Pesquisas sobre mutação genética avançam no combate ao câncer hereditário

História da descoberta das mutações dos genes BRCA1 e BRCA2: da prevenção ao tratamento dos cânceres de mama, ovário, próstata e pâncreas

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Mutações genéticas podem ser causadoras de cânceres hereditários de ovário, mama, próstata, entre outros (foto: Reprodução/Shutterstock)
Os pesquisadores há muito suspeitavam que o risco de desenvolver certas formas de câncer era hereditário. Evidências epidemiológicas mostraram claramente que os cânceres de mama e ovário de início precoce afetaram desproporcionalmente mulheres de certas famílias e populações, como as judias asquenazes. Isso sugeriu uma causa hereditária para esses tipos de câncer e sugeriu que uma mutação genética específica poderia ser a responsável. 

As mutações do gene BRCA podem ser  herdadas

As primeiras pesquisas genéticas ocorreram em 1995 e foram realizadas pelos pesquisadores apoiados pelo NCI (Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos). Mary-Claire King, Ph.D., Mark Skolnick, Ph.D., e seus colegas associaram uma região do DNA ao câncer de mama hereditário.  Os pesquisadores fizeram um estudo de acompanhamento em 1996 para estimar o risco de câncer associado a essa alteração, bem como duas outras alterações posteriormente relatadas como presentes na população judaica Ashkenazi. Os investigadores então identificaram o gene BRCA1 nessa região, o que estabeleceu uma clara associação entre a herança das formas mutantes do gene (conhecidas como mutações germinativas) com o aumento dos casos de câncer.  Mais tarde, mutações germinativas identificadas em outro gene, BRCA2, também foram associadas a um risco aumentado de câncer de mama e ovário, além disso cânceres de próstata e pâncreas. 

Mutações BRCA1 e BRCA2 podem levar ao câncer

Ambos os genes  BRCA1 e BRCA2 pertencem a uma classe de genes conhecidos como genes supressores de tumor que funcionam para prevenir o crescimento de células cancerosas.  Ambos desempenham um papel nas vias celulares que reparam o DNA danificado.  Mutações nessas vias tornam as células mais propensas a acumular danos ao DNA porque são menos eficazes no reparo das células.  Este dano acumulado pode levar ao câncer. Hoje sabemos que esses dois genes oferecem a uma família completa de genes reparadores das rupturas das fitas de DNA denominada "Família dos Genes de Recombinação Homóloga".  A recombinação genética homóloga ocorre entre sequências precisamente correspondentes, de modo que nenhum par de bases é adicionado ou perdido. A recombinação que envolve uma reação entre sequências homólogas de DNA é denominada Recombinação Homóloga (HRD). Os genes principais que executam essa função em nosso genoma são: ATM, BARD1, BRCA1, BRCA2, BRIP1, CHEK2, MRE11A, NBN, PALB2, RAD51C,%u202F e RAD51D. 


Ter uma suscetibilidade hereditária não significa que uma pessoa desenvolverá um câncer específico, mas o risco de desenvolver esse câncer pode ser maior para essa pessoa.  Consequentemente, a identificação das mutações BRCA1 e BRCA2 proporcionou algumas mudanças importantes no rastreamento e prevenção do câncer de mama.  Agora, testar esses genes em famílias afetadas pode ajudar a informar as decisões sobre o tratamento preventivo.

Mulheres com familiares diretos portadores de mutações de BRCA1 e BRCA2 e também dos demais genes da família HRD agora têm a opção de serem testadas para que assim possam saber se apresentam risco aumentado de desenvolver cânceres de mama e ovário.  Mas a decisão de ser rastreado para mutações genéticas herdadas não é simples e lidar com os resultados do teste pode ser difícil.

Além disso, interpretar os resultados de testes genéticos, incluindo mutações BRCA1 e BRCA2 e mesmo dos demais genes da família HRD nem sempre é simples. Oncogeneticistas devem sempre ser consultados porque podem ajudar explicando os resultados de testes que são complexos para torná-los mais compreensíveis  para os pacientes e suas famílias e também para os demais profissionais de saúde.

Vários estudos mostraram que o teste de BRCA1 e BRCA2 e a avaliação de risco podem ser integrados à atenção primária.  Por exemplo, uma abordagem de triagem seguida de intervenções preventivas - como cirurgia de redução de risco (como a remoção preventiva das mamas e dos ovários) quando apropriado - pode reduzir o número de novos casos de câncer de mama e/ou ovário, bem como o número de mortes por esses cânceres.

Transformando descoberta em saúde

Desde a descoberta inicial de que as mutações dos genes BRCA1 e BRCA2 estão ligadas a cânceres hereditários de mama e ovário, testes genéticos têm sido usados %u200B%u200Bpara determinar o potencial ou a probabilidade de que os membros da família tenham um risco aumentado de desenvolver câncer.  Se o câncer estiver presente, também são utilizados para determinar se o câncer foi causado por uma mutação BRCA1 ou BRCA2.

A pesquisa também mostrou que as mutações BRCA1 e BRCA2 podem afetar a resposta de um tumor ao tratamento. Os estudos atuais apoiados pelo NCI americano  avaliam  se o teste rápido para mutações BRCA1 e BRCA2, juntamente com o diagnóstico, pode informar o melhor tratamento.

Estudos pré-clínicos e ensaios clínicos de fases I, II e  III mostraram que drogas chamadas de  inibidores da enzima poli(ADP)-ribose (inibidores de PARP) são eficazes no tratamento de câncer dos cânceres de ovário, mama, próstata e pâncreas, caso estes pacientes ou seus tumores apresentem mutações de BRCA1 e BRCA2.  Os danos  ao DNA nas células que se apresentam com estas mutações não podem mais ser reparados na presença destas medicações, o que resulta na morte dessas células (apoptose).  Os inibidores de PARP fazem parte de uma nova geração de drogas  que funcionam por letalidade sintética.  Sozinhos, este medicamentos não causam  morte celular, mas o farão  em combinação com outro defeito, como a mutação BRCA, quer seja ela da linha somática (do próprio tumor) ou germinativa(adquirida hereditariamente).  Os resultados dos ensaios que testam os inibidores de PARP - sozinhos ou em combinação com drogas quimioterápicas de platina - são promissores.

Da pesquisa para a prática: o papel do NCI

A identificação de mutações germinativas nos genes  BRCA  como uma predisposição hereditária ao câncer de mama por cientistas apoiados pelo NCI foi uma descoberta marcante.

A descoberta de que um número pequeno, mas significativo de cânceres é causado por mutações hereditárias foi um desenvolvimento crítico na determinação das bases genéticas de muitas formas de câncer. Desde a descoberta inicial, o NCI continua a apoiar uma ampla gama de pesquisas sobre a função dos genes BRCA1 e BRCA2.

Pesquisas financiadas pelo National Cancer Institute (NCI) ajudaram a identificar mutações genéticas patogênicas hereditárias de BRCA1 e BRCA2 e a desenvolver um teste de triagem para essas mutações em pacientes.  Essas mutações genéticas estão associadas a uma forma muitas vezes agressiva de cânceres de mama e ovário, assim como próstata e pâncreas (o BRCA2).  

Como resultado do investimento do NCI, as pessoas com histórico familiar de câncer de mama e de ovário podem usar seus resultados de teste BRCA para ajudar a tomar decisões informadas sobre triagem e tratamento potencial de redução de risco.
 
A descoberta de que um número pequeno, mas significativo de cânceres é causado por mutações hereditárias também marcou um ponto de virada na determinação da base genética de muitas formas de câncer.  O apoio contínuo de uma ampla gama de atividades de pesquisa, incluindo um foco nos genes BRCA1 e BRCA2, é necessário para avançar a ciência por trás da prevenção e tratamento do câncer.

Famílias com histórico de câncer de mama e ovário agora podem se utilizar dos resultados dos testes genéticos para tomar decisões mais embasadas sobre os rastreamentos mais apropriados, potenciais tratamentos personalizados  e também sobre medidas de redução de risco da doença na luta contra o câncer.