Vacina pode revigorar as habilidades naturais de combate ao câncer do corpo

Como a tecnologia das vacinas de RNA mensageiro (mRNA) para a imunização contra a COVID-19 pode ser utilizada no tratamento imunoterápico do câncer

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Embora essas vacinas de precisão contra o câncer permaneçam experimentais, os pesquisadores continuam a fazer descobertas básicas que movem o campo para frente (foto: Pixabay)


Para proteger os humanos do COVID-19, as vacinas de mRNA da Pfizer e Moderna programam as células humanas para traduzir o RNA mensageiro sintético injetado na proteína spike do coronavírus, que então prepara o sistema imunológico para se armar contra futuras aparições dessa proteína.

Acontece que o sistema imunológico também pode ser treinado para detectar e atacar proteínas distintas nas células cancerosas, matando-as e deixando as células saudáveis %u200B%u200Bpotencialmente intactas.

 Embora essas vacinas de precisão contra o câncer permaneçam experimentais, os pesquisadores continuam a fazer descobertas básicas que movem o campo para frente.

Isso inclui um estudo recente financiado pelo NIH em ratos que ajuda a refinar a seleção de alvos proteicos em tumores como forma de aumentar a resposta imunológica.

Para possibilitar esse impulso, os pesquisadores primeiro tiveram que descobrir uma possível solução para um desafio de longa data no desenvolvimento de vacinas de precisão contra o câncer: exaustão de células T.

O termo se refere ao complemento de células T do sistema imunológico e sua capacidade de aprender a reconhecer proteínas estranhas, também conhecidas como neoantígenos, e atacá-las nas células cancerosas para reduzir os tumores. 

Mas essas células T que respondem podem se exaurir atacando tumores, limitando a resposta imunológica e tornando seus benefícios de curta duração.

Em um estudo publicado na revista Cell, Tyler Jacks e Megan Burger, do Massachusetts Institute of Technology, Cambridge, ajudam a explicar esse fenômeno de exaustão de células T.  Os pesquisadores descobriram em ratos com tumores de pulmão que o sistema imunológico inicialmente responde como deveria. 

Ele produz muitas células T que têm como alvo muitas proteínas diferentes específicas do câncer. No entanto, há um problema: vários subconjuntos de células T interferem uns nos outros. 

Eles competem até que, eventualmente, um desses subconjuntos se torne o tipo de célula T dominante. Mesmo quando essas células T dominantes crescem exaustas, elas ainda permanecem no tumor e impedem a entrada de outras células T, que poderiam atacar diferentes neoantígenos no câncer.

Com base nessa descoberta básica, os pesquisadores criaram uma estratégia para desenvolver vacinas contra o câncer que podem "despertar" as células T e revigorar as habilidades naturais de combate ao câncer do corpo.

A estratégia pode parecer contraintuitiva. Os pesquisadores vacinaram camundongos com neoantígenos que fornecem um sinal fraco, mas encorajador, para as células do sistema imunológico responsáveis %u200B%u200Bpor apresentar às células T. o alvo específico da proteína do câncer, ou antígeno. 

São essas células T que tendem a ser suprimidas em competição com outras células T. Quando os pesquisadores vacinaram os ratos com um desses neoantígenos, as células T suprimidas aumentaram em número e direcionaram melhor o tumor. Além disso, os tumores diminuíram em mais de 25% em média.

A pesquisa sobre essa nova estratégia ainda está em seus estágios iniciais. Os pesquisadores esperam saber se esta abordagem para vacinas contra o câncer pode funcionar ainda melhor quando usada em combinação com drogas de imunoterapia, que liberam o sistema imunológico contra o câncer de outras maneiras.

Também é possível que o sucesso recente e revolucionário das vacinas de mRNA para prevenir COVID-19 realmente possa ajudar.  Uma vantagem importante do mRNA é que é fácil para os pesquisadores sintetizar, uma vez que conhecem a sequência de ácido nucleico específica de uma proteína alvo, e eles podem até combinar diferentes sequências de mRNA para fazer uma vacina multiplex, que prepara o sistema imunológico para reconhecer vários neoantígenos. 

Agora que vimos como as vacinas de mRNA funcionam para induzir uma resposta imune desejada contra COVID-19, esta mesma tecnologia pode ser usada para acelerar o desenvolvimento e teste de vacinas futuras, incluindo aquelas projetadas precisamente para combater o câncer.

Estado atual da imunoterapia no tratamento do câncer 


As substâncias imunoterápicas para o tratamento do câncer podem ser agrupadas em 4 grandes grupos: as citocinas, a imunoterapia celular passiva ou adotiva, as vacinas e, mais recentemente, os inibidores de proteínas dos pontos de checagem imunológica.
 
As citocinas são substância naturais, produzidas por células do próprio sistemaimunológico humano, mas que podem sintetizadas em laboratório e administradas em doses elevadas a pacientes com alguns tipos de câncer, como o melanoma e o câncer renal.

As disponíveis para uso clínico são o interferon e a interleucina-2. O interferon é uma proteína produzida por linfócitos e fibroblastos, que interfere na replicação de vírus, bactérias e células tumorais, além de estimular a atividade de defesa de outras células. Já as interleucinas (incluindo-se a interleucina-2) são produzidas principalmente por linfócitos T, embora também possam ser sintetizadas por macrófagos e células teciduais.

As interleucinas possuem várias funções, mas a maioria delas está envolvida na ativação dos linfócitos e na indução da divisão de outras células, induzindo a expansão de linfócitos chamados de "natural killers", ou seja, assassinos naturais de agressores, como as células tumorais.

Embora tanto o interferon quanto a Interleucina-2 sejam comercialmente disponíveis desde o início dos anos 90 para o tratamento do câncer renal e do melanoma, a alta toxicidade e a baixa eficácia de ambas as citocinas restringem sobremaneira o seu uso na prática oncológica.

O impacto na sobrevida é questionável e usualmente o tratamento acaba por ser suspenso pelo elevado índice de efeitos colaterais. Adicionalmente, com o desenvolvimento dos inibidores de proteínas dos pontos de checagem imunológica, drogas estas muito mais eficazes, a tendência é que o emprego das citocinas fique cada vez mais restrito. 
 
A imunoterapia adotiva ou passiva consiste na transferência de células imunes ativadas em laboratório e com atividade antitumoral para um hospedeiro portador de tumor. Exemplos desse tipo de estratégia podemos citar a transferência adotiva de linfócitos "killer" (assassinos) ativados por linfocinas (LAK, lymphokine-activated killer).

Nesta abordagem, células linfóides oriundas do sangue periférico são obtidas de pacientes com câncer e subsequentemente ativadas e expandidas em laboratório mediante adição de interleucina 2. Em seguida, estas células são devolvidas ao paciente (em geral, acompanhadas da administração de doses elevadas de interleucina-2).

Como alternativa ao uso de linfócitos do sangue periférico, pode-se utilizar a transferência adotiva de células linfóides que infiltram tumores (TIL, tumor-infiltrating lymphocytes) isoladas de infiltrados inflamatórios de nódulos tumorais extraídos. Embora tenha havido um entusiasmo inicial, estudos controlados não confirmaram benefício terapêutico da imunoterapia adotiva no tratamento do câncer. 
 
As vacinas para o tratamento do ca%u0302ncer sa%u0303o a forma mais ativa de imunoterapia, porque agem especificamente em um tipo de tumor, estimulando assim o sistema imune a destruí-lo. Existem va%u0301rias formas de vacinas antitumorais, como ce%u0301lulas ou mesmo lisados tumorais, além de pepti%u0301deos derivados de anti%u0301genos tumorais associados ou não a células dendríticas.

Podem-se também utilizar modificac%u0327o%u0303es gene%u0301ticas das ce%u0301lulastumorais que as levem a expressar mole%u0301culas de membrana que estimulam os linfo%u0301citosT, ou secretem citocinas. O alvo do tratamento com vacinas antica%u0302ncer e%u0301 a indução de resposta imune antitumoral, o que pode propiciar assim a regressa%u0303o tumoral ou das meta%u0301stases.

Diferente da resposta da quimioterapia a qual resulta na ra%u0301pida morte celular, a resposta cli%u0301nica das vacinas depende do sistema imune levando, às vezes, va%u0301rios meses para ser obtida. Embora haja inúmeros estudos e ensaios clínicos utilizando vacinas variadas no tratamento de vários tipos de câncer, a única vacina comercialmente disponível (não no Brasil) é a Sipuleucel-T, que é uma vacina para tratamento do câncer de próstata avançado já resistente ao tratamento hormonal convencional.

Esta vacina é produzida individualmente, através de linfócitos retirados do sangue do paciente e expostos a uma proteína a partir de células cancerosas de próstata denominada fosfatase ácida prostática. Estas células são então devolvidas ao paciente por infusão endovenosa. Os resultados do tratamento, bem como os de otras vacinas em fase de teste são modestos.
 
Já os inibidores de proteínas dos pontos de checagem imunológica utilizam o próprio sistema imunológico do paciente para combater as células tumorais, aumentando a ativação e a proliferação da célula T, resultando assim em uma resposta antitumoral mais efetiva.

Em verdade, esta nova classe de imunoterapia desliga um complexo sistema de mascaramento imunológico que as células tumorais utilizam para não serem reconhecidas como invasoras pelo organismo, permitindo então que o sistema imune destrua estas células.

Duas classes destas inovadoras drogas já apresentam comprovação de substancial benefício terapêutico: o ipilumumabe, um anticorpo monoclonal que bloqueia um antígeno dos linfócitos T ativados, o CTLA-4 (antígeno 4 do linfócito T citotóxico), que é um inibidor natural da resposta imunológica e o grupo formado pelo nivolumabe e o pembrolizumabe, os quais também são anticorpos monoclonais, mas que por sua vez atuam bloqueando uma outra proteína de camuflagem utilizada pelas células tumorais para se "esconder" do sistema imunológico, a PD-1 (proteína programadora da morte celular), a qual se encontra presente na superfície dos linfócitos T e, se ativadas (e as células tumorais assim o fazem), provocam o "desligamento" de todo o sistema imunológico celular de combate a estas células malignas.

Atuando no bloqueio destas proteínas, esses medicamentos "religam" todo o sistema, permitindo assim o combate efetivo dos tumores pelo próprio organismo. Como essas medicações "reavivam" o sistema imune, efeitos colaterais relacionados a um fenômeno de "autoagressão" do sistema imunológico contra órgãos e tecidos do próprio organismo podem ser observados, como colite, nefrite, dermatite, tireiodite e hepatite. Por isso, o tratamento deve ser sempre administrado por um oncologista com experiência nesse tipo de terapêutica.