Coronavírus: Máscaras e a face oculta da COVID-19

Entendimento da evolução da epidemia é fundamental para encontrarmos soluções e alternativas ao isolamento social, opção única para conter pico epidêmico devastador

Silvio AVILA / AFP
Grupo de médicos do Hospital das Clínicas de Porto Alegre (RS) usa máscaras e face shields para tratar pacientes de coronavírus (foto: Silvio AVILA / AFP)

A epidemia avança deixando um rastro de sofrimento em todos os países. No Brasil, como prevíamos, não está sendo muito diferente. O vírus chegou através de pessoas que vieram de países onde a transmissão sustentada já estava ocorrendo.

Portanto, chegou por executivos, turistas nacionais e estrangeiros. Geralmente, pessoas de classe social alta, em condições de ter um plano de saúde privado, tendo a estes recorrido para se internar.

Naturalmente, São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e demais capitais correspondem aos locais onde a maioria destas pessoas desembarcaram e se instalaram.

Desta forma, é compreensível que os primeiros casos da epidemia ocorressem nestas capitais e fossem, progressivamente, dispersando para as cidades menores.

Temos então, uma epidemia que chegou pelas classes sociais A e B, se deslocando para paulatinamente para as classes C, D e E. Geograficamente, a epidemia se desloca das capitais, onde a densidade populacional é maior, para o interior.

Portanto, considerando nossas dimensões continentais, teremos uma epidemia com um ritmo evolutivo diferente da Ásia, Europa e América do Norte. Estes continentes possuem um nível de inter-relação muito maior entre si, do que com a América Latina.

Basta ver em sites específicos que monitoram o tráfego aéreo entre as diferentes regiões do planeta para chegar a esta conclusão.

A chegada mais lenta da epidemia para nós nos conferiu algumas vantagens e desvantagens. Tivemos algumas semanas a mais para nos prepararmos e tentarmos fazer o dever de casa, que não fizemos em décadas. Tivemos informações científicas importantes que nos permitiram entender o comportamento viral, sua dinâmica de transmissão e estratégias de prevenção que funcionam, não funcionam e outras que têm forte possibilidade de contribuir para o controle da epidemia.

A principal desvantagem de sermos atingidos algumas semanas após os países do hemisfério Norte é termos que concorrer pelos escassos recursos e insumos para diagnóstico, tratamento e prevenção de casos, particularmente, Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) para proteção da força de trabalho nos hospitais.

Neste sentido, vivenciamos uma das situações mais bizarras em termos de relações internacionais, que foi a pirataria de equipamentos comprados pelo Brasil. Exemplo claro da cegueira para com o mundo e do exercício da “ética do venha `a nós” e o resto que se vire.

O entendimento desta característica evolutiva da epidemia em nosso país e em nossa cidade é fundamental para irmos encontrando soluções e alternativas ao isolamento social, que é opção única para conter um pico epidêmico devastador, que compromete a capacidade assistencial dos hospitais, a vida das pessoas e a própria economia.

Até o momento, esta política adotada de isolamento e distanciamento social vem dando os resultados esperados. Não temos tido exaustão dos recursos assistenciais, o número de casos e óbitos encontra-se baixo em comparação com outras capitais.

Ou seja, certamente iniciamos as medidas de mitigação no momento correto, o que comprova a assertividade dos modelos estatísticos e matemáticos que utilizamos.

Princípios científicos nortearam a implantação das medidas em curso e serão a base para os processos de flexibilização, como disse, em entrevista recente aqui mesmo no EM (15/04/2020), o amigo e parceiro na condução da epidemia de H1 N1 de 2009, Dr. Rômulo Paes

"Os bons resultados do isolamento social acabam minando o próprio isolamento social: você não vê hospitais lotados, não vê UTIs sobrecarregadas, todas as situações que não ocorrem exatamente por causa do isolamento. Aí, as pessoas começam a sair às ruas, a comprar os discursos negacionistas de quem desdenha a pandemia e tudo que mais se temia começará a acontecer.”

No sentido de responder a uma pergunta que me fazem dezenas de vezes ao dia, inclusive minhas filhas, confinadas em casa por várias semanas :

- quando tudo isto vai acabar e a vida vai voltar ao normal?

Quisera eu ter uma bola de cristal e responder com precisão esta pergunta. Porém, cada dia mais, as evidências apontam para um problema de curso mais longo que o esperado.

Em estudo recente publicado na revista Science (14/04/2020), pesquisadores da Escola de Saúde Pública da Harvard, confirmaram o que temos dito aqui, em colunas anteriores. Usando modelagem matemática, eles estimam que teremos ondas epidêmicas recorrentes com necessidade de isolamento social intermitente até 2024, caso não tenhamos uma vacina eficaz contra a COVID-19.

Ou seja, estamos diante de um problema para maratonistas e não “sprintistas”. Temos que fazer uma corrida com planejamento e muita atenção para não esgotarmos nossas energias antes da hora e não chegarmos ao final. Temos que rever a nossa tentação de acharmos soluções imediatistas e não cair nas armadilhas do “mundo liquido” descrito por Zygmunt Bauman.

Estamos diante de um problema novo, para o qual não temos respostas imediatas e muito menos definitivas. De uma coisa temos certeza, não podemos voltar de maneira desesperada e sem critérios para a situação que conhecíamos como “normal “ até pouco tempo atrás. Seria uma catástrofe epidemiológica.

Entretanto, temos estratégias para modulação e flexibilização do isolamento social, tendo como indicadores o grau de exaustão dos serviços de saúde, a incidência de pessoas já infectadas e imunes, nível de adesão da população às medidas de distanciamento social, além de dados de mobilidade urbana.

O uso dessas informações em modelos matemáticos permitirão um ajuste ao longo do tempo das medidas de isolamento e distanciamento social com critérios científicos.
DOUGLAS MAGNO / AFP
(foto: DOUGLAS MAGNO / AFP)

Máscaras


Uma destas medidas com potencial de reduzir a transmissão do vírus na comunidade é o uso sistemático de máscaras por todos as pessoas. Apesar de ser uma estratégia com fragilidades em termos de suporte e evidências científicas, é uma maneira de reforçarmos o distanciamento social e aumentarmos a percepção de segurança.

A realização de inquéritos sorológicos de amostras da população é o passo seguinte para o avanço da flexibilização segura. Pessoas com anticorpos neutralizantes contra o COVID 19 poderão retornar a suas atividades habituais, apesar de não sabermos ainda se esta imunidade será perene ou não.

Concluindo, apesar de estarmos ainda num momento onde as duvidas são maiores doque as certezas, há luz no fim do túnel.
 
Se você tem dúvidas ou quer sugerir temas para a coluna, envie para um email para cstarling@task.com.br