É possível explicar a depressão?

Casos da doença que acomete mesmo pessoas ricas e famosas, como o humorista Whindersson Nunes, cresceram 18% nos últimos 10 anos; psicóloga comenta quadro

por Laura Valente 24/07/2019 10:00
Instagram/reprodução
Whindersson Nunes desabafou sobre depressão (foto: Instagram/reprodução)
 
O desabafo mais recente sobre a depressão é do humorista e youtuber Whindersson Nunes. Via Twitter, o piauiense postou: "Apesar de tudo de bom que vem acontecendo comigo, de tudo que já conquistei, me sinto há alguns anos triste".  Em tratamento, ele cancelou a agenda de shows até o mês de agosto e tem recebido a torcida e o apoio de fãs e familiares para dar a volta por cima.  

O quadro do youtuber, que tem 32,3 milhões de seguidores no Instagram, mostra que a depressão não escolhe faixa etária, sexo, condição financeira e nem popularidade para aparecer. Entre anônimos e celebridades, a doença não para de crescer. No showbiz, a lista de pessoas que revelaram em público ter passado pela depressão é enorme. Incluindo aí o padre Marcelo Rossi, as cantoras Adeli e Paula Fernandes, a multiartista Demi Lovato e o ator Selton Mello, entre outros.    
 
 
De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a quantidade de casos de depressão cresceu 18% em 10 anos. E a entidade faz uma previsão nada animadora: até 2020, acredita-se que a doença será a mais incapacitante do planeta

Aqui, Fabiana Cerqueira, psicóloga e psicanalista, mestre em psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e professora de psicopatologia e psicanálise do curso de graduação em psicologia pela Faculdade Ciências da Vida, esclarece alguns dados importantes sobre a depressão. Confira: 
 
Aquivo pessoal/divulgação
A psicóloga e psicanalista Fabiana Cerqueira (foto: Aquivo pessoal/divulgação)
 
 
Como a psicologia define um quadro de depressão?

Para a área da psicologia, a depressão é uma manifestação subjetiva do sujeito, que é caracterizada por uma tristeza profunda, desinteresse pelas atividades (desde as mais simples até as mais complexas), mesmo aquelas que antes eram prazerosas. 

A depressão causa alterações emocionais importantes e que influenciam diretamente na maneira com que o indivíduo lida com as pessoas e com o mundo. 

Aparentemente, a depressão não tem um motivo específico. É um estado de humor que se prolonga por dias, meses e até anos. E o trabalho de um psicólogo é resgatar a razão disso e colaborar para que o indivíduo procure saídas.

Em que medida é possível diferenciar depressão x tristeza?

É necessário e importante diferenciar a depressão da tristeza. Esta, geralmente, é transitória e está ligada a acontecimentos ou momentos difíceis e desagradáveis, porém é uma reação inerente à vida de qualquer pessoa. 

Essa diferenciação se faz ainda mais pertinente neste século 21, período em que percebemos que a depressão se tornou uma expressão do senso comum e ganhou as configurações do mal-estar da atualidade. Quando alguém está triste, é recorrente vermos que já se interpreta como uma depressão e isso é muito grave, pois patologizou-se algo que faz parte da natureza humana. Isso é resultado de um ideal da felicidade, que é uma marca da sociedade atual. Temos que lembrar que, se o indivíduo passa por uma perda significativa, é compreensível que fique triste. 
 
Daniel Pinheiro/divulgação
Padre Marcelo Rossi (foto: Daniel Pinheiro/divulgação)
 
 
Quais são os principais sintomas da depressão? 

São sintomas que abrangem tanto a esfera psíquica quanto a física: tristeza profunda e contínua, apatia, muita angústia, anedonia (incapacidade de sentir prazer), cansaço físico, insônia ou hiperinsônia, perda ou aumento de apetite e, consequentemente, alterações no peso, diminuição da libido, ideias negativas, dificuldade de concentrar-se. Sentimentos de culpa, baixa autoestima, incapacidade e vergonha. Em alguns casos, pode-se perceber ideias de morte, desejo de desaparecer, dormir para sempre, planos suicidas

Há causas para a depressão?

Geralmente, a depressão surge após um esgotamento físico e ou psicológico, alguma perda a qual a pessoa não encontra recursos para superar, vivências traumáticas (mesmo as infantis), consumos de drogas lícitas ou ilícitas e/ou de medicamentos. Até mesmo a situação econômica e política do país pode afetar o estado emocional de um indivíduo.
 
Porém, muitas vezes, não há uma causa aparente. Até porque a depressão é um quadro que apresenta evolução silenciosa em muitos casos, ou seja, não aparece de repente. 
Por isso, friso a importância de o indivíduo buscar a ajuda da psicologia para iniciar um tratamento. 

Poder falar disso em um lugar apropriado é poder investigar sua história e tratar questões que, muitas vezes, foram silenciadas. Chamamos a atenção para quem procura apenas o tratamento farmacológico. Os remédios, vendidos como soluções instantâneas, ajustam as substâncias do corpo, evidentemente, mas não tratam o problema psicológico. A tendência é de que, com o tempo, a doença possa se agravar e haja uma possível dependência de medicamentos. 

Na terapia, o psicólogo vai investigar o quadro de forma personalizada. Ou seja, para além dos sintomas universais e as evidências que se apresentam, o que tem da história do sujeito nisso? 

 
Recentemente, vimos o humorista e youtuber Whindersson Nunes falar que sofre de depressão. Um dos pontos abordados por ele foi a questão do dinheiro, explicitando que ter dinheiro não impede o sentimento de angústia e tristeza. Por favor, comente em que medida os problemas do cotidiano influenciam ou não em um quadro de depressão.

Atualmente, vivemos numa sociedade em que as subjetividades estão centradas em um vínculo fundamentalmente narcísico. As exigências estéticas e performáticas ficaram intrínsecas no nosso modo de viver.  Isso é atrelado à lógica do consumo e da aquisição financeira, que toma grandes proporções nas relações pessoais e nos princípios éticos de maneira geral. Essa busca por se enquadrar nos padrões traz consequências para a construção das identidades dos sujeitos. 

Nessa cultura marcada pelo narcisismo, as pessoas se veem às voltas em estabelecer elos mediante ao que é produzido nas ralações de consumo, do que se adquire tanto materialmente quanto culturalmente. O outro surge para confirmar isso ou não, o que pode ser devastador. Faz-nos crer que as pessoas necessitem, então, do olhar do outro para validação de sua identidade e isso nos aproxima de uma cultura da performance e do espetáculo. Vivemos, assim, imersos num império da imagem. A imagem passa a ser uma ponte para as relações sociais e, no âmbito do consumo, as mercadorias se tornam objetos ilusórios de poder. Não é isso que vemos nas redes sociais?

Assim, a possibilidade de reconhecimento fica atrelada ao ter e não ao ser. Entretanto, trata-se de um ideal que não existe e não se sustenta, é vazio.

 No caso do Whindersson, ele teve tudo que se espera de alguém que vai tentar algo na internet: seguidores, fama, dinheiro, reconhecimento... mas, acredito, podemos pensar que é tudo pautado num grande espetáculo, que pode ter deixado de lado sua realidade. Nisso, o sujeito se perde. Essa validação não faz sentido. E daí pode-se evoluir para um quadro de depressão. A depressão tem um lugar paradigmático nisso, pois ela é justamente o contrário. Há um embotamento do sujeito. Ela é um avesso do ideal de nossa sociedade.
 
Outro ponto importante a ser destacado é o ideal de felicidade. A contemporaneidade traz essa marca. Ser feliz é quase uma obrigação... e, consequentemente, quando a tristeza surge, parece que algo está muito errado. Como se uma sirene tocasse. Esquecemos que ficar triste diante de algum acontecimento desagradável ou uma fase mais difícil faz parte da natureza humana
 
SeaWorld Parks/divulgação
Paula Fernandes venceu a depressão (foto: SeaWorld Parks/divulgação)
 
 
Vivemos a era da Revolução Digital, exposição em redes sociais, haters.... em que medida as novas tecnologias influenciam na explosão da depressão?

A revolução digital trouxe a explosão de um tipo de individualidade narcísica: esperamos a validação do outro para construirmos algo de nossa identidade. Li em algum lugar assim: o sujeito passou a ser cidadão do mundo e, por isso, não é identificado a ninguém e a lugar nenhum. Isso deixa as relações intersubjetivas frágeis e vazias. Na internet vemos o “show do eu” e acompanhado a isso uma “cultura da simulação”. 

A internet possibilita um certo conforto, em que a realidade com suas complexidades e contingências, especialmente das relações humanas, ficam “amenas”, artificiais. Os ambientes passam a ser controlados muito longe do que a vida nos exige, não é verdade? O resultado disso são pessoas despreparadas para situações complexas da vida cotidiana e acostumados a vivências mais empobrecidas. As tecnologias podem estar diminuindo aquilo que nos marca como humanos. E um dos antídotos para isso é passar a investir cada vez mais nas relações pessoais, uns com os outros. 

Por fim, quais são as medidas indicadas para combater a doença?
Cuidar-se! Não é apenas do corpo físico. Mas de nossa saúde emocional também. Fazer coisas de que se gosta e priorizar isso na rotina; não ignorar sinais de tristeza que são persistentes; se permitir ficar triste.. e procurar fazer terapia não só com o objetivo de sanar algum problema imediato, mas para cuidar-se, saber lidar com suas limitações, suas frustrações. 

Quais dicas você dá para que pacientes e ou familiares lidem com a depressão?
O paciente deve procurar ajuda profissional, tanto com um psicólogo quanto com um psiquiatra, para avaliação. Os familiares devem sempre estar por perto e não banalizar o que a pessoa está vivendo. Ficar atento a essas situações é fundamental.