A importância do ensino da oncologia sob o ponto de vista docente

O entendimento do câncer envolve amplas esferas do saber, e o conhecimento em oncologia é ferramenta essencial para formação do médico

Carolina Vieira 12/02/2021 06:00
Teyssier Gwenaelle/Pixabay
(foto: Teyssier Gwenaelle/Pixabay)

Dando continuidade à nossa série de colunas sobre o ensino em oncologia, convido o professor Paulo Henrique Diniz (UFMG), também oncologista do grupo Oncoclínicas, para conversarmos sobre a importância e os desafios nesta área.

"Apesar de o câncer ser a segunda causa de óbitos no Brasil, e diante da magnitude de números que envolvem suas estatísticas e projeções, o ensino de oncologia nas escolas de medicina do nosso país ainda é um grande desafio. Dentre os vários aspectos desafiadores, destaca-se a fragmentação do ensino, a complexidade da doença em sua essência - área médica muito abrangente, interconectada e interrelacionada com várias outras -, ou mesmo o pouco reconhecimento da importância da atenção básica, ênfase da grade curricular dos cursos, para os pacientes com câncer. O resultado é uma compreensão muitas vezes superficial da realidade dos pacientes oncológicos, impulsionando muitos alunos a buscarem atividades extracurriculares, como ligas acadêmicas e estágios, para preencher lacunas dessa formação.

O entendimento do câncer envolve amplas esferas do conhecimento. Entre elas, incluem-se carcinogênese, embriogênese, disseminação tumoral, imunologia, farmacologia, propedêutica complementar, medicina integrativa. No atual contexto, o aluno tem contato com esses diferentes domínios de forma fragmentada, por meio de disciplinas não integradas, envolvendo diferentes subespecialidades clínicas e cirúrgicas, o que acaba não consolidando os múltiplos fundamentos necessários para uma visão holística do paciente com câncer. Certamente, isso tem impacto direto mais à frente, quando o médico terá contato direto com o portador de malignidade.

Em 2012, um estudo constatou que em 70% das escolas de medicina no Brasil não havia a disciplina oncologia separadamente no currículo. Dentre as 33 escolas que lecionam oncologia, 26 utilizam-na como obrigatória na grade curricular e sete faculdades utilizam-na como optativa. O estado de São Paulo concentra a maior parte dessas escolas (11 no total), seguidos de quatro em Minas Gerais, e três no Rio Grande do Sul, refletindo a concentração no eixo sul-sudeste. Atualmente, com 342 escolas no país e cerca de 35 mil vagas por ano, a situação não deve ser muito diferente. Isso porque as novas diretrizes curriculares nacionais para os cursos de medicina, estabelecidas em 2014 pelo Ministério da Educação, definem a atenção primária como cenário preferencial para formação do médico.

Mesmo se tratando de uma especialidade de alta complexidade, e, portanto, atribuição da atenção terciária, é justamente no primeiro nível de atenção que são desempenhadas diversas funções essenciais para o paciente oncológico, além de se configurar como porta de entrada dos portadores de câncer ao sistema de saúde.

De acordo com a definição contemplada pela portaria nº 2.436 de 21/09/2017, do Ministério da Saúde, "a atenção básica é o conjunto de ações de saúde individuais, familiares e coletivas que envolvem promoção, prevenção, proteção, diagnóstico, tratamento, reabilitação, redução de danos, cuidados paliativos e vigilância em saúde". Assim, ainda que o currículo seja voltado para a atenção básica, o conhecimento em oncologia é ferramenta essencial para formação do médico, pois muitas vezes é ele quem irá rastrear, implementar as ações de prevenção, diagnosticar precocemente ou mesmo deflagrar a cascata de eventos para a correta condução do paciente oncológico.

Dentre essas múltiplas atribuições, destaca-se o cuidado paliativo, tão importante para a prevenção e alívio do sofrimento dos portadores de neoplasia maligna. É recomendado pela OMS que seja integrado em todos os níveis de atenção, com foco Atenção Primária à Saúde, na comunidade e no cuidado domiciliar. Portanto, é inquestionável que faça parte da formação de todo médico generalista. O fato de esses assuntos serem habitualmente abordados na oncologia reforça ainda mais a necessidade dessa disciplina, mesmo com os currículos voltados para a atenção básica.

Importante destacar que esse desafio não é enfrentado apenas no Brasil. Um estudo conduzido pela Sociedade Européia de Oncologia Médica, em 2008, mostrou que o ensino de oncologia para estudantes de medicina ocorreu em apenas 50% dos países daquele continente. No congresso de 2012 da Sociedade Americana de Oncologia Clínica, foi apresentado um estudo canadense que avaliou todas as 17 faculdades de medicina daquele país. O ensino de oncologia na graduação foi considerado inadequado, do ponto de vista de conteúdo, por 67% dos alunos e por cerca de 82% dos oncologistas.

Como forma de superar essas lacunas em sua formação, os alunos em que o interesse pela oncologia é despertado logo cedo procuram atividades extracurriculares, por meio de ligas acadêmicas e concorridos estágios. Caso contrário, essas deficiências irão se perpetuar.

Adicionalmente ao reconhecimento da atenção primária como importante janela de oportunidade para melhor abordagem dos pacientes oncológicos, incluindo o paliativismo, e à integralização do conteúdo numa disciplina única de oncologia acessível a todos os estudantes, esforços devem ser realizados para superar os desafios impostos pela ampla quantidade de informação e inovação disponibilizados diariamente nesta especialidade tão abrangente. Tudo isso, certamente, implicará melhor qualidade assistencial aos pacientes e melhor comprometimento com a formação dos novos médicos."

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