Diabetes e câncer de pâncreas: qual é a relação?

Cerca de 1% dos pacientes com diabetes recém-desenvolvido serão diagnosticados com câncer de pâncreas dentro de três anos

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Câncer de pâncreas pode causar resistência à insulina e levar a casos de diabetes tipo 3c (foto: Reprodução)
A insulina é um hormônio produzido por aglomerados de células do pâncreas chamadas ilhotas de Langerhans. Ela ajuda nosso corpo  a utilizar os açúcares dos alimentos para obter energia.  Quando estamos ativos, queimamos essa energia e consumimos o açúcar.  Mas uma dieta inadequada e um estilo de vida inativo podem levar a uma sobrecarga de açúcar na corrente sanguínea, o que, com o tempo, provoca  a resistência à insulina. Isso significa que a insulina produzida não funciona tão eficientemente quanto em condições normais. Assim , o pâncreas entra em ação para produzir mais insulina. Mas, ele nem sempre consegue suprir o excesso de demanda e esse fenômeno desencadeia o diabetes tipo 2.

Embora a resistência à insulina seja mais comumente causada pela obesidade, ela também pode ser resultante de  um
câncer de pâncreas.  Além disso, o câncer de pâncreas impede que as ilhotas produzam insulina em resposta à resistência à insulina.  Isso pode então  levar ao diabetes   tipo 3c, que é causado por doenças do pâncreas, incluindo pancreatite crônica e fibrose cística, bem como cirurgias pancreáticas e o câncer pancreático.


O diabetes tipo 3c é difícil de ser distinguido  do diabetes do tipo  2. Importante ressaltar que  cerca de 1% dos pacientes com diabetes recém-desenvolvido serão diagnosticados com câncer de pâncreas dentro de três anos.

Há uma falta de conscientização sobre essa relação, especialmente entre os médicos da atenção primária.  O monitoramento do câncer de pâncreas portanto deve começar ao primeiro sinal de níveis elevados de açúcar no sangue.

O diabetes é diagnosticado quando os níveis de  hemoglobina glicada, também conhecido como HbA1C ou A1C, são maiores que 6,5%. Diabetes de início recente é o nome para os três anos após o primeiro teste de A1C com níveis acima de 6,5%.  Durante esses três anos, o risco de câncer de pâncreas é maior do que o esperado e depois cai para o nível de risco encontrado em pessoas com diabetes estabelecido.

O aumento dos níveis de A1C ocorre meses antes de um médico fazer o diagnóstico de diabetes. Existe a possibilidade  de que o paciente possa reverter o diabetes com uma dieta melhorada e mais atividade física.  Mas isso só funciona para pacientes que realmente se esforçam na obtenção desse objetivo.  Às vezes, os pacientes percebem mudanças graças ao estilo de vida melhorado, mas em casos raros, essas mudanças são causadas pelo câncer de pâncreas, incluindo o próprio emagrecimento. Dados mais recentes sugerem que  em raras situações, o aumento dos níveis de açúcar no sangue, apesar da perda de peso, pode indicar câncer de pâncreas.  Estudos retrospectivos ajudaram a identificar dois sinais que sugerem o desenvolvimento de câncer de pâncreas.

Primeiro, os níveis de açúcar aumentam rapidamente.  Cerca de 40% desses pacientes têm níveis normais de açúcar cinco anos antes do diagnóstico de diabetes.  Quando comparado ao diabetes tipo 2 típico, ele se desenvolve muito mais rápido,  quando é causado pelo câncer. Pacientes com diabetes existente também veem seus números aumentarem rapidamente  e em níveis mais do que os normalmente observados  no diabetes tipo 2.

Em segundo lugar, os pacientes perdem uma quantidade significativa de peso, apesar dos níveis crescentes de insulina.  Mas se o paciente mudou sua dieta e nível de atividade física, a perda de peso pode ser erroneamente atribuída a esses esforços. Essa perda de peso diante do aumento dos níveis de açúcar é algo que também pode ser observado no câncer de pâncreas. Por isso o médico assistente deve estar sempre atento a esta situação para que exames subsequentes possam detectar o tumor, caso ele esteja presente, ainda em uma fase precoce, portanto curável pelo tratamento cirúrgico.

A detecção precoce pode levar a mais opções de tratamento do câncer de pâncreas

A idade do paciente, o nível de fadiga, o histórico de saúde e o estágio do câncer de pâncreas afetam as opções de tratamento.  A detecção precoce - mesmo que apenas quatro ou cinco meses antes do diagnóstico - aumenta o número de opções de tratamento, e consequentemente dos índices de cura.  Além da cirurgia, outras opções terapêuticas podem ser necessárias, como quimioterapia, radioterapia e mesmo terapia alvo-molecular. Essas abordagens podem oferecer o maior benefício para os pacientes, mas geralmente não são opções viáveis para pacientes com câncer de pâncreas em estágios mais avançados.

Com a detecção precoce melhorando o acesso a tratamentos mais eficazes podem prolongar a vida de mais pacientes com câncer de pâncreas.  Isso, por sua vez nos ajuda a melhorar a nossa compreensão do câncer de pâncreas.  Se conseguirmos levar mais pessoas à cirurgia com uma detecção mais precoce, podemos ter mais ensaios clínicos que objetivem um prolongamento  da vida de mais pacientes, juntamente com uma melhora também na sua qualidade de vida.

Ensaios clínicos visam a estabelecer diretrizes de rastreamento do câncer de pâncreas

Embora tenha sido estabelecida uma ligação entre diabetes de início recente e câncer de pâncreas, o que os médicos fazem com essa informação ainda não foi determinado.

Na grande maioria das vezes, diabetes de início recente é apenas diabetes tipo 2 de início recente  e não se relaciona ao câncer de pâncreas. Mas é preciso que a comunidade médica esteja alerta para a possibilidade desta associação. Por isso, existem grupos de investigadores conduzindo ensaios clínicos de rastreamento de câncer de pâncreas para seu diagnóstico precoce. O primeiro ensaio clínico está coletando sangue para estudos futuros em 10.000 pacientes com diabetes de início recente. Este será o primeiro estudo prospectivo para definir o risco de desenvolver câncer de pâncreas em diabetes de início recente.

Um segundo estudo se baseará no primeiro, identificando o subconjunto de pacientes que perderam peso ou cuja pontuação A1C é alta e que devem ser rastreados para câncer com uma tomografia computadorizada de abdome. Se os resultados da primeira tomografia computadorizada forem normais, os pacientes receberão uma segunda tomografia três a nove meses depois. O objetivo é mudar a prática, mostrando no ensaio clínico que esses pacientes se beneficiam da detecção precoce.

Se há uma mensagem a ser guardada é que o câncer de pâncreas associado ao diabetes  é raro, mas é melhor estar ciente da conexão entre essas anomalias do que ignorar seus sinais, perdendo-se assim uma preciosa oportunidade de um diagnóstico realmente precoce, o que por sua vez propiciará muito maiores chances de uma abordagem terapêutica curativa.