A Síndrome dos Ovários Policísticos (SOP) e suas contradições

A ginecologia mineira é respeitada no Brasil e no mundo. A famosa frase "deixem os ovários em paz", do professor Lucas Viana Machado, incitou todos a um debate

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(foto: LJNovaScotia/Pixabay)

A Síndrome dos Ovários Policísticos (SOP) é uma endocrinopatia comum com sinais e sintomas que variam amplamente entre as mulheres, podendo aparecer, desaparecer e reaparecer ao longo da vida menstrual da mulher.

Sua causa ainda não é totalmente esclarecida, apesar da hipótese de que ela tenha uma origem genética com uma possível ligação com a resistência à ação da insulina no organismo.

A literatura mostra a prevalência em torno de 5% a 10% da população feminina em idade fértil (1 em cada 15 mulheres tem SOP).

É uma doença caracterizada pela menstruação irregular, alta produção do hormônio masculino e presença de microcistos nos ovários, sendo a causa mais comum de infertilidade por anovulação crônica.

A resistência à insulina (RI) atinge de 50% a 70% das mulheres com SOP. Difícil determinar o que veio primeiro, anovulação hiperandrogênica ou a resistência à insulina.

Apesar da RI ser independente do peso corporal da mulher com SOP, elas apresentam uma possibilidade maior de apresentar obesidade e diabetes tipo 2.

Mesmo nos dias de hoje, com o acesso à informação, o diagnóstico de SOP, muitas vezes, é realizado de forma errada, podendo provocar pânico a quem o recebe.

Na primeira tentativa de padronizar o diagnóstico da síndrome dos ovários policísticos, em 1990, os National Institutes of Health (NIH) definiram como critérios: 1) anovulação crônica, 2) clínica de hiperandrogenismo (hirsutismo, acne e alopécia androgênica) e/ou hiperandrogenemia e 3) exclusão de causas secundárias, como hiperprolactinemia, disfunções da tireoide, alterações da função adrenal e tumores de ovários ou adrenal.

Como essa definição não fazia menção aos aspectos ultrassonográficos ovarianos, não obteve grande aceitação na Europa. Em 2003, a American Society for Reproductive Medicine (ASRM) e a European Society of Human Reproduction and Embriology (ESHRE) realizaram uma reunião para consenso, em Roterdã, nos Países Baixos.

Essa reunião resultou no Consenso de Roterdã, em que consta que o diagnóstico de SOP deve incluir pelo menos dois dos três critérios, a seguir:

- Alteração no ciclo menstrual ou ausência de menstruação por um período de 90 dias, ou mais, ou a presença de um número de ciclos menstruais menor ou igual a 9 por ano.

- Hiperandrogenismo na presença de pelo menos um dos seguintes achados: acne, hirsutismo e alopécia de padrão androgênico ou hiperandrogenismo laboratorial.

- Ovários policísticos à USG, deve ter mais de 20 folículos antrais de tamanho entre 2 e 9 mm, em um ou ambos os ovários, ou volume ovariano de maior ou igual a 10 cm3.

Através do ultrassom, nota-se o aparecimento de muitos folículos ao mesmo tempo na superfície de cada ovário. Esse ultrassom deve ser feito entre o terceiro e o quinto dia do ciclo menstrual. É importante definir que esses resultados não se aplicam a mulheres que estejam tomando pílula anticoncepcional.

Mulheres que apresentam apenas sinais de ovários policísticos ao ultrassom, sem desordens de ovulação ou hiperandrogenismo, não devem ser consideradas como portadoras da SOP.

De acordo com a diretriz brasileira sobre a SOP, dieta e exercícios físicos representam o tratamento de primeira linha, melhorando a resistência à insulina e retorno dos ciclos ovulatórios, mesmo na ausência de perda de peso.

A perda de peso resultante das mudanças no estilo de vida favorecerá a queda dos androgênios circulantes, melhorando o perfil lipídico e diminuindo a resistência periférica à insulina. Dessa forma, contribuirá para o decréscimo no risco de aterosclerose, diabetes e regularização da função ovulatória.

Dentre as opções medicamentosas, os anticoncepcionais orais têm sido muito utilizados e são seguros e eficazes em pacientes sem maiores comorbidades metabólicas.

Por ser uma síndrome com vários sintomas, o tratamento deve englobar diversos medicamentos, como hipoglicemiantes orais (nos casos de resistência à insulina), medicamento para reverter o quadro de infertilidade, cosméticos contra a acne e terapias para o controle do estresse e da ansiedade.

Podemos associar a espironolactona, um diurético que é capaz de atuar inibindo a enzima 5 alfa redutase na conversão periférica da testosterona em diidrotestosterona, melhorando a acne, seborréia e o hisurtismo, sem gerar queda pressórica em baixas doses.

Com o tratamento medicamentoso adequado, cerca de 50% a 80% das pacientes que desejam engravidar apresentam ovulação e 40% a 50% engravidam.

A fertilização in vitro (FIV) também pode ser uma ferramenta útil pela sua boa resposta, devendo-se ter atenção ao risco de hiperestímulo ovariano.

A cirurgia do ovário (ressecção em cunha no século passado e ovário Drilling no século atual) apresenta ótimas evidências clínicas (nível A), mas cada vez menos deve ser estimulada.

Na prática clínica percebo algumas contradições que geram questionamentos importantes que merecem ser discutidos:

SOP é uma doença?

SIM, se considerarmos os sintomas e as repercussões descritas acima, e NÃO, se considerarmos o fato do uso de uma pílula contraceptiva oral ser capaz de anular dois ou três critérios diagnósticos ou o tratamento de primeira linha ser fazer dieta, exercício físico e mudança no estilo de vida.


As mulheres com SOP têm mais infertilidade?

Infertilidade decorrente de uma anovulação crônica facilmente tratada SIM e NÃO se considerarmos a maior reserva ovariana (elevada dosagem AMH e contagem de folículos Antrais) que leva a uma ótima resposta à fertilização in vitro (FIV), associado a uma menor incidência de endometriose (importante causa de infertilidade).

As mulheres com SOP têm libido normal?


Parece que SIM pela diminuição da libido decorrente da anovulação e amenorréia e NÃO pelos altos níveis séricos de testosterona.

As mulheres com SOP têm mais câncer?

SIM em relação ao câncer de endométrio, se consideramos os fatores de risco associados (obesidade, diabetes e síndrome metabólica) e NÃO em relação ao câncer de ovário devido à anovulação crônica.

As mulheres com SOP têm mais labilidade emocional?

 

Parece que NÃO, decorrente da menor flutuação dos níveis de estrogênio, ausência de progesterona e níveis elevados de androgênio e SIM, se considerarmos o estresse e ansiedade associados à irregularidade menstrual.

Apesar de ser comum, a SOP manifesta-se de diferentes formas nas mulheres, o seu tratamento deve ser individualizado, priorizando o controle dos sintomas e prevenindo os problemas associados através de uma equipe multidisciplinar com ginecologista, endocrinologista, dermatologista e até mesmo cardiologia.

Este contexto reforça a relevância clínica da afecção e a necessidade de todas estas especialidades se familiarizarem com ela, pois contradições existem.