Genômica, IA e demografia irão impulsionar tratamento do câncer

A próxima década poderá ser divisor de águas no enfrentamento da doença

PDPics/Pixabay
(foto: PDPics/Pixabay)

Estamos entrando em uma década que pode finalmente levar ao controle efetivo, não apenas do câncer de mama, mas de muitos cânceres. E isso é incrivelmente empolgante! A "revolução genômica" e a "revolução do big data", através da inteligência artificial (IA), já começaram, mas farão avanços reais, afetando o tratamento de pacientes com câncer, especialmente porque o custo do sequenciamento genômico continua caindo conforme a tecnologia melhora.

Essa tendência permitirá que mais, senão todos, os pacientes com câncer se submetam a testes de painel para mutações patogênicas e sequenciamento de próxima geração. Além disso, a identificação de subpopulações menores de pacientes propícios a se beneficiarem de terapias direcionadas específicas se tornará cada vez mais frequente.

Mudanças evolutivas dinâmicas serão mapeadas em tempo real e ditarão a terapia. Nossas terapias no passado foram todas baseadas, em essência, em estudos populacionais. Mas, no futuro, se formos capazes de ver a evolução clonal de uma mutação específica que permite que um câncer escape, poderemos ser capazes de medir isso e intervir para impedir que o tumor cresça. Acho que isso será cada vez mais provável à medida que novos estudos forem realizados.

Muitos pesquisadores acreditam que, em até uma década, teremos um controle muito melhor sobre quais pacientes se beneficiam de quais medicamentos e que, de fato, teremos novas terapias para procurar essas áreas-alvo específicas.

Além disso, os médicos serão capazes de aproveitar as abordagens baseadas em IA para complementar os resultados de imagem, melhorar a interpretação dos dados dos pacientes e melhorar os modelos de previsão de câncer de mama.

Como exemplo, é possível citar o estudo de McKinney e colaboradores, que avaliou a capacidade de um sistema de IA prever o câncer de mama. Comparado com especialistas humanos, o sistema de AI produziu uma redução absoluta de 5,7% nos falsos positivos, nos Estados Unidos, e uma redução absoluta de 9,4% nos falsos negativos. O sistema superou todos os leitores humanos por uma margem absoluta de 11,5% em média.

Em sua forma mais básica, investigadores e médicos usarão o big data para melhorar o reconhecimento de padrões. Os especialistas esperam que a radiologia baseada em máquinas, a patologia e o planejamento de radiação sejam onipresentes em 2030.

As abordagens baseadas em IA irão direcionar cada vez mais todos os aspectos da terapia do câncer, e eu suspeito que irão fornecer suporte à decisão clínica em tempo real para médicos e pacientes.

Embora as primeiras tentativas de fazer isso, como o Watson da IBM, não tenham sido ainda particularmente bem-sucedidas, é apenas uma questão de tempo antes de vermos cada vez mais algo como esse trabalho.

Paralelamente, a demografia será melhor utilizada para remodelar o atendimento oncológico. Pela primeira vez na história dos Estados Unidos, estima-se que os americanos com 65 anos ou mais superem o número de crianças com 18 anos ou menos, até o ano de 2034, representando 23,4% e 19,8% da população, respectivamente.

Como resultado dessa mudança demográfica básica, a demanda por oncologistas continuará a crescer, porque haverá mais casos de câncer invasivo nos Estados Unidos e, certamente, em vários outros países populosos do mundo, como o Brasil.

Um estudo publicado pela American Society of Clinical Oncology observou que quase um quinto (19,7%) dos oncologistas estão se aproximando da idade de aposentadoria de 64 anos ou mais, e apenas 15,6% dos oncologistas estão no início de sua carreira aos 40 anos ou menos (N = 12.940).

À medida que a força de trabalho de oncologia e os prestadores de serviços auxiliares, como farmacêuticos, enfrentam uma escassez iminente, o número de sobreviventes do câncer tende a aumentar. Os pacientes com câncer de mama serão quase um quarto de todos os sobreviventes, o que corresponde a uma estimativa de aproximadamente 5 milhões de pessoas na próxima década.

Mas, em geral, a medicina não é muito boa em cuidar de sobreviventes de câncer. Não temos os mecanismos para dar atenção às necessidades especiais dos sobreviventes em longo prazo.

Consequências adicionais que são bloqueadas pela demografia incluem baixo número de oncologistas disponíveis, má distribuição de prestadores de cuidados e tensões financeiras que aumentam com cada novo medicamento aprovado.

É maravilhoso que tenhamos pelo menos três novos medicamentos a cada ano para o tratamento do câncer, mas todos eles são muito caros, tanto para o sistema de saúde quanto para os indivíduos. É necessário buscar formas de contornar esse cenário para democratizar os tratamentos de ponta.

*André Murad é oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. É diretor-executivo na clínica integrada Personal Oncologia de Precisão e Personalizada e diretor Científico no Grupo Brasileiro de Oncologia de Precisão: GBOP. Exerce a especialidade há 30 anos, e é um estudioso do câncer, de suas causas (carcinogênese), dos fatores genéticos ligados à sua incidência e das medidas para preveni-lo e diagnosticá-lo precocemente.

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