mulher ou o início da menopausa

23/02/2023 09:52
Gustavo Safe

pikisuperstar/Freepik
(foto: pikisuperstar/Freepik)

A data exata da menopausa é determinada quer pela quantidade inicial de células germinativas, quer pela sua depleção ao longo da vida.

Em outras palavras, quem tem alta reserva e gasta mais óvulos pode ter uma menopausa antecipada em relação a quem tem baixa reserva e gasta pouco óvulos.

A mulher pode se programar e tentar proteger a sua reserva ao longo da vida, por exemplo, com dietas ricas em ômega 3 e anti-oxidante (nozes, castanhas, peixe e legumes frescos) que parecem aumentar a sobrevida deste ovário em até três anos, diferente de um cardápio rico em carboidratos, que acelera a menopausa em até um ano, segundo a equipe da Universidade de Leeds.

O uso de pílulas anticoncepcionais diminui a chance do ovário apresentar problemas (cistos, endometrioses, câncer) que poderiam provocar um dano ovariano secundário.

Para as mulheres que têm o sonho de ser mãe, a melhor defesa é o ataque, tornando a idade um importante aliado neste processo, evitando uma queda acentuada da sua reserva ovariana após os 35 anos, pois a natureza não foi nada gentil com as mulheres que já nascem com toda a reserva ovariana que vão usar durante toda a vida.

O Hormônio Anti-Mülleriano (AMH), também chamado de Substância Inibidora Mülleriana (MIS), é uma glicoproteína que está envolvida em processos de crescimento e diferenciação, apresentando flutuações durante o ciclo menstrual, sugerindo uma função reguladora da foliculogênese.

A dosagem de AMH constitui ainda um instrumento útil para o diagnóstico de várias entidades clínicas, tais como a puberdade precoce (AMH baixo), a puberdade tardia (AMH alto); o pseudo-hermafroditismo masculino, a Síndrome da Persistência do Ducto Mülleriano (PMDS); a suspeita de anorquia ou ectopia testicular.

Em algumas situações, tais como na Síndrome dos Ovários Policísticos (PCOS), no casos de tumores da granulosa ovariana, e ainda nas recidivas de tumores após o tratamento específico, a dosagem de AMH pode estar elevada.

A sua principal utilização é na avaliação da reserva ovariana, uma vez que ele é produzido pelas células da granulosas dos folículos ovarianos primários, que serão recrutados para o desenvolvimento que precede a ovulação, bem como pelos pequenos folículos antrais (com até 7 mm de diâmetro).

A foliculogénese é o conjunto de transformações que o folículo sofre desde o momento em que sai da reserva inerte de células germinais para iniciar o seu crescimento, até à sua involução atrésica ou, muito menos frequentemente, à sua expulsão do ovário na ovulação.

Podem distinguir-se nesse processo as fases da iniciação, do crescimento pré-antral, recrutamento, selecção e dominância corresponde a um estado morfológico particular do folículo.

Esses processos têm início na vida fetal e caracterizam-se morfologicamente pelo aumento do tamanho do ovócito, pelo acréscimo do número de células da granulosa e, consequentemente, o aumento do tamanho do folículo.

Durante a vida reprodutiva há permanentemente folículos a entrar em crescimento (cerca de 15 por dia aos 20 anos e apenas um número muito reduzido aos 40 anos).

Um folículo destinado a evoluir até a ovulação inicia o seu crescimento 85 dias antes de atingir a maturação completa, não sendo ainda completamente conhecido o mecanismo desta iniciação que é independente das gonadotrofinas.

Os níveis desse hormônio AMH estão relacionados à quantidade de óvulos ainda disponíveis na reserva ovariana, não devendo ser o único exame a ser realizado.

Embora seja considerado um dos melhores marcadores da reserva ovariana, ele deve estar associado a dosagem do Hormônio Folículo Estimulante (FSH no terceiro dia do ciclo) e da contagem de folículos antrais por meio da ultrassonografia transvaginal.

Os testes de avaliação da reserva ovariana têm papel relevante para o aconselhamento das mulheres que pretendem engravidar, não devendo ser utilizados de forma isolada para determinar o tratamento que o casal deverá realizar.

O AMH não é um exame obrigatório para quem deseja fazer a fertilização in vitro (FIV) ou outro tratamento para engravidar, embora ele possa ser muito útil, principalmente para mulheres mais velhas, em quem há maiores riscos de a reserva ovariana já estar bastante baixa, ajudando a nortear os protocolos de estimulação.

O AMH é um marcador chave sobre como será a resposta a um tratamento de reprodução humana não sendo confiável em definir o sucesso de nascimento de uma criança.

A dosagem sanguínea pode ser realizada em qualquer época do ciclo, embora possa apresentar uma variação de até 20% em um mesmo ciclo.

A mesma variação acontece com a dosagem do AMH no pós operatório de cirurgias ginecológicas, quando mulheres apresentam uma queda inicial do seu valor com recuperação em alguns casos de 30% a 50% dos valores em até seis meses.

O exame fornece uma predição da resposta dos ovários aos medicamentos hormonais, uma vez que a paciente pode apresentar uma baixa resposta ou uma alta resposta, conhecida como síndrome do hiperestímulo ovariano (SHO).

AMH> 3,5 ng/ml: resposta muito alta

AMH entre 2,5 e 3,5 ng/ml: resposta alta;

AMH entre 1,0 e 2,5 ng/ml: resposta média;

AMH entre 0,16 e 1,0 ng/ml: resposta pobre;

AMH < 0,16 ng/ml: resposta muito pobre.


Resposta alta consideramos 20 ou mais óvulos, resposta média entre 10 e 20 óvulos, pobre abaixo de 10 óvulos e má respondedora baixo de 5 óvulos.

Habitualmente se considera o valor de 1,0mg/mL o limite entre reserva ovariana normal ou baixa reserva, com valores menores que 0,5mg/mL considerados como muita baixa reserva.

Importante considerar que AMH de 1,0mg/ml pode estar adequado ou não em função da idade ser 40 ou 30 anos.

O cabelo é um meio que pode acumular biomarcadores ao longo de várias semanas, enquanto os níveis de hormônio no sangue podem flutuar rapidamente em resposta a estímulos.

O AMH é liberado pelos óvulos enquanto ainda nos ovários e é incorporado aos fios de cabelo enquanto eles ainda estão sob a pele.

A análise do AMH a partir de amostra de cabelo poderá ser capaz de prever com mais exatidão (conforme estudo que comparou a dosagem do cabelo com sangue e com CFA pelo US) como está a reserva ovariana da mulher.

As principais indicações para análise em mulheres são pré tratamento de reprodução humana, histórico familiar de menopausa precoce, avaliação do protocolo e da dosagem de medicamentos no procedimento de reprodução assistida, pré congelamento de óvulos para uso próprio ou para doação e na preservação de fertilidade antes de ser submetida a um tratamento gonadotóxico (como a quimioterapia, por exemplo).

A tendência moderna ao adiamento da maternidade é algo que interfere na capacidade de reprodução da mulher, tanto em ciclos naturais quanto na reprodução assistida.

Apesar do avanço das tecnologias, a medicina ainda não é uma ciência exata.

Por mais precisos que sejam os resultados, números são apenas números e não são capazes de descrever toda a realidade complexa que é o processo da fertilização que envolve, inclusive, fatores psicológicos ainda não totalmente esclarecidos.

Reserva ovariana baixa ou inexistente não necessariamente significa que a mulher não engravida, como pudemos perceber recentemente com a Claudia Raia, que engravidou naturalmente aos 55 anos depois de ter tentado ter o terceiro filho por meio de uma fertilização in vitro.

Os especialistas não são unânimes quanto à capacidade de engravidar de uma mulher com baixa reserva hormonal.

A maior utilidade do exame anti-mulleriano é prover mais um dado para que o médico especialista em reprodução humana possua informações para identificar o melhor tratamento para aquele casal.

Isso aumenta as chances de sucesso da reprodução assistida, pois ele é um aliado, uma ferramenta para ajudar a mulher a alcançar seus objetivos.

Além disso, sempre há a possibilidade de uma gestação usando o óvulo de uma doadora anônima ou não (parente até terceiro grau).

Portanto, não há motivo para desespero caso uma análise clínica desse tipo mostre uma dosagem baixa do hormônio, sendo importante procurar um especialista capaz de ajudar a discernir o que é mito e o que é verdade.

*Gustavo Safe é diretor do grupo formado pelo Centro Avançado em Endometriose e preservação da fertilidade, Ovular fertilidade e menopausa e Instituto Safe. Estudioso dos assuntos relacionados à saúde da mulher com enfoque na ginecologia integral e funcional, no câncer, na dor pélvica, infertilidade, preservação da fertilidade, endometriose, endoscopia ginecológica e cirurgias minimamente invasivas.

Se você tem dúvidas ou quer sugerir tema para a coluna, envie e-mail para gustavo_safe@yahoo.com.