Substâncias presentes em frutas cítricas reduzem efeitos nocivos de dietas gordurosas

Consumo protege órgãos como coração e fígado. Pesquisa brasileira não encontrou, porém, relação entre o consumo desses produtos e emagrecimento

por Isabela de Oliveira 01/09/2016 15:00
Pedro Motta/Esp. EM/D.A Press
Estudo sinaliza que, no futuro, flavononas cítricas, uma classe de antioxidantes, poderão ser usadas para prevenir ou retardar doenças crônicas causadas pela obesidade em seres humanos (foto: Pedro Motta/Esp. EM/D.A Press)
Laranja, limão e lima podem proteger o organismo de perigosos efeitos da obesidade, como doenças do coração, do fígado e o diabetes, sugerem pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em uma pesquisa apresentada ontem na 252ª Reunião Nacional da Sociedade Americana de Química (ACS, na sigla em inglês), realizada na Filadélfia (Estados Unidos). O efeito protetivo foi observado em ratos alimentados com uma dieta calórica e rica em gordura, semelhante à adotada na maioria dos países ocidentais.

“Nossos resultados indicam que, no futuro, podemos usar flavononas cítricas, uma classe de antioxidantes, para prevenir ou retardar doenças crônicas causadas pela obesidade em seres humanos”, diz Paula Ferreira, principal autora da pesquisa. Flavonas são uma subclasse dos flavonoides, componentes encontrados em frutas, vegetais, flores, mel, chás e vinhos.

O trabalho brasileiro corrobora outros estudos com animais e experimentos in vitro que encontraram associação entre os flavonoides presentes em frutas cítricas e a redução do risco para doenças metabólicas. Isso acontece, acreditam os pesquisadores, porque os componentes reduzem o estresse oxidativo, processo que danifica células saudáveis.

Os agentes dessa destruição são chamados de espécies reativas de oxigênio, que são radicais livres gerados pelas células de gordura. Organismos obesos sofrem mais estresse oxidativo por possuírem mais células de gordura, que diminuem a capacidade natural do corpo de combater radicais livres.

Durante seu mestrado, apresentado em 2014 na Unesp, Paula Ferreira observou que o consumo excessivo de gordura é suficiente para promover esse mesmo efeito danoso. Ela passou, então, a investigar a ação de flavonoides cítricos no organismo de 50 ratos sem modificações genéticas e alimentados com uma dieta rica em alimentos gordurosos e calóricos.

Os animais foram divididos em grupos. Enquanto alguns não receberam nenhum tipo de tratamento, a outros foram dadas doses de hesperidina, eriocitrina ou eriodictiol, flavononas encontradas em frutas como laranjas, limões e limas. Durante um mês, a cientista observou a resposta dos animais à dieta gorda combinada ou não ao consumo dos compostos.

Valdo Virgo / CB / D.A. Press
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A dieta com teor elevado de gordura, sem adição das flavononas, provocou o aumento dos níveis de um marcador de dano celular chamado ácido tiobarbitúrico (TBARS). O índice desse marcador subiu 80% no sangue e 57% no fígado desses animais, quando comparados a roedores que recebiam uma dieta balanceada.

No entanto, quando hesperidina, eriocitrina ou eriodictiol foram adicionados à alimentação dos animais, houve diminuição de 50%, 57% e 64%, respectivamente, da TBARS no fígado. A eriocitrina e o eriodictiol reduziram os níveis do marcador no sangue em 48% e 47%, respectivamente. Esses dois últimos compostos provocaram ainda uma redução substancial no acúmulo de gordura no fígado, que sofreu menos lesões causadas pela dieta insalubre.

“Nossos estudos não mostraram qualquer perda de peso devido às flavononas cítricas”, ressalta Thais Cesar, pesquisadora-sênior do trabalho. “No entanto, mesmo sem ajudar os ratos a perderem peso, eles os deixaram mais saudáveis e com menor estresse oxidativo, menos danos ao fígado e taxas mais baixas de lipídio arterial e de glicose no sangue”, completa.

Paula Ferreira acrescenta: “Esse estudo também sugere que o consumo de frutas cítricas, provavelmente, pode ter efeitos benéficos para pessoas não obesas com dietas ricas em gorduras. Essa alimentação as coloca em risco de doenças cardiovasculares, resistência à insulina e obesidade abdominal”.

Efeitos diversificados
Os flavonoides são uma classe de substâncias com ação anti-inflamatória, hormonal, anti-hemorrágica, antialérgica e anticâncer. Também promovem resistência capilar e absorção otimizada da vitamina C. Entretanto, o benefício mais relevante é o de antioxidante, sobretudo na prevenção de câncer e doenças cardiovasculares. Plantas como ginkgo biloba, maracujá e espécies do gênero citrus são algumas das mais estudadas.

"Esse estudo também sugere que o consumo de frutas cítricas, provavelmente, pode ter efeitos benéficos para as pessoas que não são obesas, mas têm dietas ricas em gorduras” - Paula Ferreira, principal autora da pesquisa



“Um velho ditado chinês diz que ervas e alimentos são equivalentes. E plantas cítricas têm sido utilizadas como remédios tradicionais por mais de 1,5 mil anos na China. Uma única administração de antioxidantes em dose elevada é prejudicial, mas estudos epidemiológicos mostram que o consumo de frutas e vegetais ricos nesses componentes são benéficos. Apesar da grande quantidade de estudos sobre o assunto, restam ainda questões pouco abordadas. Por exemplo, a maioria dos estudos tenta revelar a função de componentes cítricos individuais e sua atividade antioxidante, mas sinergismos e antagonismos desses elementos com outros podem tornar os resultados difíceis de interpretar. Além disso, não encontramos um método de análise individual que avalie bem frutas cítricas. É importante padronizar os métodos de investigação para comparar resultados de estudos diferentes. E precisamos de modelos animais simples, rápidos e precisos, que nos ajudem a avaliar o potencial antioxidante dos citrinos.”

Zhiqin Zhou, professor da Faculdade de Horticultura e Arquitetura de Paisagens da Universidade do Sudoeste, em Chongqing, China

Menos proteína contra o diabetes
Dietas muito ricas em proteínas já foram associadas ao risco aumentado para o diabetes tipo 2. No entanto, poucos estudos investigaram se a redução no consumo do ingrediente pode ser uma estratégia eficiente para reduzir o risco de doenças metabólicas relacionadas com a obesidade. Na edição mais recente do Journal of Clinical Investigation, um artigo produzido por especialistas alemães sugere que dietas pobres em proteína melhoram a homeostase da glicose em ratos e seres humanos.

A equipe liderada Adam Rose, do Centro de Pesquisa de Câncer da Alemanha, mostrou que essa estratégia alimentar impediu a desregulação dos níveis de glicose, induzindo as vias de sinalização de resposta ao estresse no fígado, o que reduz o risco para doenças metabólicas relacionadas com o excesso de peso. A menor ingestão de proteína também melhorou a homeostase da glicose no sangue e outros marcadores metabólicos em um pequeno grupo de homens jovens saudáveis.

“É bem-sabido que dietas mais pobres em proteínas aumentam a vida útil de roedores e retardam doenças relacionadas à idade, como certos tipos de câncer, doença de Alzheimer e diabetes tipo 2. Enquanto os mecanismos precisos envolvidos nisso ainda não estão claros, é possível supor que eles incluam, além de outros, melhora na resistência ao estresse, diminuição dos níveis de insulina e/ou taxas metabólicas otimizadas”, supõe Rose.

Antibióticos
Em um outro estudo, publicado na revista Nature Microbiology, pesquisadores da Universidade de Nova York apresentam evidências de que o tratamento com antibióticos eleva o risco para diabetes. A equipe liderada por Martin Blaser mostrou que doses de antibiótico equivalentes às usadas em crianças alteraram dramaticamente a composição da microbiota intestinal de ratos jovens, aumentando as chances de desenvolvimento da doença. O estudo aponta, especificamente, que esses medicamentos fazem com que ratos com predisposição ao diabetes tipo 1 desenvolvam a doença com maior rapidez e frequência do que animais não tratados com os medicamentos.

“Esse é o primeiro estudo a mostrar que os antibióticos alteram a microbiota e têm efeitos duradouros no desenvolvimento metabólico e imunológico, causando a autoimunidade. Estamos ansiosos para ver se esses achados podem influenciar tratamentos preventivos para diabetes tipo 1 no futuro, além de pesquisas na área de vacinas”, diz Jessica Dunne, diretora da Fundação de Pesquisa em Diabetes Juvenil, entidade dos EUA que apoiou o estudo de Blaser.