COVID-19 e as crianças: Entre o pessimismo e o otimismo, a esperança

A pandemia nos gerou sensações iguais às de uma pessoa quando fica sabendo que tem câncer. A ansiedade de não saber o que vai acontecer segue mexendo com o nosso psicológico

Carolina Vieira 25/09/2020 06:00
Pikist
(foto: Pikist)

A notícia de um câncer vem sempre acompanhada de incertezas, ansiedades, medo… o paciente se vê cara a cara com uma situação completamente nova que, em menor ou maior grau, provocará mudanças na sua própria rotina e na de familiares que os acompanharão.

A pandemia da COVID-19 nos fez experimentar sensações semelhantes. A ansiedade de não saber o que vai acontecer ou até quando viveremos uma nova rotina continua mexendo com o psicológico de muita gente. 

Nesta semana, compartilho uma reflexão da psicóloga e mestre de Psicologia e Desenvolvimento Carolina Sofal, sobre o momento que estamos vivendo.

“Ainda são fortes as lembranças de quando surgiram as primeiras notícias sobre o Coronavírus no mundo. Lembro que a mídia internacional publicava uma notícia aqui e outra ali, os jornais brasileiros também traziam outras tantas informações, mas tudo ainda muito vago, desencontrado. Parecia que o problema estava ainda tão longe....
Arquivo pessoal
Desenho de paciente sobre os tempos de pandemia (foto: Arquivo pessoal)

Não demorou muito e a crise sanitária foi chegando mais perto e mais perto... O fato é que, da noite para o dia, quando nos demos conta, a  vida mudou: as rotinas, as expectativas, as certezas e, de repente, inúmeras dúvidas surgiram.

Alguns correram ao supermercado, outros custaram a entender a situação e a minimizaram, outros tantos se encheram de ansiedades, justificativas, hipóteses e até esperanças. O certo é que, rapidamente, a única certeza que passamos a ter a partir de então foi a própria incerteza! 

Comigo não foi diferente – e não terá sido com quem lê estas linhas  agora –  as notícias correram soltas sobre o novo Coronavírus e, no fundo, eu não acreditava que a crise iria chegar aqui na rapidez que chegou;  imaginava que, quando ela nos atingisse, os laboratórios já teriam descoberto uma vacina e também um tratamento eficaz para combater a doença. 

Mas não foi isso que aconteceu... A coisa não era tão simples...
Foi assim que todos tivemos que, de alguma maneira, interromper e rever nossas vidas; ou mais: suspendê-las, como se estivéssemos a nos preparar para tomar novo  fôlego. E então, aos poucos, deixamos nosso ambiente de trabalho, interrompemos os momentos de  convivência com a família, deixamos de  participar das atividades ao ar livre e de lazer. E eu me lembro – só para ficar com um exemplo -  exatamente de quando recebi o comunicado da escola da minha filha, determinando a suspensão temporária das aulas. 

Se isso foi difícil para nós, adultos (que reunimos mais elementos para ter maior compreensão das coisas), para as crianças, essa interrupção foi muito mais lenta, difícil e dolorosa: inicialmente algumas crianças julgaram que estavam apenas em férias, e não entenderam o porquê de não poderem sair para passear ou viajar. Para outras, não demorou nada e a alegria por estar mais tempo em casa com os pais, por exemplo, foi sendo substituída por outros sentimentos, como a dúvida, a incerteza, a frustração e a irritação. 

No caso das crianças  é particularmente importante não esquecer que estamos falando de indivíduos que estão na fase concreta do seu desenvolvimento e que, em um momento como este, só conseguem entender que sua rotina está sendo bruscamente alterada.

Definitivamente, elas não conseguem fazer uma leitura lógica a respeito dos motivos pelos quais as coisas chegaram a este ponto, e, menos ainda, conseguem pensar na ideia de finitude ou desfecho do que está acontecendo. Por isso, são insistentes as perguntas que vêm delas: 

Por quê? Ou, até quando? 

São questionamentos  recorrentes, que vêm sempre com força total; como se nunca tivessem sido feitos – e respondidos – antes. 

Em verdade, é como se elas, as crianças, tivessem recebido um baque! E com razão! A sensação é de descontinuidade da rotina, incoerência, já que, na maioria das vezes, ‘dormiram’ de um jeito, e ‘acordaram’ de outro! No seu entendimento, sentem apenas ter perdido algo que há bem pouco tempo lhes era caro e natural, confortável, seguro, certo e prazeroso.

Arquivo pessoal
Desenho de paciente sobre os tempos de pandemia (foto: Arquivo pessoal)
A sensação se agrava ainda mais quando, na tentativa de protegê-las, os pais são demasiadamente simplistas e esperançosos. O mesmo ocorre quando são exageradamente cuidadosos. Isso as assusta. Não demora e os sentimentos de temor e tristeza começam a ganhar espaço dentro delas. é quando seu filho ou sua filha insiste em perguntar para você: 

- Quando vou voltar à escola?  Quando vou poder voltar a ir para o balé? E para a natação? 
- Posso voltar a jogar futebol? Sinto falta dos meus amigos... Quando vou encontrar com eles de novo? 
- Como vou comemorar o meu aniversário? 
- E o vovô... A vovó?

Neste momento resta-nos ouvir com atenção a dica do poeta paraibano Ariano Suassuna, cuja frase inspiradora pode servir de guia para respondermos a estas perguntas:  'O otimista é um tolo. O pessimista é um chato. O bom mesmo é ser um realista esperançoso'.
 
Em verdade, há aqui uma provocação: se sabemos que as crianças aprendem pelo exemplo - e se queremos que elas se tornem mais resilientes - então, é preciso também desenvolver nossa capacidade de adaptação e flexibilidade diante de situações críticas ou difíceis como as que estamos vivendo e, sobretudo, buscar alternativas para lidar com os problemas - sem permitir que eles nos consumam ou nos iludam.

A este ponto, convém pensar em que tipo de respostas estamos dando aos nossos filhos: as cegamente otimistas, que podem gerar nelas uma falsa sensação de que tudo está controlado? Ou as respostas pessimistas, que vislumbram um cenário de completa insegurança e que alimentam a dúvida, a ansiedade e o medo? Como quer que seja, jamais devemos negligenciar as emoções de nossos filhos. 

Sobretudo, neste caminho, talvez devamos nos esforçar, nós mesmos, para ser realistas e esperançosos; capazes então de nutrir nossos filhos com sensatez e segurança.”
 
Tem dúvidas ou sugestões? Mande email para carolinavieiraoncologista@gmail.com