Educadores, alunos e professores questionam métodos tradicionais de avaliação

Cada vez mais pessoas defendem que há distintas métricas para identificar talentos dos estudantes

por Renata Rusky 17/11/2016 13:30
Minervino Junior/CB/D.A Press
A prova, forma mais tradicional de avaliação, foca muito no resultado e pouco em desenvolver o potencial individual de cada aluno (foto: Minervino Junior/CB/D.A Press)
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, não define para as escolas o método de avaliação a ser usado. A maioria delas opta por um esquema mais tradicional: conceito, teste e prova. Cada um com um peso na nota final. Esse modelo, porém, vem sendo questionado por educadores, pais e até por alunos. Muitas escolas já adotaram a sua própria forma de verificação de aprendizado, incluindo na nota final outros projetos e trabalhos. Algumas escolas, inclusive, evitam a pontuação de zero a 10.

Para a neurocientista da educação Kátia Chadid, a forma mais tradicional foca muito no resultado e pouco em desenvolver o potencial individual de cada aluno. “É triste rotular uma criança com uma nota. É como dizer que ele não pode mais que aquilo. E o estudante pode ter outro tipo de inteligência. Claro que tem que saber escrever, mesmo que seja melhor em exatas, mas existe um equilíbrio, e é preciso investir mais naquilo em que o aluno é melhor”, defende.

Trabalhar com projetos em grupo, por exemplo, segundo ela, seria uma forma boa de treinar e aperfeiçoar as competências. A criança com mais habilidade em matemática vai tomar conta da parte do projeto que envolva tal disciplina, vai ajudar e ensinar os colegas. Com isso todos aprenderão juntos, possivelmente, melhor do que se fosse com um adulto lecionando, burocraticamente, em sala de aula.

Da mesma forma, o estudante com mais facilidade em comunicação vai aprender matemática com o colega, desenvolver mais o talento e ajudar quem tem mais dificuldade na língua escrita ou oral. O esquema, além de fortalecer o processo de aprendizado, desenvolveria nas crianças sentimentos como empatia e solidariedade.

Arquivo Pessoal
A única prova que Sofia Lipai fez foi a Prova Brasil, aplicada pelo MEC. O resultado foi excelente. (foto: Arquivo Pessoal )
Eneida Lipai, bióloga, 40 anos, é mãe de Sofia, 8. Desde que a menina nasceu, pretendia colocá-la em uma escola menos tradicional, que não focasse só no aprendizado de letras e números. “Queríamos um espaço em que ela pudesse ser criança, brincar, e, ao mesmo tempo, trabalhasse a autonomia dela”, justifica. Por indicação de colegas, encontrou a escola ideal. Logo, a presença um professor do sexo masculino — tão incomum na maioria das escolas, a não ser nas aulas de educação física —, e o fato de os alunos chamarem os professores pelo nome, em vez de “tia” e “tio” chamaram a atenção. “É uma relação diferente, sem essa ilusão de família que acaba deturpando o trabalho dos profissionais”, explica.

Felizmente, os pontos positivos extrapolaram os já notados nas primeiras impressões. Todos na escola se abaixavam para conversar com os alunos, que eram ouvidos e as opiniões, respeitadas. As atividades eram desenvolvidas com todos os alunos e as regras eram acertadas por eles, como combinados, em vez de normas que vinha “sabe-se lá de onde e sabe-se lá o porquê.”

As avaliações de Sofia e de seus colegas não eram feitas por meio de provas, mas pela observação dos educadores, atentos ao ponto inicial de cada um e ao ponto aonde chegaram no fim do ano. Dessa forma, respeita-se o desenvolvimento de cada criança, não se compara uma com outra e o ponto de chegada passa a ser uma conquista individual. “Não tinha essa de ‘já tem x anos, já sabe fazer tal coisa’”, comenta Eneida.

"Queríamos um espaço em que ela pudesse ser criança, brincar, e, ao mesmo tempo, trabalhasse a autonomia dela" - Eneida Lipai, bióloga, 40 anos, é mãe da Sofia, 8 anos



Exemplo a seguir
Estava tudo bem, até que Sofia precisou mudar de escola porque ia para uma série não disponível em sua primeira escola. Muita pesquisa e Eneida resolveu matriculá-la em colégio público da SQN 115, que está, atualmente, passando por um processo de mudança metodológica. Pelo menos por enquanto, nem todos os professores são obrigados a adotar as novas regras, mas Sofia está na sala de uma professora engajada na causa. “Ela até hoje não sabe direito o que é fazer uma prova tradicional. A única que fez foi a Prova Brasil do 2º ano, usada para o cálculo do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, e foi bem”, conta a mãe.

Segundo Marta Caldas, diretora da Escola Classe 115 Norte, trata-se de uma quebra de paradigma que deve acontecer aos poucos. “Todos nós passamos por essa escola tradicional, então, gradativamente, nos adaptamos ao novo”, explica. De acordo com ela, a mudança é importante porque o que mais se vê, hoje, são crianças que vão à escola sem saber a razão, sem motivação. Só vão por obrigação. “Precisamos dar significado à aprendizagem, fazer com que queiram aprender”, acredita.

Para ela, as avaliações ainda são importantes como diagnóstico, no momento em que um aluno entra na escola, para identificar os conhecimentos dele e o que precisa melhorar, e, assim, acompanhar suas conquistas. “Não é para medir e comparar os estudantes, mas para ver onde se está e aonde se quer chegar.” A expectativa dela é que se dê tanta autonomia aos alunos que, um dia, eles próprios poderão dizer: “Já sei tudo. Quero fazer uma prova”.

No Instituto Alpha Lumen, organização não governamental focada no ensino de crianças e jovens com altas habilidades, as avaliações têm formatos diversificados. Além das provas e testes, necessárias caso o aluno pretenda prestar um vestibular, há fóruns de debates, produção de documentários e trabalhos diversos. “Partimos do princípio de que aprendizado não é só conteúdo e não dá para avaliarmos as crianças só por isso”, explica Nuricel Villalonga Aguilera, fundadora e diretora da instituição.

Mesmo entre os “geninhos”, segundo ela, nem todos os estudantes são acadêmicos e analíticos, então é preciso abrir espaço para outras verificações. Usar só uma delas tolhe quem tem outras competências. “O tradicional não precisa ser descartado. Muitas coisas funcionam, mas há outras que precisam mudar. Escolas com muitos estudantes, todos enfileirados, não fomenta o debate, a discussão. Como se espera que o aluno, que tem que ficar quieto toda a vida escolar, vire depois um empreendedor, um protagonista? Temos que respeitar a individualidade de cada estudante, entendê-lo e criar estratégias específicas para ele”, explica.