Fibras óticas permitem a cirurgiões enxergar, em tempo real, coração com arritmia

Ultrassom em miniatura ajuda também em outros procedimentos

por Victor Correia* 23/12/2017 13:37
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Um dos principais tratamentos para a fibrilação atrial, a forma de arritmia mais comum, é o procedimento em que se utiliza uma agulha para perfurar o coração e destruir a parte do tecido em que as células deixaram de funcionar em sincronia. Algumas versões dessa intervenção médica dependem da visão em tempo real do interior do órgão. Por isso, além da agulha, insere-se um cateter no paciente. O equipamento, porém, é muito caro e deve ser descartado após a cirurgia, o que aumenta ainda mais o custo da cirurgia.

Em busca de aperfeiçoar esses processos, pesquisadores da University College of London, no Reino Unido, criaram uma forma de ultrassom que pode ser miniaturizada o suficiente para caber na ponta de uma agulha, fornecendo uma visão em tempo real e com ótima resolução aos cirurgiões cardíacos. O aparelho é tão sensível que tem resolução de 64 micrômetros, o equivalente a nove glóbulos vermelhos, além de “enxergar” em uma profundidade de até 2,5 centímetros.

Estudo publicado, neste mês, na revista Light: Science & Applications, os criadores mostraram a eficiência do sistema no coração de porcos, realizando o mesmo procedimento para o tratamento da fibrilação atrial em humanos. Segundo os pesquisadores, a agulha com ultrassom pode diminuir as chances de complicações durante o tratamento, pois permite aos cirurgiões identificar exatamente qual o tipo de tecido está à frente do aparelho.

“No momento, ultrassons são gerados usando componentes eletrônicos que se tornam menos sensíveis quando são miniaturizados”, afirma Malcolm Finlay, cardiologista e principal autor do estudo. “Além disso, com agulhas, pode ser difícil e caro criar conexões eletrônicas robustas. Descobrimos que as fibras óticas, que foram altamente refinadas para o uso em conexões de internet, são muito boas para transmitir e receber ultrassons”, completa.

A estrutura da agulha utilizada na nova solução é exatamente igual à de uma agulha comum para cirurgias cardíacas. Porém, os pesquisadores passaram duas fibras óticas por dentro dela, sendo uma emissora e outra receptora de ultrassons. A emissora é revestida por um material, também criado pelos cientistas, feito de nanotubos de carbono. Quando a fibra emite um curto pulso de luz, o revestimento o absorve e o transforma em ondas ultrassônicas, que são emitidas pela frente da agulha.

Essas ondas são refletidas pelo tecido e absorvidas pela fibra receptora, uma outra inovação criada pelos pesquisadores muito mais sensível do que as convencionais. “É uma nova tecnologia para gerar imagens de ultrassom, o sinal é gerado por outro princípio. Isso, de fato, permite a miniaturização e o uso em cenários que não eram possíveis antes, o que é um grande ganho”, avalia Fernando Sales, professor do Departamento de Engenharia Biomédica da Universidade Federal de Pernambuco.

O professor acredita que a nova tecnologia possa ser incorporada a outros procedimentos médicos. “O ultrassom é muito interessante, porque permite captar informações sobre o tecido in loco. Você já tem algumas modalidades invasivas, como o ultrassom intracoronário, mas precisa passá-lo por dentro das veias. Essa nova versão é pouco invasiva. Você só precisa fazer uma pequena perfuração perto do coração”, compara.

Segundo Finlay, ele e os colegas têm projetos de pesquisa em andamento buscando o uso da solução dentro de outras partes do corpo. “Por exemplo, no cérebro ou em intervenções realizadas dentro do útero. A tecnologia é muito adaptável”, afirma. A versão da agulha já testada pelo grupo, porém,  é específica para o tratamento da fibrilação atrial (*). O procedimento envolve a inserção da agulha no coração e a perfuração do septo interatrial, uma parede muscular que separa os átrios direito e esquerdo do órgão. Finlay destaca que essa é a parte mais delicada da cirurgia.

“A agulha pode perfurar acidentalmente a parede cardíaca, causando um sangramento que pode ameaçar a vida do paciente”, explica. “Apesar de essa condição poder ser tratada de forma eficaz com um dreno, o procedimento geralmente precisa ser abandonado, o paciente tem de ficar no hospital por vários dias e isso pode ser muito doloroso. Além do mais, ele tem de voltar para uma segunda tentativa de resolver o problema inicial.”

Alternativas
Henrique Maia, cardiologista do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, e membro titular da Sociedade Brasileira de Cardiologia, ressalta que existem várias técnicas para fazer esse procedimento, e nem todas elas demandam o uso de ultrassom. “Não o utilizamos. Congelamos o local da arritmia com nitrogênio líquido. É outro caminho que utilizamos para aumentar a segurança”, diz.

Segundo o médico, principalmente em hospitais norte-americanos, são utilizados o cateter e a agulha dentro do coração para que possa ser feito também um ecocardiograma, além de aumentar a visão dos cirurgiões. Esse método, porém, encarece o tratamento. “O preço desse cateter chega a R$ 20 mil. A pesquisa atual pega o próprio cateter usado para queimar o tecido e passa uma fibra ótica por dentro dele. Ela resolve uma série de problemas que temos para tratar pacientes com fibrilação atrial”, avalia.

Maia diz ainda que, apesar de a tecnologia ser muito promissora, é preciso lembrar que os criadores estão nos estágios iniciais de desenvolvimento dela. “Ainda deve demorar de cinco a seis anos para o uso clínico. Existem diversas etapas de testes que devem ser feitas antes da utilização do dispositivo. Às vezes, você descobre nessas etapas algum viés que não tinha visto, ou até mesmo que o aparelho causa mais danos do que cura.”

Finlay também ressalta a necessidade de outros testes. “O estudo realmente prova a tecnologia em um ambiente extremamente parecido com o uso clínico, mas, para explorar o seu potencial clínico, ainda é necessário um primeiro estudo em humanos. Além disso, o dispositivo usado está na sua primeira iteração e melhorará muito até que chegue ao uso em pacientes. Estamos nos movendo o mais rápido possível para torná-la disponível.”

(*) Eficiência comprometida

Ocorre quando os átrios, as câmaras superiores do coração, perdem a sincronia dos seus batimentos e se contraem mais rápido do que o normal. Isso faz com que a eficiência do órgão, ao bombear o sangue, diminua, levando à fraqueza e a uma sensação desagradável no peito. A condição, porém, pode se tornar perigosa e é uma das principais causas de acidente vascular cerebral, o popular derrame.

Teia de aranha pode melhorar aparelhos auditivos


Dentro do ouvido humano existe uma membrana chamada tímpano que, como um tambor, detecta os sons por meio de variações de pressão. Mas há outras formas de ouvir. Grande parte dos insetos, por exemplo, utiliza os pelos, que são sensíveis a mudanças na velocidade do ar. Pensando nisso, pesquisadores da Universidade Binghamton, de Nova York, nos Estados Unidos, criaram um microfone feito de teias de aranha, um material fino o suficiente para detectar variações muito pequenas na atmosfera e, por isso, captar sons dificilmente acessíveis. Segundo a equipe, a solução poderá ajudar na criação de aparelhos auditivos mais sensíveis e eficientes.

O sistema, detalhado recentemente na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (Pnas), consegue operar com boa sensibilidade em uma grande variedade de frequências. “O microfone de teia de aranha funciona porque as forças viscosas no ar fazem com que a seda se mova da mesma forma que o ar, enquanto ela oscila para frente e para trás em um campo sonoro”, explica Ronald Miles, um dos autores do estudo. “Mostramos que, se uma fibra tem menos de meio micrômetro de diâmetro, ela se moverá exatamente como o ar e, portanto, pode ser uma forma ideal de se detectarem sons ou qualquer movimento na atmosfera”, completa.

O aparelho é surpreendentemente simples. Para transformar os sons em sinais eletrônicos, os pesquisadores cobriram o fio de seda com ouro e o colocaram em um campo magnético. Mesmo assim, ele consegue superar os microfones atuais em alguns quesitos. “Mostramos que nosso microfone pode detectar sons em um leque de frequências muito amplo — de 1Hz até 50kHz  (a capacidade humana varia de 20Hz a 20kHz — e a sua sensitividade é a mesma em todas elas. Os microfones existentes não conseguem fazer isso”, compara Miles. “Também mostramos que ele tem uma excelente resposta direcional nesse leque, o que não é possível com os aparelhos atuais.”

Com essas propriedades, o microfone consegue captar até infrassons, como os produzidos durante alguns terremotos. Sua capacidade direcional ainda permite que ele capte apenas os sons vindos de uma direção específica, o que é útil para aparelhos auditivos e para a gravação de vozes, por exemplo. “Mostramos que uma fibra fina, como a teia de aranha, pode ser usada para fazer um microfone. Um dos nossos próximos passos é refinar o projeto para criar um microfone pequeno, como os utilizados em aparelhos auditivos e celulares”, adianta o pesquisador. (VC)

* Estagiário sob a supervisão da subeditora Carmen Souza