Para manter a mente sã é preciso exercitá-la constantemente

Especialistas explicam como manter a performance cerebral ativa em todas as idades e períodos da vida

por Lilian Monteiro 28/02/2016 08:00
Allocine.fr/Reprodução da internet
Cena do filme Divertidamente, que concorre ao Oscar de melhor animação hoje à noite. Aqui, Alegria e Tristeza conversam sobre sentimentos (foto: Allocine.fr/Reprodução da internet)
Mistério e curiosidade sempre cercaram o funcionamento da mente humana. Há descobertas incríveis por aí, assim como grandes dúvidas e perguntas sem respostas. Em um ponto, psicanalistas, neurologistas, psiquiatras e neurocientistas concordam: é preciso manter a mente trabalhando, estimulada e ativa em qualquer idade. No filme Divertidamente, candidato ao Oscar pelo estúdio Disney, a comovente animação criada pela Pixar sobre as emoções de uma garotinha de 11 anos e o que ocorre no seu consciente e inconsciente mostram de maneira lúdica e também profunda o que ocorre nas engrenagens do cérebro. No quartel-general da consciência de Riley, as emoções interagem constantemente quando uma decisão tem de ser tomada ou surge uma emoção.

Maria Tereza Correia/Divulgação -  18/6/10
A psiquiatra Marília Brandão incentiva o uso de jogo da memória, cursar outro idioma, praticar exercícios físicos e ler bastante para que o cérebro crie novos circuitos (foto: Maria Tereza Correia/Divulgação - 18/6/10)

Médico, neurocientista e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rogério Panizzutti – envolvido em vários estudos sobre a ginástica cerebral, sendo que entre os anos de 2013 e 2014 conduziu pesquisas sobre sua eficácia, comprovando, entre tantos benefícios, que ela melhora as habilidades da memória – afirma que “estimular o cérebro é sempre saudável”. Ele explica que “a capacidade cerebral das pessoas começa a declinar a partir dos 30 anos em termos de velocidade, em algumas de forma mais lenta e, em outras, de maneira mais rápida. O impacto na vida da pessoa dependerá do grau de comprometimento. Acima dos 60 anos, é maior”. Se a capacidade cerebral começa a declinar tão cedo (30 anos), por outro lado, Panizzutti avisa que “quem mantém a mente ativa tende a protegê-la contra o declínio”.

Obviamente, afirma o neurocientista, no dia a dia trabalhamos o cérebro com as funções que desempenhamos. Mas o valor da ginástica cerebral é que “ela funciona ao mantê-lo em forma”. Panizzutti reconhece que o excesso de informação é um desafio “porque a grande questão está na filtragem, já que nossa capacidade de memorizar é limitada”. Portanto, temos de aprender a reter e filtrar informações.

Rogério chama a atenção que, cada vez mais, “as pessoas tendem a fazer duas coisas ao mesmo tempo, as multitarefas. O que se mostra com isso são resultados piores. Ou seja, é melhor fazer uma coisa de cada vez. Caso contrário, há um custo para o cérebro. A eficiência e a eficácia serão menores”.

Para ativar o cérebro é preciso treiná-lo. “Se para manter o corpo físico é melhor subir de escada do que de elevador, o equivalente vale para o cérebro, ou seja, adote atividades que o estimulem. É o que chamamos de construção de reserva cognitiva, que é a capacidade de se conectar com o mundo”, ensina o professor.

TESTES EFICAZES

Manter o nível de performance de aprendizagem verbal e tarefas de memória são fundamentais para retardar ou diminuir a taxa de declínio na aprendizagem verbal e memória, principalmente dos idosos. Para ajudar todas as idades, Rogério Panizzutti avisa que “exercícios específicos computadorizados têm importância maior (tema de estudos na Alemanha e na Califórnia nos anos 1990). Há vários tipos de testes cientificamente comprovados e disponíveis na internet. A vantagem é que o computador desafia e se ajusta à capacidade da pessoa, é no ritmo dela. O desafio é o acesso, uso e manuseio do computador. Para quem tem dificuldade é necessário auxílio”.

Marcos Vieira/EM/D.A PRESS
Coordenadora pedagógica da 'Escola Supera', Ana Maria Cordeiro Andrade diz que estímulos diferentes são fundamentais para tirar o cérebro da sua zona de conforto de gastar o mínimo de energia (foto: Marcos Vieira/EM/D.A PRESS)

A psiquiatra e psicanalista Marília Brandão Lemos Morais reforça que os exercícios para o cérebro são fundamentais “para estimular a neuroplasticidade cerebral, que é a capacidade do cérebro de criar novos circuitos e caminhos neuronais. É a forma de o cérebro mudar configurações funcionais e químicas como reações aos estímulos externos”. Na opinião da médica, nenhum excesso é bom. No entanto, ela garante que quanto mais estimulado, mais o cérebro criará as redes sinápticas para mantê-lo ativo. “A preocupação deve ser em exercitá-lo a vida inteira, o tempo todo, independentemente da idade. Jogo da memória, estudar outra língua, exercícios físicos, aprender a tocar um instrumento musical, leitura, enfim. Vale destacar que a quantidade excessiva de informação desconcentra, a pessoa não lembra. O benefício está na atividade centrada, com foco”, ressalta.

TREINAMENTO
Ana Maria Cordeiro Andrade, coordenadora pedagógica da Escola Supera – Ginástica para o Cérebro, unidade Savassi, em Belo Horizonte, enfatiza que “nosso cérebro tem 86 bilhões de células e por princípio é preguiçoso. A natureza trabalha com economia de energia e o cérebro gasta o menos possível, é o que chamamos de sempre viver na zona de conforto”. Assim, ela enfatiza, “o Supera, que não é um método de reabilitação, propõe tirar o cérebro dessa zona de conforto. Uma analogia é: se você vai à academia para mexer o corpo, precisa exercitar o cérebro para mantê-lo ativo. E ele é trabalhado à medida que é estimulado. Aí, ele responde”.

Ana Maria enfatiza que a escola atende desde crianças a partir dos 5 anos a adultos, sem limite de idade. E cada fase terá seus benefícios. “A criança ganhará facilidade de estudo, com mais foco, concentração, disciplina e atenção. Os jovens estudando para o vestibular ou os que vão entrar no mercado de trabalho, vão estimular o pensamento lateral, que é conseguir olhar o problema de outro modo e buscar solução inusitada, fora do óbvio, do padrão e do comum. Vão trabalhar para buscar recursos em todos os meios para perceber outra ótica. E o idoso, como toda matéria viva, degenera e a memória diminuiu. E como disse a neurocientista Suzana Herculano-Houzel, 'a atenção é a porta da memória'. Então, vamos buscar, além da memória, a concentração, atenção, raciocínio e foco”.

De acordo com Ana Maria, nos dias atuais temos estímulos demais “e não prestamos atenção em nenhum deles”. Ela diz que o fundamental é prezar pelas seguintes habilidades: raciocínio lógico, habilidade espacial, memória, linguagem, atenção e relações socioemocionais (inter e intrapessoais). No Supera, a coordenadora conta que há três desafios para quem busca manter o cérebro ativo: novidade, variedade e desafio crescente. O que isso significa? “Usamos várias ferramentas e estímulos diferentes que sempre tragam novidade e com grau de dificuldade maior a cada tempo para que o cérebro nunca deixe de trabalhar”.

Exercitando  o cérebro

A maioria dos idosos que conhecemos faz palavras cruzadas ou se reúne nas praças para jogar dominó, baralho, gamão, dama e xadrez. Eles podem até fazer isso inocentemente, mas não imaginam o quanto pode ser importante para a saúde mental e a prevenção de doenças degenerativas. Médicos da área e psicólogos indicam a prática como método preventivo de doenças senis, até mesmo o mal de Alzheimer. O que ocorre é que os jogos lógicos estimulam uma série de aspectos sensoriais de extrema importância aos mais velhos. A psicóloga Danielle Sá, da Sociedade Brasileira de Arte, Cultura e Cidadania (Sobacc), enfatiza que “o jogo é um exercício cerebral e cognitivo bastante eficiente, que estimula o funcionamento e extensão da memória e do trabalho neuronal; a inteligência, que é a capacidade perceptivo-motora do ser humano; a atenção; a linguagem, responsável pela fluência verbal, nomeação e compreensão; a memória visual e espacial; o raciocínio e as funções de execução”.


Riley e suas Emoções
A personagem Riley, do filme Divertidamente, é uma garota divertida de 11 anos, que deve enfrentar mudanças importantes em sua vida quando seus pais decidem deixar sua cidade natal, no estado de Minnesota, nos Estados Unidos, para viver em San Francisco, Califórnia. Dentro do cérebro de Riley convivem várias emoções diferentes, assim como no nosso. Ali estão a Alegria, o Medo, a Raiva, o Nojinho e a Tristeza. A líder desse grupo é Alegria, que se esforça bastante para fazer com que a vida de Riley seja sempre feliz. Entretanto, uma confusão na “sala de controle” faz com que ela e Tristeza sejam expelidas para fora do local. A partir daí, elas precisam percorrer as várias ilhas existentes nos pensamentos de Riley para que possam retornar à sala de controle. No meio desse caminho, elas se deparam com memórias, sentimentos e lembranças alegres e dolorosos, escondidos nos locais mais profundos de Riley. Enquanto elas não voltam à sala, a vida da garota muda radicalmente.