Tratamentos de precisão no enfrentamento do câncer de mama

Novas tecnologias identificam o perfil molecular, as mutações gênicas e a assinatura genética dos tumores permitindo a definição de melhores opções terapêuticas individuais

Basker Dhandapani/Pixabay
(foto: Basker Dhandapani/Pixabay )

Em minha última coluna, falei amplamente sobre a prevenção personalizada do câncer de mama, que considera os fatores de risco individuais a que uma mulher está exposta, assim como as informações genéticas presentes em seu DNA e que podem predispor ao desenvolvimento de algum tumor. Hoje, vou dar sequência ao tema abordando os avanços do tratamento oncológico do câncer de mama com o viés da personalização e precisão do tratamento.

A boa notícia é que houve, nos últimos anos, avanços fantásticos que mudaram o paradigma do tratamento oncológico em geral. Por outro lado, é necessário um esforço de toda a sociedade e de entidades da área para pressionar o poder público no sentido de disponibilizar essas tecnologias no Sistema Único de Saúde - SUS. Até mesmo na rede privada há necessidade de mais abertura, pois, parte das tecnologias e terapias ainda não estão cobertas pelos planos de saúde.

Voltando ao nosso foco, graças aos avanços da biologia molecular, especialmente com a utilização da imuno-histoquímica, do PCR (reação de polimerase em cadeia), do NGS (sequenciamento genético de próxima geração do DNA)  e da tecnologia de microarranjo, hoje conseguimos identificar o perfil molecular, as mutações gênicas e a assinatura genética dos tumores, classificando-os em subtipos moleculares, e atribuindo a eles um correto índice prognóstico e, consequentemente, as melhores opções terapêuticas, de forma individual. Chegamos, então, à fase da Oncologia Personalizada ou Customizada. Cada vez mais, as drogas são escolhidas baseando-se no perfil genético-molecular do tumor.


Como conhecer o perfil genético do tumor


Uma das ferramentas da nova oncologia é a chamada Biópsia Líquida, em que é possível extrair células tumorais circulantes do sangue periférico dos pacientes para estudar molecularmente os carcinomas. Isso permite o monitoramento do câncer, inclusive o câncer de mama, por meio de exames de sangue e, talvez, no futuro, a detecção superprecoce de tumores pequenos demais para serem percebidos pelos métodos de diagnóstico convencionais.

A estratégia é baseada na análise de pedaços de DNA que vazam dos tumores para a corrente sanguínea. Funciona como impressões digitais da doença, que os cientistas podem ler para extrair informações genéticas essenciais para a caracterização do tumor e a seleção do melhor tipo de tratamento.

Já na área cirúrgica, as cirurgias conservadoras da mama são sempre as preferidas, pela preservação do restante da estrutura mamária. Nos casos de tumores mais volumosos, podemos lançar mão de uma quimioterapia pré-operatória ou neoadjuvante, que pode produzir uma redução do tamanho do tumor e consequentemente, permitir, uma cirurgia conservadora.

Para os casos em que a cirurgia conservadora ou parcial não pode ser empregada, as técnicas de reconstrução, especialmente com próteses de silicone, estão cada vez mais adequadas esteticamente. A pesquisa e biópsia do linfonodo sentinela também foi um grande avanço, uma vez que elimina a cirurgia de dissecção da axila, evitando-se assim os problemas estéticos e o edema do braço secundário à remoção dos linfonodos axilares.

A radioterapia no tratamento complementar do câncer de mama tem se tornado cada vez mais precisa, eficiente e menos sujeita a riscos como queimaduras e danos coronários e pulmonares. Isso é possível graças às tecnologias de 3D, 4D (três dimensões ou quatro dimensões) e IMRT (intensidade modulada de feixes). Além disso, estudos demonstram que a radioterapia pode substituir com vantagens a dissecção da axila, se a mesma estiver com os linfonodos comprometidos pelo tumor. A radioterapia intra-operatória também tem sido empregada em casos selecionados, poupando a paciente de tratamentos prolongados da radioterapia convencional externa, pois é utilizada somente no ato da cirurgia.


Avanços no tratamento medicamentoso


Novos quimioterápicos e novos agentes hormonais, como os taxanes, a capecitabina, a gencitabina, a eribulina, os inibidores de aromatase, o fulvestranto e a combinação de inibidores de aromatase ou fulvestranto e inibidores de ciclinas (CDK4/6) trouxeram grandes avanços e melhorias nos resultados do tratamento do câncer de mama.

Além das drogas quimioterápicas e hormonais, que se modernizaram, se tornando mais eficientes e menos tóxicas, o tratamento do câncer de mama experimentou uma mudança de paradigma com o desenvolvimento e aplicação das chamadas drogas "alvo-moleculares" ou "alvo-específicas".

O câncer ocorre quando a célula tumoral sofre mutação genética nos genes responsáveis pelo controle da multiplicação celular e há, então, a produção de proteínas que estimulam seu crescimento e sua multiplicação desordenada. Os medicamentos de tecnologia alvo-molecular têm atuação mais direcionada, atacando especificamente as células alteradas. Eles identificam os genes doentes e suas proteínas e agem sobre eles, enquanto a quimioterapia convencional ataca células tumorais e as saudáveis também.

As drogas alvo-moleculares são mais específicas no combate às células tumorais. O trastuzumabe foi a primeira a ser lançado. Esse anticorpo monoclonal se liga à proteína HER2 que está super-expressa em 25 a 30% dos cânceres de mama, inibindo assim sua multiplicação e induzindo a morte programada dessas células malignas. Essa importante medicação já está disponível na rede pública brasileira.

Outra medicação com perfil semelhante é o Pertuzumabe, que é recomendado em associação ao trastuzumabe, para aumentar sua eficiência. Essas drogas são usualmente empregadas em conjunto com agentes quimioterápicos.

A droga TDM-1 (trastuzumabe emtansina) também é uma terapia anti-her2 e é utilizada nos casos de falha aos anti-her2 de primeira linha. O TDM-1 consegue prolongar a sobrevida e retardar a evolução da doença nessas pacientes, sem causar os efeitos colaterais típicos da quimioterapia. O TDM-1 é formado pela combinação do anticorpo monoclonal (produzido a partir de clones de uma única célula) trastuzumabe e pelo quimioterápico emtansina (DM-1).

Ao trastuzumabe cabe o papel de se ligar às células cancerígenas com o reagente HER2-positivo. Uma vez que esse primeiro passo é dado, o quimioterápico emtansina é, então, injetado para dentro da célula, eliminando-a pelo efeito conhecido como "Cavalo de Troia". Por isso, os efeitos colaterais são bem inferiores aos da quimioterapia tradicional. Em outras palavras, como o agente quimioterápico não ataca também as células saudáveis do organismo, problemas como baixa de glóbulos brancos, vômitos, queda de cabelo e diarreia são minimizados. Essa droga já está disponível no Brasil.

Outra estratégia interessante na terapia alvo-molecular que já é realidade e a utilização de um grupo de medicamentos classificados como inibidores da enzima PARP (poli ADP-ribose polimerase) para o tratamento de tumores avançados de mama que apresentem mutações nos genes BRCA1 e 2. Abordaremos esse assunto com mais detalhes futuramente em um outro artigo.

Mais recentemente, os imunoterápicos passaram a ser testados em câncer de mama e ganharam indicações associadas à quimioterapia, nos tumores avançados com o perfil triplo negativo (inclusive com aprovação no Brasil do atezolizumabe, que é um anti-PD L1).

Com tantos nomes de medicamentos, talvez não fique tão explicito o quanto todas essas novas terapias significam na prática para a qualidade de vida das pacientes. Mas, posso dizer – com o conhecimento técnico e prático de quem está há 32 anos na área oncológica – que essas novas abordagens correspondem a mais esperança, sobrevida e possibilidade de cura para as pacientes. Lutemos para que sejam direito de todas elas!

*André Murad é oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. É diretor-executivo na clínica integrada Personal Oncologia de Precisão e Personalizada e diretor Científico no Grupo Brasileiro de Oncologia de Precisão: GBOP. Exerce a especialidade há 30 anos, e é um estudioso do câncer, de suas causas (carcinogênese), dos fatores genéticos ligados à sua incidência e das medidas para preveni-lo e diagnosticá-lo precocemente.

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