Acesso ao diagnóstico e tratamento do câncer de mama são debatidos em fórum

Iniciativa da Ong carioca Laço Rosa discutiu políticas públicas para a neoplasia mais mortal entre as mulheres

por Carolina Cotta 31/05/2016 16:31
Carolina Cotta / EM / D.A Press
Rosa Amélia Paixão, 53 anos, designer de interiores. Apesar de ter plano de saúde, está fazendo o tratamento do câncer de mama no SUS. Para ela, o maior desafio é o prosseguimento do tratamento pois é difícil marcar exames e consultas (foto: Carolina Cotta / EM / D.A Press)
Quatro meses. É esse o período que a maioria das mulheres com suspeita de câncer de mama leva para concluir o processo de diagnóstico. Na média, a espera pode chegar a nove meses. O dado é da pesquisa Datafolha apresentada durante o Fórum de políticas para o câncer der mama e Encontro estadual de pacientes, realizado nesta terça-feira (31/05), no Rio de Janeiro, pela ONG Laço Rosa. O encontro envolveu as principais entidades nacionais ligadas ao câncer, especialmente dedicados à neoplasia da mama.

Entre 2 e 10 de maio, foram ouvidas com 240 pacientes de câncer de mama do estado do Rio de Janeiro, em diferentes fases do enfrentamento da doença: suspeita, diagnóstico, tratamento e monitoramento. O inventário mostra uma realidade cruel. Mulheres estão morrendo mais cedo simplesmente pelo fato de estarem se tratando no SUS. E essa realidade, segundo o oncologista clínico Gilberto Amorim, da rede Oncologia D`Or não é uma novidade. Tampouco exclusividade do Rio.

Segundo o especialista, há problemas em todas as fases e eles ocorrem também na rede particular, mas são mais expressivos no SUS. Os principais gargalos são no início do processo. “Não há no Brasil um programa de rastreamento adequado. É uma questão de oportunidade. Quem tem mais consciência procura o posto, insiste. Isso fa com que a quantidade de mulheres tratadas seja baixa em proporção ao numero de casos previstos. Se houver um achado na mamografia, o gargalo seguinte é voltar ao médico e conseguir o pedido para a biópsia.

Mas o problema ganha dimensões ainda maiores, segundo Gilberto, é em relação ao câncer de mama metastático. “Ai fica tudo mais difícil. O cardápio que o SUS tem para o tratamento desse tipo de câncer, seja em caso de recidiva, ou quando já se descobre a doença em fase avançada, é muito restrito. O SUS tem basicamente quimioterapia para o câncer de mama metastático. Com isso, a sobrevida dessas pacientes é um terço da sobrevida daquelas tratadas na rede privada, que têm acesso às medicações usadas há mais de 15 anos em todo o mundo, inclusive nos nossos vizinhos na América Latina.

Carolina Cotta / EM / D.A Press
Fátima Machado, de 44 anos, secretária, teve diagnóstico de câncer de mama há 10 anos. Tratou e no ano passado teve diagnóstico de metástases óssea. Está novamente em quimioterapia (foto: Carolina Cotta / EM / D.A Press)

O caso mais emblemático é o do trastuzumabe. Não se trata de um medicamento novo. Ele já é inclusive oferecido no SUS, mesmo que com oito anos de atraso, no tratamento de um tipo específico de câncer de mama, aqueles com o receptor HER-2 positivo. Mas o Conitec, órgão responsável pelo estudo de custo/eficácia, questiona a contribuição do medicamento que no ano passado entrou numa lista básica de medicamentos para oncologia, definida pela OMS. Até os países mais pobres da África usam, menos o Brasil”, lamenta.

No próximo mês, um estudo do qual Gilberto fez parte, será publicado em uma revista científica internacional mostrando que a cada ano, 400 brasileiras morrem de câncer de mama metastático por falta de acesso ao medicamento que está no mercado há 15 anos. “O governo podia ter pedido até transferência de tecnologia. Já caiu a patente do remédio. Ele poderia estar sendo produzido aqui mesmo no Brasil, pelos laboratórios do governo”, comenta.

DIAGNÓSTICO

Cinquenta e sete porcento das mulheres ouvidas pela pesquisa suspeitaram do câncer de mama com o auto-exame, o que acirra a discussão sobre a idade ideal para início da mamografia de rotina, método preconizado para rastreamento na atenção integral à saúde da mulher. De acordo com as Diretrizes para a Detecção Precoce do Câncer de Mama, revisada em 2015, a mamografia de rotina é recomendada para as mulheres de 50 a 69 anos, a cada dois anos. Outro problema é que nem essa faixa etária é totalmente coberta.

Segundo Mônica Assis, da divisão de detecção precoce e apoio à organização da rede do Inca, a mamografia nessa faixa etária e nessa periodicidade é a mesma adotada na maioria dos países que implantaram o rastreamento organizado do câncer de mama. “A recomendação é baseada em evidências científicas do benefício dessa estratégia na redução da mortalidade, mas também leva em consideração os riscos da realização frequente e precoce do exame”, pondera.

Das pacientes entrevistadas, por exemplo, apenas 23% suspeitaram da doença a partir da mamografia. Dez porcento manifestou sintomas e 10% tiveram o problema detectado por medico. Além disso, 79% delas já tinha passado por mamografia antes dessa suspeita. A designer de interiores Rosa Amélia Paixão, de 53 anos, sempre teve o hábito de fazer o autoexame e assim percebeu um nódulo que a preocupou, em novembro de 2014.

“Fui direto ao mastologista. Já sentia que era câncer”, relembra. Rosa tinha plano de saúde, mas esse não cobria a quimioterapia, motivo pelo qual fez o tratamento no SUS. Sede do Inca, o Rio de Janeiro hoje garante 73% do atendimento do câncer de mama na rede pública. Uma única unidade atende a quase 70% desses atendimentos. O problema é conseguir horário para as consultas e exames. Rosa, por exemplo, que está em fase de seguimento da doença, após ter terminado a quimioterapia, só conseguiu vaga para setembro para uma consulta que precisava fazer em junho.

Poucas também conseguem fazer a reconstrução mamária imediata, como previsto em lei. Segundo o mastologista Ruffo de Freitas Júnior, presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia, apenas 30% das pacientes se beneficiam da cirurgia no mesmo momento em que tiram os tumores. “Faltam mastologistas preparados, mas também infraestrutura para a cirurgia. Na rede pública temos que optar em fazer duas cirurgias para retirada do tumor, ou uma de reconstrução”, lamenta.