Mulheres que superaram o câncer de mama compartilham suas histórias para encorajar luta

Outubro é considerado o mês "rosa" por, anualmente, conscientizar sobre o tumor que atinge mulheres e homens e, se detectado no início, tem 90% de chances de cura. Para mostrar esses casos, o Saúde Plena compartilha histórias de sucesso contra a doença

por Sandra Kiefer 09/10/2016 08:11
Ramon Lisboa/EM/DA Press
Daniella transformou a luta e desafios num programa de vídeo na internet (foto: Ramon Lisboa/EM/DA Press)
Uma em cada quatro mulheres no mundo está lidando, neste momento, com o diagnóstico do câncer de mama. Aos poucos, elas tomam coragem para se abrir e contar detalhes sobre suas jornadas de superação, agora que esse tipo de neoplasia entrou para o rol das doenças tecnicamente curáveis, junto do câncer de cólon, com mais de 90% de chance de cura se detectados no estágio inicial. Campanhas como o Outubro Rosa ajudam as pacientes a falar sobre seus casos, como a apresentadora de TV Daniella Zupo, que apresenta suas impressões sobre o que chama de travessia no deserto, em uma série divulgada este mês pela internet.


É o momento de conferir também os depoimentos de superação pessoal das Vitoriosas, patrocinadas por uma empresa de aviação, bem como os delicados diálogos trocados pelo Pérolas de Minas. Na jornada contra o câncer de mama, cada uma das mulheres recebe uma pulseira artesanal, fabricada pelas próprias mulheres do grupo, a partir de contas, fitas, doação e um toque de carinho. A inspiração veio da frase do escritor Rubem Alves, que disse: “Uma ostra que não foi ferida não produz pérolas”.

Segundo o oncologista André Márcio Murad, pesquisador e professor coordenador do Serviço de Oncologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais e diretor clínico da Personal Oncologia de Precisão, a incidência do câncer de mama em mulheres de 25 a 39 anos nos Estados Unidos aumentou nos últimos 30 anos. Segundo estudo publicado recentemente na revista da Associação Médica Americana, os casos nessa faixa etária saltaram de 1,53 por 100 mil habitantes em 1976 para 2,9 por 100 mil habitantes em 2009. Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), a mesma tendência tem sido verificada nos casos de câncer de mama das mulheres brasileiras: o número de casos em mulheres abaixo dos 40 anos também dobrou nos últimos 30 anos.

obesidade e sedentarismo “Este aumento se deve à melhoria e melhor abrangência e acessibilidade dos métodos de diagnóstico do câncer de mama, mas principalmente à mudança dos hábitos de vida das mulheres, que têm se tornado cada vez mais obesas e sedentárias, se alimentado casa vez mais de forma inadequada e ingerindo cada vez mais bebidas alcoólicas”, compara André Murad. 

Em resumo, os quatro pilares que justificam esse aumento na incidência do câncer de mama em mulheres cada vez mais jovens então são: obesidade, sedentarismo, dieta pouco saudável e consumo crescente de bebidas alcoólicas. "Além disso, as mulheres têm cada vez menos filhos, e em idade acima dos 30 anos, o que aumenta sua exposição ao estrógeno produzido pelos ovários", completa o médico.

Para descrever a jornada das mulheres contra o câncer de mama no entardecer do Outubro Rosa é desnecessário florear o texto. A realidade se impõe, com toda delicadeza e força. Basta dizer que, ao pisar na casa da apresentadora licenciada de uma rede de tevê mineira Daniela Zupo, de 44 anos, a equipe do Estado de Minas é recebida por um tapete natural de flores, lançadas pelo ipê da casa onde ela mora com a família em Nova Lima, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. “Vejam vocês que esse ipê nunca tinha florido antes. Eu mesma o plantei, há uns cinco anos. Cheguei a questionar se não tinham me vendido a muda errada”, diz Daniela, que parece mais leve agora, com os cabelos bem curtos e o vestido esvoaçante. As alças criam a moldura perfeita para encaixar o cordão do budismo e o símbolo do Divino Espírito Santo.

Ramon Lisboa/EM/DA Press
Daniela Zupo, de 44 anos, curtindo a filha Maria, de 10, no quintal de sua casa (foto: Ramon Lisboa/EM/DA Press)
Primeiro, foi preciso ocorrer a passagem de alguns anos. Quando Daniela já havia se esquecido do ipê, concentrando-se em entender o diagnóstico de um agressivo câncer de mama, a árvore explodiu em flores. De que cor vieram as pétalas? Qualquer semelhança com a vida real não se trata de coincidência. Do mesmo tom rosa, feminino, que empresta seu charme aos laços que alertam para a prevenção dessa doença que mais mata mulheres no mundo, mas que, se detectada no início, tem praticamente 100% de chance de cura. “Quando soube, comecei a gravar umas cenas para mim mesma e poderiam servir de referência no futuro para minha filha, Maria, de 10 anos. Queria desabafar, mostrar o subjetivo do que se esconde atrás das estatísticas do câncer de mama, dos procedimentos a serem tomados para combater o tumor”, conta.


Depois de 11 meses de tratamento e já mais segura do prognóstico positivo, Daniela decidiu transformar a própria história na série televisiva Diário de um câncer, ofertada de maneira gratuita pela internet. Os vídeos entram no ar toda quinta-feira, durante o Outubro Rosa. Com seu projeto, ela se permitiu abrir para o mundo, expondo o desabrochar da doença, sem medos. “Apesar de viver da minha imagem na tevê, sou (era?) uma pessoa reservada, daquelas que não contam nem para a mãe os problemas domésticos. Nesse trabalho, me entreguei espontaneamente para o mundo e estou surpresa com o resultado. Em troca, tenho recebido um sentimento de gratidão na mesma frequência ou até maior do que a que enviei”, diz a apresentadora, que está sendo assistida por cerca de 3 mil pessoas na internet.

PAUSA NA CORRERIA No primeiro capítulo, ela conta sobre os caminhos da doença que a fez, finalmente, dar uma pausa na correria cotidiana. A grande força veio do amor incondicional do marido e de Maria. Desde o primeiro segundo, a filha confiou na total recuperação da mãe. “Gostei do documentário, que tem umas partes felizes. Minha mãe é uma pessoa muito corajosa”, elogia Maria, enquanto desliza para cá e para lá no balanço, na varanda em frente da casa. Em troca do comentário, a menina ganha um abraço apertado da mãe. “É um abraço daqueles de chorar? Não, né filha... Nosso abraço é de rir”, comenta a mulher, curtindo a filha como nunca.

É hora de ir embora, de voltar para o trânsito engarrafado da cidade grande. Depois de aceitar o café coado servido na xícara azul, dá tempo de observar a exuberante buganviília, que jorra um rosa bem escuro, quase vinho. Em tom de confissão, Daniela conta, por último, que extraiu parte de uma das mamas, perdeu os longos cabelos e que o colo está um pouco vermelho, queimado pelo efeito da químio e da radioterapia. “É por isso que muita gente fala na batalha contra o câncer. Há um real bombardeio de química contra as células doentes. O tratamento é uma guerra, que exige forças para você reagir. Mas gosto mais de dizer sobre a minha jornada, minha travessia no deserto, um lugar de desorientação e calor intenso, onde só há areia para todo lado onde se olha. Parece tudo igual. Você só irá encontrar os sinais se tiver fé. Só assim vai encontrar a saída”.

Fatores de risco

» Ser do sexo feminino (em 1% dos casos a doença pode acometer homens);
» Ter acima de 40 anos, sendo que o risco aumenta progressivamente a partir dos 50, sendo a maior incidência entre os 50 e os 60 anos;
» Cerca de 5% de todos os casos estão relacionados a mutação genéticas familiares (genes BRCA-1 e BRCA-2), sendo que as mulheres devem se preocupar se duas ou mais parentes de primeiro grau (tias ou irmãs) tiveram a doença ainda jovens, ou seja, antes de chegar na menopausa;
» Mesmo que não haja histórico de mutação genética familiar, se a paciente é diagnosticada com idade inferior a 35 anos, ela deve ser encaminhada para avaliação genética, pois pode ter mutação de BRCA, que poderá ser herdada ou adquirida;
» O aumento de casos em pacientes mais jovens chama a atenção em consequência de alterações da vida moderna, que tornam a mulher mais exposta à ação do estrogênio: ela passa por menos gestações, têm filhos mais tarde e os amamenta por menos tempo;
» Começar a menstruar cedo e entrar na menopausa tarde também aumenta a exposição ao hormônio feminino, aumentando consequentemente o risco;
» A obesidade, em qualquer fase da vida, também interfere nos níveis hormonais e deve ser um ponto de atenção.

arquivo pessoal
Integrantes do Pérolas de Minas, grupo criado para alertar sobre o aumento da incidência da doença em mulheres jovens (foto: arquivo pessoal)


Formado por mulheres que passaram ou estão vivenciando o tratamento do câncer de mama, o Pérolas de Minas começou por meio de um grupo fechado no Facebook e hoje conta com a participação de centenas de mulheres. “Depois de visitar uma conhecida por 20 minutos, todas as vezes que ela se dirigia à clínica para fazer o tratamento recebia a mensagem de que eu havia sido um anjo e ajudado a salvar a vida daquela pessoa. Sinto que a vitória é nossa”, diz a advogada Ana Carolina Calabro, de 41 anos, uma das fundadoras do grupo, que passou a levar dentro da bolsa as chamadas pulseiras solidárias, que são oferecidas às pacientes para lhes lembrar que a doadora já superou a doença.

Criado em 2015, o grupo quer chamar a atenção da sociedade para a incidência cada vez maior da doença em mulheres jovens, como Ana Carolina, que teve o câncer de mama aos 36, então na melhor fase da profissão, consolidando o casamento ou decidindo ter filhos. “Minha vida parou quando eu acabava de me formar em direito e estava estudando para o exame da Ordem (OAB)”, lembra ela, obrigada a repensar suas prioridades. “Depois do aprendizado com a doença, sentimos que faltava apoio e conscientização sobre a prevenção do câncer”, conta a administradora Maria Luíza Oliveira, que já vivenciou a doença quatro vezes e sonha com a abertura de uma casa de apoio para as pacientes. Ela também participa da coordenação do Pérolas de Minas, com a culinarista Denise Paiva, a professora Mary Romeros e a jornalista Kátia Soares.

Para mulheres a partir dos 40 anos, fazer a mamografia ainda é a melhor maneira de prevenir a instalação do câncer de mama no organismo, com a detecção precoce do tumor. A recomendação médica é de que o exame seja feito todo ano até por volta dos 70 ou 75 anos, fase em que as glândulas mamárias tornam-se menos densas, dependendo do histórico de cada paciente. “Ainda ocorre, com frequência maior do que eu gostaria, de receber mulheres já no estágio avançado da doença. Algumas têm vergonha do seu corpo e não se olham no espelho. Só de apalpar a mama dá para sentir a massa do tumor”, alerta Carolina Martins Vieira, oncologista do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC/UFMG), que atendeu exatamente uma paciente nesse estágio, proveniente do interior mineiro.

Vitória diante do inesperado

Noemi Cunha/Divulgação
Marly Vilela Silva (C) é uma das vitoriosas e divulga nos voos da Azul informações sobre a doença (foto: Noemi Cunha/Divulgação)


Na qualidade de vitoriosa, a paciente Marly Vilela Silva, de 41 anos, moradora de Montes Claros, no Norte de Minas, embarcou em uma missão nesta última semana, paramentada de cor-de-rosa em uma aeronave da mesma tonalidade, a convite de uma empresa de aviação que apoia a causa da campanha contra o câncer de mama. “Emociono-me ao falar sobre a doença porque minha vida está muito melhor do que antes. Passei a dar valor a cada detalhe, recuperei a autoestima e a vontade de viver. É muita vitória”, afirma a mulher, uma das escolhidas para participar do time das Vitoriosas, encarregadas de prestar o próprio depoimento a quem enfrenta uma crise semelhante.

Marly não foi eleita para participar do grupo à toa. Um mês após completar 40 anos, em março do ano passado, ela descobriu o diagnóstico já na primeira mamografia, em regime de mutirão da Associação Presente Padre Tiãozinho, que beneficiou mais de 7 mil pessoas no Norte de Minas. “Estava sentindo uma retração na mama direita, como se fosse na glândula mamária, o que era estranho porque meus filhos estão crescidos”, conta a mãe de Míriam e de Iago, de 24 e 14 anos. Por estar desconfiada, nem comemorou direito o aniversário. “Mainha, não me vá morrer, viu?”, protestou o filho adolescente.

Além de jurar que viveria, e muito, com sua melhor convicção, Marly encarou o tratamento, que constou da retirada do nódulo em estágio mais avançado, exigindo o esvaziamento das axilas e inúmeras sessões de químio e radioterapia. “Deus não só cuidou de mim, como me carregou no colo. Nem dor eu senti nas sessões. É isso que quero contar a todas as mulheres que recebem o diagnóstico. Elas devem levantar a cabeça e confiar que vai dar tudo certo”, afirma Marly, demonstrando gratidão ao apoio de parentes e amigos. “Sei que a maior parte das pessoas esconde o câncer, por receio do que os outros vão dizer ou pensar, mas eu só tenho a agradecer.”

Instituto Mário Penna/Divulgação
Kerstin Kapp Rangel, mastologista do Instituto Mário Penna (foto: Instituto Mário Penna/Divulgação)
Quando se sentiu mais vulnerável com a perda dos cabelos, em função do efeito das radiações, Marly recebeu nova ajuda. Primeiro, contou com a discrição do genro, encarregado de passar a máquina zero e eliminar as mechas ainda restantes. Na mesma hora, a paciente improvisou um lenço ao redor da cabeça. “Alguns dias depois, a entidade me cedeu a peruca mais linda, feita de cabelos naturais. Gostei do resultado do corte mais curto e acho que vou manter assim”, diz a moça, comemorando o surgimento de cerca de dois centímetros de fios, desta vez originais.


“A missão da Azul é que as pessoas conheçam e falem sobre uma das doenças que mais vitimam mulheres no mundo. Nossa cultura de estar próximo a pessoas é uma excelente oportunidade para que possamos fazer a diferença na sociedade”, destaca Claudia Fernandes, diretora de Marketing e Comunicação da Azul Linhas Aéreas Brasileiras, há sete anos apoiadora do Outubro Rosa. Em parceria com a Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Fenama), a empresa levou mulheres que venceram o câncer de mama para 10 aeroportos do Brasil.

Antes da decolagem, Marly e as outras Vitoriosas fizeram um breve discurso, dividindo com passageiros e passageiras um pouco de sua história de superação. “Vou voar de avião por uma boa causa”, brincou Marly, com o bom humor lá nas nuvens.


IDENTIFIQUE OS SINTOMAS

Todos os sinais abaixo podem indicar tumor benigno nas mamas. Maior importância deve ser dada a sintomas que aparecem de forma repentina e unilaterais, que não sejam simétricos na comparação com a outra mama, principalmente se não doerem. Somente o médico ginecologista ou mastologista é capaz de fechar um diagnóstico.
» Espessamentos e vermelhidão da pele;
» Alterações no contorno, formato e volume das mamas;
» Irritação, descamação ou retração da área do mamilo; assim como saída espontânea de secreção fora do período gestacional ou lactacional;
» Caroços nas axilas também devem chamar a atenção, principalmente se não forem dolorosos.

Pausa de um ano na vida

Euler Júnior/EM/DA Press
O presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia em Minas, Clécio Lucena, diz que ter acesso à informação é primordial (foto: Euler Júnior/EM/DA Press)


Nem sempre dá para encarar a notícia do câncer com lentes cor-de-rosa. Ao abordar o câncer de mama de forma leve, mas sem tirar a seriedade da doença, o Instituto Mário Penna, uma das referências em oncologia em Minas Gerais, dá o tom correto da campanha de outubro. “No momento do diagnóstico, costumo avisar para minhas pacientes que, a partir daquele dia, pedirei pausa de um ano da vida delas. Passado esse período, o tratamento terá terminado e a rotina vai continuar. Já se fala em clara chance de cura do câncer e essa fase do enfrentamento pode ser encarada como um tropeço”, compara Kerstin Kapp Rangel, mastologista do Mário Penna, instituição filantrópica que atendeu pacientes de mais de 780 cidades do interior mineiro em 2015, sendo a maioria via Sistema Único de Saúde (SUS).

Segundo Kerstin, essa foi a maneira encontrada pela equipe médica do Mário Penna de suavizar a hora de dar a notícia da doença, que nem sempre será necessariamente ruim. Tal certeza virá somente depois do resultado da biópsia. “A paciente fica com tanta ansiedade para entender seu limite de tempo, e qual será a duração do tratamento, que tudo clareia quando ela percebe que no próximo aniversário do filho já terá concluído o processo. A médica alerta, porém, que a fórmula não faz efeito igual para todas: “Tive o caso de uma delas que imediatamente me questionou: O que é um ano em troca da minha mama?”. Na sua visão, o importante é desmistificar a doença, ainda que seja lidando com a questão do câncer de mama de um jeito excessivamente cor-de-rosa. “O Brasil sofre forte influência da cultura norte-americana, que elege as suas best cancer survival, ou seja, aquelas que passam a ser tratadas como vencedoras do câncer. Para mim, aquelas que concluíram o tratamento na verdade vão ser submetidas a controle durante cinco anos e, dentro do possível, levar uma vida normal.”

Para o médico Clécio Murta de Lucena, presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia – Seção Minas Gerais, é sempre melhor conversar abertamente sobre os temas do que enfatizar tabus. “Ter acesso à informação é uma conquista, que vale tanto para assuntos como opção sexual, corrupção ou câncer de mama. Ainda há pessoas com receio e restrição até de pronunciar a palavra câncer, que no passado era sempre vinculada a morte.” Ele lembra que ter o tumor deixou de ser sinônimo de sentença definitiva. “Atualmente, quanto mais precoce for o diagnóstico, o tratamento será menos agressivo e com maiores chances de cura”, defende Lucena, lembrando que comentar sobre o quadro dentro da família pode ajudar a alertar as parentes de primeiro e segundo graus.